Texto originalmente publicado
na edição de sábado do Segundo
Caderno do jornal O Globo, em 11/08/2007.
Conceição — Autor bom é autor morto teve suas imagens
filmadas entre 1997 e meados de 2000, em duas etapas.
O motivo do intervalo entre filmagens foi o mesmo da
demora na finalização: a falta de recursos, que acabaram
chegando através de apoios fundamentais da reitoria
da UFF, do CTAv-MinC, da Riofilme. Não foram poucos
os momentos divertidos que tivemos durante a sua feitura,
mas fazer um longa-metragem não é uma diversão.
É um trabalho tremendo que um grupo levou adiante.
Conceição é um filme que não segue certos padrões
comuns nos dias de hoje, mas a sua própria trajetória
indica que não se trata de um projeto inconseqüente.
Eu e os demais realizadores acreditamos que o filme,
ao ter como tema a liberdade de criação, deveria também
mostrar como essa liberdade deixa evidentes os princípios
éticos e estéticos) de quem cria personagens.
Acho normal que essa vontade de liberdade, de ser um
filme diferente, especial, faça o Conceição ser
do tipo ame-ou-odeie. A gente sempre soube que haveria
quem se incomodasse. Mas tomo a liberdade de contar
uma historinha:
Nosso filme foi exibido pela primeira vez em Tiradentes
em janeiro. Lá havia uma votação do público, com traços
tipicamente mineiros — não havia a opção “ruim”, apenas
“regular”, “bom” e “ótimo”. Enfim, contabilizada essa
votação, relataram-nos que o nosso filme teve muitos
votos (cerca de 2/3 do total) para a nota máxima (“ótimo”)
e um tanto de votos (cerca de 1/3) para a nota mínima
(“regular”). Os votos para o meio-termo eram poucos,
quase nenhum. Acho que isso diz muito sobre Conceição.
No festival seguinte, em Porto Alegre, nosso filme,
que durante dez anos procurou patrocínio através de
todas as comissões possíveis, acabou por ganhar o prêmio
de um júri popular. Ou seja, dos espectadores.
Uma coisa é preciso esclarecer: o filme nasceu de um
roteiro integral, pretendendo unir várias pontas a partir
de uma trama central. Não nasceu da reunião de curtas
pensados para emular gêneros de outros tempos. Por isso,sinto-me
impelido a defender essa trama entre os “autores” que
costura algumas das outras tramas de Conceição.
Caso algum leitor não queira conhecer aspectos que ocorrem
na metade final do filme, sugiro que pare de ler este
texto agora.
Porque o que o Fugitivo cobra dos autores, quando vai
até o bar onde eles conversam e nada mais fazem, é que
saiam do imobilismo. Acho que um dos motivos do filme
agradar a vários espectadores é por seu interesse neste
tema, o imobilismo de jovens que têm muitas idéias e
não conseguem sair da etapa inicial. Creio que é um
tema bastante próximo para a juventude brasileira.
E, quando o mesmo Fugitivo cobra ética de seus criadores,
mostrando-lhes as falhas dos personagens que eles criaram,
o filme também quer questionar a responsabilidade de
quem cria personagens — e, nos últimos tempos, muito
se tem discutido sobre um “cinema da sordidez”, que
trata personagens com sadismo para incomodar o público.
O Fugitivo levanta essa questão de modo bastante claro
— porque a intenção do encontro de bar entre “autores”
e “personagens” era provocar uma reflexão sobre isso.
Conceição surgiu porque eu e meus colegas fomos
formados por uma universidade pública — portanto, porque
a sociedade brasileira quer que haja pessoas estudando
cinema. No entanto, quem estuda cinema sai do curso
sem ter como trabalhar. Por que fazer cinema, então?
O que nos motivava e motiva? Qual o cinema que queremos
e qual é o cinema que esperam de nós? Quisemos levantar
essas questões com humor e originalidade.
Concepção, concessão, com sessão, como cês são
? , Conceição. Agora, o filme já não nos pertence,
cada um ache o que quiser. Mas nosso filme não vem sozinho.
Ele vem junto de alguns movimentos de uma juventude
que não está satisfeita com o esquemão — são mostras,
cineclubes, sites de crítica, curtas-metragens... Nossa
geração é a do Cachaça Cinema Clube, da Contracampo,
do Beco do Rato, do Cine-Buraco, de um punhado de coisas
que estão acontecendo em várias cidades do país. Mais
coisas virão.
No cartaz, pusemos uma frase do Luís Rocha Melo: “o
último filme brasileiro!”. Mas, na verdade, parece que
o cinema brasileiro vive a fazer constantes “primeiros
filmes” (que estão sempre a reiniciar a História), e
o nosso não é exceção — é mais um “primeiro filme”.
Falei no início do texto sobre a demora em finalizar
Conceição. Mas a identificação que alguns espectadores
sentiram por ele faz valer a pena todo o tempo dedicado,
e sei que falo não só por mim como por meus amigos diretores
e por toda a galera que fez o filme. Outros virão, “segundos
filmes”, “terceiros”, “vigésimos”... Agora é esperar
para ver. Ou melhor, é ver quem se identifica com o
filme. Assim Conceição se espalha. E assim as
coisas acontecem.
Daniel Caetano
é produtor executivo, um dos roteiristas e um dos diretores
de Conceição — Autor bom é autor morto, filme
ainda em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro
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