11ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES
Cobertura diária

DÉCIMO SEGUNDO, de Leonardo Lacca

Quando Décimo Segundo começa, somos metidos num jogo do qual não sabemos as regras. Um homem, recortado apenas pela boca, lança uma brincadeira num interfone, espécie de código secreto de mentirinha com a pessoa do outro lado da linha, voz grossa, uma frase em inglês. Depois chegamos ao elevador do prédio, e segue valendo a regra do desconhecimento: o sujeito deixa as malas subirem sozinhas, enquanto corre pela escada até o andar do título. Lá em cima finalmente conhecemos a outra jogadora dessa partida, que também faz uma brincadeira com o sujeito, escondendo sua bagagem. São gestos mudos, sem contexto, sem explicação, de tal maneira estabelecidos que, no momento que nos são apresentados, parece nos faltar a senha de acesso a esse universo. Ele se encaminhará de maneira bastante coerente com o (des)equilíbrio de forças que se estabelece entre homem e mulher desde o começo, e além dos dois, só Leonardo Lacca parece conhecer esta senha.

A falta de informação, o valor do não-dito, a condição do curta-metragem como uma espécie de lugar privilegiado do fora-da-cena, ali onde todas as verdades residem mas que vinte minutos não bastam para alcançar. Um recorte, pedaço de vida arrancado dela sem começo e sem fim. Esse é um rosário que já conhecemos, um expediente cada vez mais comum no curta brasileiro. Em Décimo Segundo, no entanto, Lacca trabalhará com uma idéia de evidência total. O que quer que tenha acontecido entre esse casal, certamente já foi transformado pelo tempo e pela longa distância um do outro: o reencontro é de um patente constrangimento.

A maior parte do filme se dá num plano-seqüência, com a câmera na mão se esforçando para dividir com os dois atores o espaço apertado da cozinha do apartamento. Há uma tentativa clara de suprir, com essa proximidade radical, todas as ausências de que o filme está preenchido, e ainda assim ela não consegue nunca trabalhar na chave da humanização (clichê estético dos filmes de câmera-nuca, por exemplo, do qual Lacca é um franco devedor). A câmera funciona não como o objeto de perseguição da espontaneidade, uma mobilidade que consegue estar presente lá onde um gesto, por menor que seja, pode significar mais que dúzias de diálogos. Décimo Segundo é, na verdade, o próprio espaço do constrangimento, esse sim radical e insuperável. Veremos uma oposição clara entre o rapaz moreno de tom de voz sempre sofrido, nordestino, muito mais dedicado a viver a confusão deste reencontro, enquanto do outro lado sobrevive bem a mulher caucasiana, impávida, sotaque paulistano, nunca realmente se importando com tudo aquilo. O jogo, logo veremos, não diz respeito ao encontro, mas sim a uma espécie de investigação microscópica de toda sorte de expressão pesarosa que Irandhir Santos consiga reproduzir, sempre a um palmo de seu rosto, lá onde logo perceberemos que talvez não devêssemos estar. De uma câmera que supunha intimidade, só se tira invasão. Da estratégia do plano-seqüência como a fluência de um sentimento que é latente demais para ser interrompido, passamos ao completo atravanco fetichista, que não amplia horizontes (como se pensaria desse filme do qual não se sabe nada e que, por isso mesmo, nos permite imaginar tudo), mas só os restringe.

E no fim, no atropelo de tanta fabricação da naturalidade, é de se perguntar se aquele homem, com as claras questões não-resolvidas que tem por esta mulher, merecia mesmo que se fizesse um filme sobre sua história apenas para lhe impor mais uma instância de incômodo. Certamente não.

Rodrigo de Oliveira

 

 






Décimo Segundo e a proximidade que só amplia
o constrangimento