A Herança de Mr. Deeds,
de Steven Brill

Mr. Deeds , EUA, 2002


Depois do incompreensível Little Nicky, parece que Steven Brill vem tentar, com este filme, provar ser um verdadeiro "autor": nenhum cineasta em atividade no momento possui um humor tão desastroso e constrangedoramente sem graça quanto ele. Pior: mais uma vez, assim como no filme anterior, ele mostra uma incrível incapacidade de entender exatamente o que é que faz Adam Sandler uma figura simpática, ou singular, na comédia americana. O fato é que em todos os seus papéis mais bem sucedidos (como O Paizão ou Happy Gilmore), Sandler sempre interpreta uma criança crescida, basicamente. Não há nele qualquer traço de controle do código de comportamento que rege a nossa sociedade, e o que o torna simpático a audiência é que, de uma forma ou de outra, a liberdade de que ele usufrui por conta disso, nos lembra de uma irresponsabilidade infantil da qual todos sentimos falta.

Neste filme, Brill o coloca num papel que não foge desse estereótipo: seu personagem é tão ingênuo, tão sem qualquer relação com a realidade da vida moderna eu ele se torna, de fato, nada mais do que um proto-homem. Mas, o grande erro de Brill não é tanto este: é principalmente tentar colocar esta criança crescida numa trama que pede algum teor de lógica e que inclui, entre outras coisas, um romance (com Wynona Rider). Todas as cenas que envolvem os dois, na verdade, tem a sensação de um abuso sexual, porque aquela figura masculina simplesmente não parece preparada para sequer ser tocado por uma mulher. A mistura dessas dimensões diferentes faz com que não haja um código estabelecido para o espectador se relacionar com os personagens. Afinal, eles devem ser críveis e envolvidos em dramas comuns, ou surrealmente retirados de qualquer realidade?

Esta dimensão equivocada fica tão mais clara com o trabalho dos coadjuvantes. Porque nos já citados filmes onde Sandler funcionava como personagem, uma das grandes e mais importantes sacadas era justamente que os personagens em torno dele se comportavam como se ele fosse o que ele parecer ser para o espectador: uma completa excentricidade. Este choque, e por outro lado, esta empatia entre o olhar de todos com o do espectador, é o que tornava os filmes interessantes. Aqui, todos estão no mesmo tom de Sandler: Peter Gallagher, Steve Buscemi, John Turturro. Então não resta um chão aonde o espectador se fixar para entender como olhar o que acontece na tela. Afinal, esse é um universo paralelo onde executivos de empresa parecem personagens de chanchada?

No meio de toda essa confusão, apenas duas coisas chegam sequer perto de funcionar: Turturro, que consegue construir um personagem no meio deste caos, e suas cenas são de fato engraçadas, ao contrário de todos os outros; e uma certa disposição para o politicamente incorreto que faz com que o personagem de Sandler (nosso herói) espanque pessoas, beba de forma compulsiva, e grite que "escola é para os tolos", sem qualquer tipo de censura. Mas existe uma velha palavrinha que não tem definição, mas não há quem não entenda, chamada "timing": em comédia, ela é tudo. E isso, Brill já deixou bem claro, ele não domina, de jeito nenhum.

Eduardo Valente