Contra-regra
Coluna semanal de televisão


Semana de carnaval é um período ótimo para se ter idéia das pretensões de cada emissora. Apenas três faziam uma grande cobertura da festa: a mais respeitada e líder de audiência, Rede Globo, mostrava o que tinha de mais impressionante e grandioso, os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo. Todo o discurso era de que carnaval era na Globo, afinal só eles possuíam os direitos de transmissão da festa "verdadeira" do feriado mais festivo no Brasil. Já a Bandeirantes, que ano após ano tenta se firmar como emissora grande e respeitada, comprou os direitos que estavam a seu alcance, o carnaval da Bahia; que embora não fosse o mais visto nacionalmente, eram direitos oficiais, e daí vinha a sensação de credibilidade. E o tempo todo a Band se vendeu nessa de dona exclusiva do carnaval da Bahia, mostrando sempre seus apresentadores (que fazia-nos sentir numa mini MTV, com Astrid, Sabrina Parlatore e Marcos Mion) conversando com os cantores nos trios-elétricos e recebendo os mais famosos nomes do carnaval bahiano, numa tentativa de "imitar" a líder Globo, de se mostrar com tanta credibilidade quanto ela. E por fim a emergente RedeTV, que no carnaval seguiu a sua linha cotidiana: ir atrás do que dá ibope e é de graça, fofocas e corpos sarados. Durante todo o feriado a RedeTV ficava até de madrugada, sob a apresentação de Nelson Rubens (aquele que aumenta, mas não inventa), na periferia da Globo. Enquanto a líder tinha toda a oficialidade do show, a emergente ia atrás dos "bastidores". Com uma equipe formada por: Verônica Costa (a Mãe Loura do Funk), Wagner Sugamelli (que tinha como lema "ir atrás de gostosas), Djaílton, Caramujo (o repórter surdo), ia com tudo tentando pegar flagras de mulheres se trocando, artistas mostrando suas fantasias em primeira-mão, fofocas de quem tava com quem etc. E na contramão disso tudo tinha a Rede Record, com o dono Edir Macedo em pessoa, libertando os espectadores do mau de suas vidas em programas ao vivo com telefonemas clamando por ajuda de todo o Brasil.

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Saindo do panorama geral da cobertura de carnaval e entrando num tema mais específico: as coberturas da Bandeirantes e da RedeTV para o Gala Gay, tradicional baile GLS que acontece todo ano na casa de show Scala, no Rio de Janeiro. A diferença de ponto de vista sobre o evento nas duas cobertura foi gritante. A RedeTV tinha sua equipe liderada por Monique Evans, que o tempo todo se inseria naquele espaço, se colocando como uma freqüentadora que excepcionalmente estava atuando como repórter para uma cobertura televisiva; junto com ela vinham Léo Áquila, que é travesti (e isso já mostra bastante do posicionamento da cobertura em relação ao evento), e ali estava em casa: conhecia as pessoas, todos os costumes e códigos, fazendo questão de deixar tudo isso bem claro; e pra completar tinha o repórter Djaílton (que o boné de Dick Vigarista não deixava negar que aquele ambiente era totalmente estranho a ele) que deixava transparecer seu estranhamento, mas sempre com muito interesse e até admiração por toda aquela grandiosidade (não era difícil ouvirmos indagar: "olha, que legal, se eu visse você na rua teria certeza de que era mulher").

Em contraponto, Otávio Mesquita cobria o mesmo baile, para a Bandeirantes, de forma totalmente oposta. Mesquita se colocava como acostumado àquele ambiente. Acostumado como um repórter sensacionalista que vai lá todo ano a procura das figuras mais bizarras, se colocando, por ser de um rede de TV e estar cobrindo o baile, numa posição superior, como se isso lhe desse o direito de tratar gays e travestis como atrações de circo. E aí se escancaram os opostos; enquanto Monique Evans se insere realmente no ambiente, Mesquita, de forma reacionária, vê ali os seus homens-elefantes.

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Nota 1:

A novela das 7, Da Cor do Pecado, começou há pouco, mas já mostrou ao que veio. Numa tentativa clara de imitar Sílvio de Abreu (todo o clã da Família Sardinha, por exemplo, é um sub Dona Armênia e suas "filhinhas da mamãe") fazendo uma comédia leve para conquistar o público jovem. O problema é que o autor João Emanuel Carneiro acaba fazendo de sua novela um veículo de recalques, lições de moral e uma tentativa muito deturpada de abordar a questão racial.

O autor começa a mostrar uma total descrença no ser humano quando em qualquer momento da novela que algum personagem esteja na rua, numa situação indefesa, sempre aparece um estranho oferecendo ajuda que acaba por se revelar como um mau caráter querendo se aproveitar. Se ele só crê na podridão humana, como eu, espectador, vou crer em algum tipo de humanidade em seus personagens? Ou será que ele acha que todo o mundo é podre e só seus personagens possuem humanidade?

Carneiro parece achar que discutir questões raciais é colocar uma negra pobre, honesta, boa e santa versus uma branca rica, sem caráter e má. Temos o tempo todo a personagem de Giovanna Antonelli dando aulas de racismo xingando a Preta (o nome da personagem já mostra a sutileza do autor) de neguinha, suja, bandida; e chegando num ápice de termos ambas parindo seus filhos. Enquanto a personagem de Taís Araújo dava à luz ao verdadeiro filho de Paco (o mocinho) num ônibus, a má (Giovanna Antonelli) paria um falso filho de Paco num hospital chique e com todo o respaldo da família do pai que não é o pai. De discussão não vemos nada. É só uma atitude constante de tentar dizer "negros são coitadinhos, foram massacrados pelos brancos e merecem uma compensação". O problema é que isso é mais uma atitude paternalista, algo que soa como "negros são incapazes, então vamos passar a mão na cabeça deles".

Nota 2:

Surpresa agradabilíssima vem acontecendo em Malhação. Logo que começou essa temporada pareceu-me que seria especialmente chata – a super-ambientalista perfeitinha Letícia é nada menos que insuportável; porém, o núcleo da república de estudantes vem dando vida à trama. Parece que ali os autores e diretores trabalham com prazer, ali não precisam ficar inserindo "boas mensagens", pode-se apenas brincar e se divertir. E destaque total aos atores (principalmente: Sérgio Hondjakoff, Ícaro Silva e Danielle Suzuki) que vêm se saindo muito bem, com um entrosamento ótimo em um "time" perfeito para as situações cômicas.

Francisco Guarnieri


Textos da semanas anteriores:
A Dona da verdade (por Felipe Bragança)
Mormaço (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 – Parte 2 (por Felipe Bragança)
Retrospectiva 2003 (por Felipe Bragança)
A Grata futilidade de Gilberto Braga (por Felipe Bragança)
Aos treze (por Roberto Cersósimo)
Algum começo... (por Felipe Bragança)
Uma novela de... (por Roberto Cersósimo)
O canal das mulheres, a cidade dos Homens (por Felipe Bragança)
O fetiche do pânico (por Roberto Cersósimo);
Televisão cidadã, cidadãos televisivos
(por Felipe Bragança)