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                         Num dia escuro e nublado no início de 1972, o néon reluzente de um redemoinho 
                          de cor, som e movimento circulou através e ao redor 
                          do distrito comercial perto do centro da Cidade do México. 
                          Alejandro Jodorowsky estava rodando uma das cenas de abertura de A Montanha Sagrada, um filme baseado em 
                          A Subida do Monte Carmelo, de São João 
                          da Cruz, e O Monte 
                          Análogo, de René Daumal. Trata-se de um filme sobre a busca do homem pela iluminação.  
                            
                           
                          Os filmes mexicanos raramente tinham sido famosos pela 
                          excelência artística ou comercial, mas este estava sendo 
                          seguido com um grande interesse por parte da comunidade 
                          cinematográfica internacional. Allen Klein, empresário 
                          dos Rolling Stones e de três dos Beatles, 
                          tinha posto $750.000 como financiamento inicial. O orçamento 
                          projetado era de $1.500.000, não muito se comparado 
                          ao parâmetro de Hollywood, mas a maior produção na história 
                          da indústria cinematográfica mexicana. Alejandro Jodorowsky, nascido no Chile, tinha trabalhado com Marcel 
                          Marceau em Paris, escrevendo duas das peças mais conhecidas 
                          do mímico, The Mask Maker e The Cage. Mais tarde, no México, ele dirigiu mais de cem peças, 
                          muitas delas para a televisão nacional, e se tornou 
                          uma grande celebridade no mundo da língua espanhola 
                          por suas radicalmente abrasivas performances teatrais. 
                          Seu primeiro filme, Fando e Lis, foi denunciado no Festival de Cinema de Acapulco em 1968 
                          como “corrosivo e corruptor”. Ele foi exibido apenas 
                          durante um breve período nos Estados Unidos e nunca 
                          foi distribuído comercialmente no México.      
                           
                          Seu segundo filme, El Topo, começou sendo exibido em sessões 
                          à meia-noite em Nova York no Ano Novo de 1971, no Elgin, 
                          uma sala não muito em voga consagrada à língua espanhola 
                          no bairro de Chelsea. Havia quase nenhuma propaganda, mas logo longas filas 
                          começaram a se formar. Muitos dos espectadores voltavam 
                          repetidas vezes. Algumas poucas críticas e entrevistas 
                          fortemente favoráveis apareceram na imprensa underground. 
                          Rapidamente o establishment 
                          começou a tomar nota. Não era algo com que pudessem 
                          lidar confortavelmente. El Topo era indescritivelmente estranho, 
                          diferente de tudo que qualquer um tinha visto antes. 
                           
                           
                          Resumir sua história é meio como tentar fazer a sinopse 
                          de The Faerie Queen ou 
                          Pilgrims Progress, dois 
                          clássicos trabalhos 
                          numa tradição similar de complexidade alegórica. 
                          Essencialmente, El Topo é a história de um heróico cowboy 
                          progredindo ao longo de uma paisagem de confrontações 
                          com outros heróis, que são todos derrotados por ele. 
                          Depois ele vai até um mestre Zen com um puçá de apanhar 
                          borboleta e acaba derrotado.  
                           
                          O macho cowboy vestido de 
                          preto renasce como um simples dançarino doido que vive 
                          numa caverna com corcundas, aleijados, anões e outros 
                          rejeitados pela sociedade. Ele se apaixona por uma mulher 
                          minúscula. Eles saem da caverna e exibem danças cômicas 
                          numa cidade próxima. Há uma outra confrontação heróica 
                          e o dançarino doido mata todos seus inimigos e depois 
                          se queima vivo em uma cena chocantemente realista que 
                          lembra aqueles monges vietnamitas. (O efeito foi criado 
                          enxertando um esqueleto com carne de boi e tacando gasolina 
                          nele.) Em 1971, o New York 
                          Times publicou, em separado, três críticas de El Topo que eram 
                          mutuamente contraditórias. Vincent Canby 
                          achou que o filme era trabalho de um presidiário. Peter 
                          Scheidahl chamou-o de “uma 
                          alegoria vastamente complexa e profundamente cômica”. 
                          Roger Greenspun não pretendeu entender o filme 
                          mas supôs que ele provavelmente era muito menos 
                          pretensioso do que seus amigos estavam lhe dizendo. 
                          A coisa mais importante sobre El Topo foi que ele custou menos de $400.000 para ser produzido. Sua 
                          bilheteria ao redor do mundo é dada como próxima de 
                          $10 milhões. Grandes lucros sempre transcendem a crítica. 
                          Uma nota de pé de página no roteiro explica que El Topo significa topeira 
                          em espanhol, uma criatura que cava túneis na terra buscando 
                          pelo sol, atinge a superfície e fica cega. Steve 
                          Fuller, que chamou El Topo de “obra-prima” em Changes, comentou: “No fim das contas, El Topo é um homem que é cegado pelas descobertas... experimenta a luz 
                          branca e não mais precisa de seu corpo e, portanto, 
                          progride para um plano espiritual mais elevado”. 
                             
                           
                          A Montanha Sagrada 
                          é a continuação desse tema. A sinopse oficial descreve 
                          o filme desta forma: nove dos mais poderosos industriais 
                          e políticos dos planetas desejam obter a imortalidade. 
                          Um Alquimista lhes fala da Montanha Sagrada da Ilha 
                          de Lótus, onde moram nove imortais, que agora têm mais 
                          de 30.000 anos. “Alguns homens juntam forças para assaltar 
                          bancos e roubar dinheiro”, o Alquimista conta. “Devemos 
                          unir nossas forças para assaltar a Montanha Sagrada 
                          e roubar desses homens sábios o segredo da imortalidade. 
                          Mas para conquistar o segredo dos imortais, nós também 
                          devemos nos tornar homens sábios.” 
                          O Alquimista os leva em uma peregrinação, praticando 
                          várias formas de exercícios espirituais e visitando 
                          vários mestres até que eles encontrem a iluminação. 
                          No desfecho, eles acham os imortais e o segredo lhes 
                          é finalmente revelado.       
                           
                          Alejandro, é claro, interpreta 
                          o Alquimista. Essas primeiras cenas no México não o 
                          incluem, mas se focam num personagem não mencionado 
                          na sinopse, o Ladrão, que vaga por uma série de episódios 
                          emblemáticos das doenças da sociedade moderna, acompanhado 
                          por um pequeno homem sem braço e sem perna.   
                           
                           
                          Nossa Senhora de Montserrat era uma locação marcantemente 
                          poética, sua abóbada rachada como um crânio de pedra 
                          fraturado com cavidades vazias que algum dia contiveram 
                          olhos de vitrais brilhantes. O lugar não é mencionado 
                          em nenhum dos manuais ingleses populares, mas um documento 
                          nos arquivos da seção Monumentos Coloniais do Departamento 
                          de História e Antropologia do governo mexicano revela 
                          que ele data de 1884 e foi começado com fundos doados 
                          aos monges beneditinos por colonos catalães que tinham 
                          se livrado de uma praga milagrosamente, após rezar pela 
                          Virgem de Montserrat.    
                                  
                           
                          Para a filmagem de A 
                          Montanha Sagrada, o pátio da igreja estava coberto 
                          com lona branca e uma banda mariachi tocava enquanto os pedreiros pacientemente martelavam 
                          blocos de pedra para a restauração. Uma multidão de 
                          pessoas bisbilhotava da rua, onde dois grandes trailers 
                          soltavam tentáculos negros de fios de energia elétrica. 
                          Eles estavam assistindo a 50 jovens soldados de uniforme 
                          cinza com máscara de gás e capacetes e rifles dançando 
                          solenemente, cada um nos braços de um parceiro masculino 
                          vestido com roupas comuns de trabalho. Dentro da igreja, 
                          fora da visão dos homens dançando, um soldado e um trabalhador 
                          estavam encostados à parede se abraçando apaixonadamente. 
                          No final do santuário abaulado havia um altar de pedra 
                          arrumado com uma mesa de comunhão dourada e uma antiga 
                          Bíblia em cujas páginas abertas rastejavam vermes gordos 
                          rosados. Uma rede empoeirada de teias de aranha pendia 
                          de todo o cenário como se estivesse acumulada por séculos 
                          de tempo imemorial. 
                           
                          Na outra extremidade, uma cama de bronze jazia parcialmente 
                          enterrada no chão de terra, com uma coruja viva repousando 
                          na sua cabeceira. Um jovem ator semi-nu, Horacio Salinas, “Lacho”, 
                          rastejou pelo chão arrastando um Jesus de gesso em tamanho 
                          real que ele colocou em cima do altar. A imagem tinha 
                          seu rosto e seu corpo. Ele rastejou de volta à cama, 
                          lentamente tirou a coberta, revelando um velho homem 
                          grisalho em trajes pretos de bispo dormindo nos braços 
                          de um outro Jesus de gesso em tamanho real.      
                           
                          O bispo acordou irado, gritando em espanhol, “Este não 
                          é seu Cristo! É meu Cristo!”. Ele levantou respirando 
                          com dificuldade, puxou o Jesus do altar e o substituiu 
                          com o seu. De repente, um homem de terno marrom apareceu 
                          no centro do recinto, reclamando furiosamente em espanhol. 
                          Ele parecia um militar em roupas civis. “Pare!”, 
                          ele gritou. “Você está fazendo uma missa negra! Isso 
                          é trabalho do Diabo, blasfêmia e imundice! Não deixarei 
                          vocês hippies e homossexuais profanarem este lugar sagrado 
                          mais um minuto sequer! Parem ou matarei vocês!”. Esse era o Presidente da Sociedade dos 
                          Charros, um grupo de senhores tradicionalmente ricos que eram 
                          donos da igreja. Eles tinham sem querer cedido Nossa 
                          Senhora de Montserrat à Producciones 
                          Zohar, para um dia de filmagem de A Montanha Sagrada. Entre Jodorowsky e o 
                          charro houve uma grande discussão em espanhol rápido, eloqüente 
                          e ofensivo. O 
                          diretor explodiu. O charro entrou em colapso. Empresários 
                          e amigos ofereciam palavras apaziguadoras. O capitão 
                          da polícia intercedeu pela produção, elegantemente polido 
                          como um policial na capa de um romance espanhol, fumou 
                          um cigarro sem nenhuma expressão particular e cochichou 
                          para o charro, que então saiu irritado.           
                           
                          Durante esse encontro, Lacho, 
                          o ator nu, pacientemente se apoiou alternadamente em 
                          seus pés descalços. Ele tinha interpretado a cena no 
                          mínimo por uns 20 minutos. Estava escurecendo lá fora 
                          e seus pés estavam dormentes por conta do chão frio 
                          e úmido. Ele estava entrando num estado de agonia física 
                          controlada, como Cristo aproximando-se da Cruz. Mais 
                          uma vez as luzes se acendem. Mais uma vez a cena com 
                          o bispo foi repetida. Em seguida o set foi mudado. Dessa 
                          vez o bispo empurrou Lacho 
                          até a porta, e depois atirou o Jesus de gesso na direção 
                          dele.    
                           
                          Enquanto o crepúsculo adensava e condensava em 
                          noite líquida, Lacho abraçou a imagem e começou a comer seu rosto, lenta 
                          e amorosamente, mastigando pedaços grandes e macios 
                          e então engolindo agradavelmente. “Corta”, 
                          gritou Alejandro. As luzes se apagaram. Mais 
                          um dia de filmagem de A Montanha Sagrada tinha terminado. “Até agora nesse filme, eu estive 
                          em três locações e fui expulso de todas”, Alejandro 
                          disse alegremente. “Isso é o México”, disse Valerie, 
                          sua namorada há dez anos, mãe de seus três filhos. “Odiamos 
                          o México. Cagamos pro México.” “Ela diz isso porque 
                          ela é mexicana”, Alejandro comentou. “Você não 
                          pode dizer que odeia o México. Não é o México. É o planeta. Não existem países. 
                          Isso é uma idéia. Não há culturas. Isso é uma idéia. 
                          Toda cultura é a continuação de outra. Há tantos 
                          conceitos que devemos mudar. Quando aquele Marco disse 
                          pra mim: ‘Eu vou te matar”, eu disse ‘Ok, 
                          me mate, mas eu vou matar você’. E ele ficou com medo, 
                          porque eu realmente quero matá-lo, quebrar todos seus 
                          ossos, milímetro por milímetro – não os ossos do corpo, 
                          os ossos da mente. Precisamos 
                          matar algum espaço mental. Precisamos matar para sobreviver, 
                          destruir mentes. Quando eu digo ‘destruir’, digo abrir. 
                          Devemos abrir espaço para uma nova vida. Sempre 
                          estou tendo cenas de morte e sempre estou colocando 
                          nova vida em lugares mortos e coisas mortas. Não 
                          sei por quê. Talvez eu seja um profeta. Eu realmente 
                          espero que um dia venham Confúcio, Mohammed, 
                          Buda e o Cristo para me ver. E então sentaremos a uma 
                          mesa, tomando chá e comendo alguns brownies, 
                          que tal? E terei um dia bom. Você está com fome, Lacho?”, 
                          Alejandro perguntou carinhosamente. “Venha comer conosco”. 
                          “Não estou com fome”, disse Lacho. 
                          “Eu comi o Jesus. O que era eu não sei. Era doce 
                          como pão, mas não era pão. Nunca tinha provado 
                          nada assim”. Sua voz era repleta de uma satisfação latente que era verdadeiramente 
                          religiosa em sentimento. “O que era isso que comi, Alejandro?”. “Não sei. Taicher é quem fez. É 
                          um milagre, não?”. O rosto do Jesus era feito de pasta 
                          de amêndoa, mas Lacho nunca descobriu isso e a incrivelmente doce e saborosa 
                          experiência sem dúvida permanece simplesmente um milagre 
                          para ele. Pode ser que fuçando atrás do cenário você 
                          descubra que todos os milagres são feitos de pasta de 
                          amêndoa e fome. Não importam os ingredientes, a habilidade 
                          de produzir milagres é um talento miraculoso. Esse era 
                          o papel que Alejandro tinha escrito pra si mesmo. A 
                          questão de A Montanha 
                          Sagrada não era tanto a produção de um filme, mas 
                          a produção de mudanças na consciência das pessoas que 
                          o estavam fazendo. 
                           
                          “Esse filme é minha própria busca por iluminação”, Alejandro 
                          disse. “Eu quero ser um Mestre. Eu 
                          penso em como é ser um Mestre. Eu 
                          leio sobre como é ser um Mestre. Eu me visto como um 
                          Mestre. Eu ajo como um Mestre. Eu me torno um Mestre”.   
                            
                           
                          O trabalho de Alejandro não agrada a todos os 
                          gostos. El Topo encontrou grande acolhida entre jovens intelectuais hippies (como talvez A Montanha Sagrada vá encontrar) porque 
                          era genuinamente diferente e obscuro, o perfeito veículo 
                          para um novo cult. Como The Wasteland, o pastiche simbolista de T. S. Eliot, ou o 
                          Ulysses de Joyce, ele era repleto de ingredientes 
                          para análise e interpretação, como se criado 
                          especialmente para teses acadêmicas, ensaios 
                          e conversas inteligentes. Era algo de que se falar. Ao 
                          mesmo tempo havia uma grotesca sátira por baixo disso 
                          tudo que era sempre hilária.     
                           
                          Alejandro confrontou suas platéias com tudo que elas 
                          não queriam ver, não apenas desvios sexuais e violentos, 
                          mas o grotesco, o feio e o esquálido – todo o mundo 
                          que não aparece nos filmes convencionais, não aparece 
                          em Fellini, não o mundo das borboletas, mas das traças. 
                          Para algumas pessoas, ver El Topo foi um ato de purificação, purgando 
                          normas estéticas que pareciam racionais 
                          mas eram na verdade preconceito artístico.   
                           
                          Uma tarde durante a filmagem de A 
                          Montanha Sagrada, Alejandro parou para uma entrevista. 
                          A locação era em Nacaulpan, uma zona industrial que buscava combinar todas 
                          as brutalidades da linha de montagem com as imundices 
                          não reconstituídas da Idade das Trevas. Assim que o 
                          gravador foi ligado, o barulho de uma ventoinha começou 
                          bem atrás dele. Alejandro se recusou a ir para um lugar 
                          mais calmo. “Por que esse lugar feio, o barulho, a sujeira, 
                          as moscas?”, perguntaram-lhe. “Não temos lugar feio”, Alejandro respondeu. 
                          “Não temos barulho. Não temos moscas. Um significado 
                          muito estranho, essas moscas. Nas jóias egípcias 
                          eles usam moscas. Era um animal sagrado. Acho que se você 
                          matar todas as moscas, o mundo vai acabar. Por que ela 
                          está aqui, eu não sei, mas eu acho que ela tem um significado 
                          sagrado para a ecologia. Toda mosca é uma abelha, porque 
                          está fazendo seu próprio tipo de mel. Talvez seja cocô. Não sei. Mas para ela isso é 
                          mel.”       
                           
                          “Você não deve odiar as moscas. Você não deve 
                          odiar o lugar feio. Você não deve odiar o barulho. Qual 
                          a diferença entre barulho e música? A musica 
                          só é diferente porque tem pequenos momentos de silêncio. 
                          Se você tem o silêncio contigo, você não tem barulho, 
                          porque você põe todo o barulho no seu silêncio e faz 
                          música. Quando há luz dentro de você, toda feiúra se 
                          torna uma obra-prima.” 
                           
                          Pode ser que esse pequeno sermão pareça apenas charmoso 
                          e fácil, um exercício de Pollyanna, 
                          mas quando você ouve a fita algo muito curioso e convincente 
                          acontece. O ruído da ventoinha persiste. Ainda assim, 
                          por um momento, há uma espécie de pausa profunda, uma 
                          breve calma, uma estranha harmonia.   
                           
                           
                          O trabalho de Alejandro e seu sucesso podem talvez se 
                          explicar como manifestações da revolução psicodélica. 
                          Durante a década passada o mundo parece ter sido dividido 
                          em dois grupos mutuamente opostos – aqueles que tomaram 
                          LSD e aqueles que não. A principal platéia de Jodorowsky 
                          é encontrada em meio àqueles que tomaram ácido, não 
                          uma única vez, mas repetidamente. Há um tipo de sincronia 
                          satisfatória na relação entre esse fato e a percepção 
                          de que a revolução psicodélica começou no México quando 
                          Timothy Leary  comeu os cogumelos mágicos à beira daquela piscina 
                          em Cuernevaca. Tem havido 
                          um grande retorno à arte, às idéias e à cultura da América 
                          que existia antes da Conquista, a América dos deuses 
                          de milho e do cogumelo alucinógeno e do Índio nativo. 
                          O México é um dos grandes centros daquela cultura e 
                          os filmes de Alejandro Jodorowsky são eminentemente mexicanos. Somente nesse contexto 
                          você pode realmente começar a entender sua violência. 
                          Há uma apaixonante obsessão com a dor e a morte no México.       
                           
                          Quando El Topo foi montado pra ser mostrado no México nenhuma das cenas violentas foi retirada, 
                          mas uma meia-hora de insinuação política e sexual foi 
                          censurada. De acordo com Sam Askenazy, o editor de entretenimento 
                          do The Matrix 
                          City Nova, um jornal em língua inglesa, Alejandro, que 
                          financiava seus filmes com recursos próprios, 
                          tinha permissão para agir por conta do investimento 
                          estrangeiro que ele levou ao país. “Eles admiram sua coragem”, ele disse. “É uma 
                          coisa meio macho. Nenhum dos outros produtores 
                          tem colhões”.   
                           
                          Na comunidade intelectual americana, há uma certa impressão 
                          de que muito da loucura de Alejandro não deve ser levado 
                          a sério, seu simbolismo é apenas superficial, sem profundidade, 
                          uma artimanha qualquer. Isso não é bem a verdade. Virtualmente, 
                          cada frame em A 
                          Montanha Sagrada é o produto de uma elaborada pesquisa. 
                          Cada um dos nove personagens principais representa um 
                          planeta, e tem todas as qualidades mitológicas e astrológicas 
                          a ele associadas. É verdade, contudo, que se não houvesse 
                          nenhum simbolismo particular por trás de seus efeitos, 
                          Alejandro poderia prover alguns.  
                           
                           
                          Uma bela tarde no final de Junho de 1973, a imagem em 
                          Technicolor de uma das montanhas 
                          do México cobertas de neve persistiu longamente na tela 
                          de uma pequena sala particular não muito longe do Times 
                          Square, e então começou a 
                          se fundir no branco que ficava cada vez mais brilhante, 
                          até que não havia mais quadro algum, apenas a luz brilhante. 
                          “O que há para dizer?”, Alejandro anunciou alegremente 
                          quando as luzes se acenderam. “É fantástico! Parece uma produção 
                          de $10 milhões”. Era fantástico e de fato parecia 
                          uma produção de $10 milhões. Um pouco depois, Alejandro 
                          vagou pela Sétima Avenida de mãos dadas com uma garota 
                          alta e de cabelos castanhos. No dia seguinte ele ia 
                          a Bahamas visitar Valerie. 
                          Eles estavam então casados. Em cerca de uma semana, 
                          talvez ele fosse a Denver 
                          ficar num chalé nas montanhas. Ele pensava em fazer 
                          seu próximo filme The Story of O. Não havia pressa em decidir. 
                          Estava completamente livre. A Montanha Sagrada estava terminado. Alejandro 
                          Jodorowsky flutuou pela cidade.       
                           
                          De volta à sala de projeção, a cópia de A Montanha Sagrada já estava guardada na lata esperando que o correio 
                          aéreo a levasse de volta a Hollywood, onde ajustes finais 
                          no som, nos cortes e nos créditos seriam feitos. Então o processo 
                          de fazer cópias adicionais começaria. Em dezembro, A Montanha Sagrada seria 
                          distribuído. Não havia forma de prever o que 
                          os críticos falariam do filme. No cair da noite, A 
                          Montanha Sagrada estava voando, em piloto automático. 
                          Toda a mágica tinha sido feita. Agora o processo 
                          mecânico de visão começava. Como uma semente 
                          no estômago de um pássaro, a cópia final de A 
                          Montanha Sagrada rumou para seu destinado espaço 
                          de germinação. Em alguns dias, folhas de luz balançariam 
                          na árvore da consciência. Mas, naquele momento, as nuvens 
                          de fumaça fabricadas pelo avião somavam mais um resíduo 
                          de poluição à antes transparente estratosfera.   
                           
                            
                          Jules Siegel 
                           
                          (Originalmente publicado na revista Show,
                           dezembro de 1973, pp. 20-29. Traduzido do inglês
                          por Luiz Carlos Oliveira Jr.) 
                           
                          
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