Irmão Urso
Aaron Blaise e Robert Walker, Brother Bear, EUA, 2003
Walt Disney Pictures: uma referência incontestável em longas-metragens de animação? Já foi o tempo. Desde o renascimento desta companhia, na virada entre as décadas de 1980/90 (A Pequena Sereia, A Bela e a Fera), dois fenômenos vieram a alterar profundamente o panorama de um gênero sobre o qual a Disney exerceu, durante bastante tempo, um quase monopólio. O primeiro deles, o avanço da animação computadorizada aliado ao surgimento da Pixar, que atualmente é quem vem apresentando uma melhor qualidade média de produção, seja dos filmes como um conjunto (Toy Story 1 e 2, Monstros S.A., Procurando Nemo) seja exclusivamente do ponto de vista das técnicas de animação. Mesmo ligada à Disney, a Pixar vem indiscutivelmente desenvolvendo sua marca pessoal, trilhando um caminho cada vez mais independente. O outro foi a conseqüente saturação do mercado, que recebe cada vez mais uma enxurrada de títulos de qualidade no mínimo discutível (Sinbad pode ser considerado um bom exemplo).

A julgar por Irmão Urso, a Disney demonstra que, ao invés de invocar seu passado de glória e destacar-se no meio da mediocridade, optou por simplesmente nivelar seu trabalho pelo baixo patamar imposto por boa parte de sua concorrência. A começar pelo argumento, baseado na transformação de uma pessoa em animal, já utilizado numa produção recente da própria Disney, A Nova Onda do Imperador, de 2000. O que neste trabalho anterior resultou numa comédia despretensiosa e moderadamente divertida, em Irmão Urso apenas rende uma xaropada piegas e redundante. A ausência de atrativos ou novidades na história do caçador esquimó que vira urso e descobre amor e amizade através de um ursinho órfão (o "bicho fofo" da vez) se extende às técnicas de animação apresentadas, distantes do deslumbramento visual exercido pelos melhores momentos da Disney.

A equipe liderada por Blaise e Walker, ao que parece, ignorou alguns mandamentos essenciais para o êxito de uma fórmula há muito consolidada. O principal deles a presença de um vilão forte e carismático, o que o próprio Walt Disney considerava um dos principais responsáveis pelo sucesso de um desenho. Simplesmente não existe vilão em Irmão Urso. Outra tradição da Disney, os coadjuvantes cômicos, são muito pouco explorados. A participação da dupla de alces, que tudo leva a crer que deveria ser um dos principais atrativos da fita, haja visto que na dublagem brasileira suas vozes são feitas por Marco Nanini e Luis Fernando Guimarães, é bastante dispersa e limitada. E as canções de Phil Collins, melhor nem falar; são de uma breguice constrangedora, acentuada nas pobres versões em português.

Com todos estes desacertos, contudo, Irmão Urso não deve ser um momento a ser esquecido ou ignorado. Muito pelo contrário, deveria ser utilizado como ponto de partida para uma reavaliação a respeito de novos rumos a serem tomados, não somente pela Disney, como também pelo total das produtoras que investem em longas de animação. Caso não haja um redirecionamento do gênero, seu destino será um inevitável mergulho num abismo sem fim, se é que este mergulho ainda não começou.

Gilberto Silva Jr.