UMA DEFINIÇÃO DE "AÇÃO" E DE ACTION MOVIE

Na seqüência da luta final de Homem-Aranha 3, os dois vilões do filme, unidos, desafiam o herói para o confronto. Como isca, a namorada dele, Mary Jane, é colocada em um táxi, dependurada em uma teia, produzida por Venon, o outro de Spiderman.

Afora os vários elementos gritantes da cena, um detalhe chama fortemente a atenção: a opção dos vilões por enfrentar seu oponente diante da população de Nova York. Ou seja, o fato de a luta se passar diante de uma platéia – de duas, então, uma vez que no filme seremos defrontados o tempo todo com essa dimensão exibicionista e com uma consciência de um “olhar de fora”. Não só isso, aliás: holofotes – operados por policiais – são direcionados para cada movimento de cada um dos personagens. E isso fica ainda mais marcante se levamos em consideração que Mary Jane é atriz e vem de um momento mal-sucedido no palco. Nesse momento da história, aliás, o próprio Peter Parker também vinha de uma rediscussão de sua imagem dada ao público. Não resta dúvida: o centro da operação do filme é o espetáculo, o exibicionismo.


Homem-Aranha 3: o herói que luta na rua sobre um automóvel dependurado em uma teia e que, por isso, tem a ação em
exibição diante da esfera pública


Chama a atenção não só no filme, mas sobretudo em sua classificação de gênero. Ora, Homem-Aranha 3 é um filme de ação, um action movie. Essa categorização, mais ou menos fácil nesse caso e quando se trata do senso comum, costuma obedecer a critérios midiáticos: seria o filme noticiado como tal, aquele que centra sua exposição em perseguições, explosões, lutas e, sobretudo, efeitos visuais impressionantes. E esse formato tem servido muito bem a dois tipos de discurso: o primeiro de marketing, a fim de oferecer os filmes em sua dimensão mais olímpica, mais atraente como “experiência” – o melhor action movie será aquele que oferecer mais adrenalina no sangue por segundo; o segundo discurso é o de uma certa crítica,
a fim de desqualificar o gênero como “comercial” (pejorativamente), “menos nobre”, “pouco inteligente” (por oposição a um certo cinema de arte) e “ruim-porque-hegemônico” (uma vez que representaria a ditadura cultural americana).

O objetivo deste texto é propor uma definição para action movie que se destaque dos fins e de certos resultados e se centre nos elementos dos próprios filmes. Não será uma movimentação exaustiva no sentido de esgotar todas as características do cinema de ação. A proposta aqui é isolar alguns traços para uma definição extensiva. Por certo que não pretendo negar nenhum dos dois discursos habitualmente associados ao gênero que apontei acima. E nem afirmar. Ambos são dotados de preconceitos que não cabem em uma tentativa de definição. Ao mesmo tempo, ambos também possuem veracidade pontual em uma análise caso a caso (mas apenas em uma análise caso a caso).

Esta também não será, de forma nenhuma, uma definição historiográfica, em busca das origens desses traços ou exemplos inaugurais. Proporei a definição a partir de alguns filmes de 2007, a saber, o citado acima Homem-Aranha 3, de Sam Raimi; além de Piratas do Caribe: No fim do mundo, de Gore Verbinski; e Next, de Lee Tamahori. Também partirei de filmes recentes como Apocalypto (2006), de Mel Gibson, e de Matrix (1999). E de filmes mais antigos, mas determinantes, como Duro de Matar (1988) e Máquina Motífera (1987). Além desses todos, utilizarei também os filmes Operação Dragão (1973), de Robert Clouse, e Era uma Vez no Oeste (1968), de Sergio Leone. E citarei um ou outro filme ou série menos determinantes, mas que possam surgir como exemplos mais pontuais ou permitir associações.

Pois bem, o principal traço para o qual quero chamar a atenção é que o cinema de ação centra sua lógica, sua estrutura e seu olhar na... “ação”. Afirmação aparentemente óbvia, mas a ser relida e entendida em toda sua complexidade.

Quando me refiro a “ação” (e marcarei essa, digamos, categoria, com aspas), refiro-me não a um sentido mais ou menos difundido quando se pensa nesse gênero, o que citei acima das explosões e perseguições (e que são, afinal, elementos internos aos filmes). Sim, elas serão primordiais, mas isso porque são resultado de uma composição espetacularizante de algo ainda mais primordial nesse cinema, a singularização da “ação”. Pois bem, cabe defini-la.

A estrutura tradicional da narrativa é a do drama: um protagonista tem um objetivo e ele se atira (ou é atirado) em uma história em busca dele. No contra-movimento, um antagonista se opõe a essa busca. Essa estrutura se sustenta por algo que podemos chamar de extensividade: é a postergação da chegada do protagonista ao objetivo que constrói a ação dramática e a experiência estética. Mais que isso, o mais importante aqui é que o centro das atenções é o objetivo. A mecânica típica do drama é a estética dessa postergação do objetivo. É a maneira como os personagens se relacionam com esse postergar – em várias dimensões e em vários sentidos – que cria as peculiaridades da obra.

Basicamente, outras formas de narrativa são construídas a partir dessa estrutura. A tragédia, por exemplo, cria um antagonista cósmico. A comédia promove uma subversão da coerência entre objetivo e movimentos para conquistá-lo. Bem a grosso modo, a cada gênero, compõe-se uma forma específica de relação com a estrutura dramática. “Grosso modo” porque cabe ainda fazer um debate mais profundo sobre a construção de gêneros, sobretudo no cinema americano. Mas para os limites deste texto, esta definição será suficiente.

No caso do filme de ação, produz-se uma operação de compressão da estrutura do drama. Há um protagonista, há um antagonista, um objetivo. Mas o que está em jogo no action movie é a forma como não é nem tão importante assim o objetivo e sim algo que estou chamando aqui de “ação”. Claro, tudo que os personagens fazem são ações. Mas o action movie é centrado em um tipo específico de ação, aquela que traduz as ações envolvidas em uma disputa. Mais que isso, mostrarei a partir de agora, uma disputa específica, uma disputa pelos espaços.

Vejamos o caso da seqüência da batalha final de Piratas do Caribe: No Fim do Mundo. Nela, vemos Jack Sparrow a se soltar de uma cela, roubar o coração de Davy Jones e, chegando ao convés, iniciar uma seqüência de movimentos espetaculares. Em meio a uma tempestade, ele sobe à retranca – a barra horizontal que forma uma cruz com o mastro – por uma corda, luta com Jones de pé sobre a mesma retranca, voa em outro cordame, desce ao convés e luta novamente. Toda essa seqüência tem, claro, no horizonte, o objetivo de Jack, que é conquistar a vida eterna, usurpando de Davy Jones o posto de capitão do Flying Dutchman. Mas o que é mais relevante, na verdade, são os movimentos de Sparrow, é a intensificação da tensão pela intensividade das ações.

Sparrow luta com Davy Jones de pé, equilibrado sobre a
retranca: disputa por espaço

Corta para a definição. O que um filme de “ação” faz é comprimir uma narrativa dramática em pequenas narrativas de disputa, todas centradas em uma estética da potencialização, da intensificação das “ações”. O action movie é aquele em que o que mais importa não é o policial John McLane, o herói de Duro de Matar, salvar o prédio dos ladrões que se fazem passar por terroristas, mas sim a maneira como o policial John McLane disputa espaços, seqüência a seqüência, como quando ele briga com o louro de longos cabelos. É aquele em que não importa nem apenas o sargento Martin Riggs, de Máquina Mortífera, acertar um tiro em um bandido, mas o fato de que ele rola no chão diante da câmera descrevendo flashes brilhantes dos tiros a rodar, conquistando, logo depois, a possibilidade de avançar em sua perseguição.

Corta de novo para Jack Sparrow. Na seqüência citada acima, cria-se, como disse, uma estrutura narrativa comprimida. Todo objetivo do drama é deslocado para a estética das ações, para uma forma de erguer um braço, para uma forma de dar um tiro, para uma forma de ir de um lugar a outro. Ora, a arena em que Sparrow centra sua luta é a do espaço. É uma ação coreográfica, uma ação de ocupação espetacular dos espaços. E isso se dá não apenas com os personagens. Sparrow disputa com Jones a precedência espacial. Mas, ora, não apenas os heróis farão isso. Veremos automóveis fazerem o mesmo. Veremos aviões, navios, helicópteros, objetos. Veremos toda sorte de agentes – humanos, animais e objetos – como elemento dessa disputa pelo domínio do plano.

No caso de Piratas do Caribe: No Fim do Mundo, isso será ainda mais impressionante dada a lógica pela qual o filme se constrói, segundo uma mesma regra, a da onda. Todo o filme, estruturalmente e visualmente, será contaminado por vagas. As dos personagens que se intercambiam – Jack Sparrow se multiplicará, passará um momento “pensando como” Will; Will “pensará como” Jack Sparrow; Elisabeth substituirá Sao Pheng; Barbosa será capitão e imediato, herói e vilão; Tia Dalma será a deusa e a feiticeira. O único que nunca mudará será Beckett, o vilão, que, por isso mesmo, no momento derradeiro, perderá a batalha. Vagas também da estrutura, que inverte a cada momento a trama, impedindo que ela siga uma linha reta, indo de pico a vale a cada seqüência. Vagas também de visualidade, nos caranguejos que formam onda para carrear o navio na areia, do mäestrom que impõe uma batalha naval que inverte papéis, na Calypso que se agiganta para virar uma nova onda de caranguejos para descender aos mares. A onda ocupa todos os espaços do filme.



A onda como metáfora-guia das ações em Piratas do Caribe:
No Fim do Mundo


Mas em todos os filmes contidos na definição, essa disputa é por uma forma de atuar sobre o espaço também ela muito peculiar. O espaço no action movie é sempre ocupado pela marcação. Não há lugar para a margem de manobra no cinema de ação. Uma posição no espaço não raro é a única que permite a manutenção do personagem em sua luta pelo objetivo. Habitualmente, vemos o personagem parado em um lugar, o único que o salva da destruição que grita em torno dele. Em Homem-Aranha 3, veremos o herói a se deslocar pelos espaços de Nova York. E a chegada do uniforme dark definirá, por sua vez, uma forma outra de competência para se mover, para desviar de obstáculos. Em face da seqüência inicial do filme, na qual Peter Parker se mostra quase incapaz de aparar o anel de noivado diante da competência de movimentos de seu oponente, as seqüências nas cores de Venon invertem a lógica do filme: ele experimentará o poder como uma absoluta competência para o movimento.

Mas, para essa mecânica, uma seqüência contida no trailer de Duro de Matar 4 parece servir praticamente como um manifesto. É a seqüência em que John McLane e seu novo parceiro estão na iminência de serem esmagados por um automóvel que se desloca pelo ar na direção deles. McLane se agacha conduzindo o amigo ao chão e, no momento exato em que se daria o choque, dois automóveis em paralelo, vindos cada um de um lado do plano, aparam o veículo, salvaguardando os dois no chão. Naquele momento, toda a intensividade está centrada em uma marcação específica e uma definição do espaço como lugar de um posicionamento estratégico.





Em Homem-Aranha 3, Parker (no alto) tenta alcançar o anel
de noivado enquanto Venon se mostra totalmente habilidoso
para desviar de obstáculos. No caso de McLane, em Duro de
Matar 4
(acima), a competência é a de se colocar no espaço enquanto os carros se aproximam

E esse é o padrão no action movie. Veremos não apenas Sparrow pousar na retranca, como sua luta com Davy Jones disputando espaço justamente na mesma barra horizontal, cada movimento estrategicamente desenhado para uma inevitabilidade. Também em Next, veremos Chris descer a montanha a correr, com inúmeros objetos que o perseguem e, no clímax da seqüência, o herói a desviar de um automóvel, que desce. O que o diferencia em relação aos outros heróis de ação é que ele sabe onde se posicionar para não ser acertado. Antes, ele já havia provado sua suprema capacidade ao, depois de prever sua morte, atropelado por um trem, acelerar mais e conseguir passar seu veículo no último segundo e cruzar a linha – assim como Indiana Jones puxará, no último segundo, seu chapéu pela porta de pedra que se fecha em O Templo da Perdição (1984).

Ironia, Chris possui poderes para-normais. Mas ele não é muito diferente de outros action heros. Aliás, esse elemento aponta para uma forma de competência que mesmo define o herói de ação. Ele é aquele que possui a habilidade para ocupação do espaço. Ele sempre sabe onde se colocar e como. Supremo jogo de metalinguagem, esse personagem surpreende sempre por parecer que já sabia exatamente o que ia acontecer.

Chris tem poderes para-normais. Ele sabe onde se colocar
porque sabe o que acontecerá. Mas que herói de ação não sabe?

O que conduz a um momento no mínimo antológico de Piratas do Caribe: No Fim do Mundo. Na cena, acabamos de ver Jack Sparrow escapar do navio da Cia das Índias Orientais arremessando-se ao ar com a propulsão de um canhão. A bala acertara justamente o mastro do navio de seu inimigo. Imediatamente depois, vemos Lord Beckett parado, com seu imediato ao lado. Atrás, o navio. O capitão diz que partirão assim que o barco estiver navegável. Ao que é saudado com a queda do mastro. Diante da expressão de decepção de Beckett, o imediato pergunta, olhando para o barco do oponente, que escapa: “Você acha que ele planeja isso tudo ou vai fazendo à medida que vai acontecendo?”. Ora, essa é justamente a pergunta inconscientemente contida em cada descarga de adrenalina produzida por uma seqüência de ação.

E que será elemento-chave de elementos centrais de vários desses filmes, sobretudo os mais recentes, que experimentam uma forte consciência de gênero. Boa parte da efetividade do cinema de ação é oriunda de uma metalinguagem da intensividade espetacular das ações. No caso de Apocalypto, que defini aqui, em outro momento, como um action movie, está na forma como ele determina a intensividade de suas ações graças à câmera lenta. Câmera lenta que, no caso de Gibson, serve como elemento de ampliação da intensividade, como forma de conferir à ação uma dramaticidade – um estatuto de postergação do clímax e, com isso, uma estética particular.

Mas câmera lenta que é, também, centro, por exemplo, do cinema de artes marciais. Nele, de maneira geral, o que está em jogo é uma coreografia dos movimentos de luta, uma disputa pelo espaço marcado pela apresentação de um corpo dotado de poder de ocupação. O corpo, no cinema de artes marciais, é um exército, cujos movimentos meticulosos e cuja apresentação de performance permitem que os lugares sejam dominados. Assim, na seqüência chave de Operação Dragão (1973), clássico maior de Bruce Lee, dirigido por Robert Clouse, vemos o lutador a mover os braços e um efeito de decomposição de seus movimentos, descrevendo vários braços ao mesmo tempo na imagem. Isso servirá especialmente para a apresentação de uma ação do corpo como ação de conquista. Igualmente, em Matrix, vemos uma verdadeira enciclopédia dessas formas de intensividade – não só no efeito visual do bullet time, mas sobretudo na recorrência a uma espacialidade virtualizada ocupada constantemente por uma ação intensificada por algo que poderíamos chamar de uma hiper-câmera lenta. Por mais que seja cheio de senões – sobretudo por um elemento de em-si que desapega mise-en-scène de dramaticidade – Matrix opera uma forma de intensividade que potencializa muito fortemente elementos do gênero. Na seqüência em se descola de sua dimensão de sci-fi para se afirmar como action movie radical – a do resgate de Morpheus – vemos dois heróis – Neo e Trinity – “codificados” como action heroes: roupas pretas, sobretudo à western, “lots of guns” (como Neo solicita ao operador), artes marciais.



Matrix: a intensividade nos movimentos “decompostos”, à
Bruce Lee, e na codificação do herói

De volta, aliás, a uma discussão sobre uma noção de gênero, claro, o action movie se confunde com outras formas. Até porque os crossovers de gênero são operações habituais. Até porque, na maioria das vezes, descontados os exercícios mais radicais de metalinguagem, o filme pré-existe ao gênero. Não entrarei profundamente nessa questão. Toco nela para utilizar um filme taxonomicamente alocado em um gênero definido historicamente. Ora, Era uma vez no Oeste é...um western. Assim como será fácil alocar Piratas do Caribe na rubrica “aventura” da coleção, será mais habitual definir o filme de faroeste por seus elementos geográficos e metodológicos. O western tem regras próprias. Mas, tomada a definição que apresentei acima, é um action movie. Mas esses limites, aqui, não importam tanto. O que é importante aqui é a recorrência à noção de gênero. Isso porque, afinal, um gênero é um regime de ação, uma gramática das maneiras como os entes se movem pelo filme. Com sua decupagem centrada no duelo – do homem com o espaço, da mulher com os homens, dos homens em conflito –, Era uma vez no Oeste é um filme absolutamente centrado nos elementos de ação típicos do faroeste. O epíteto “operístico”, aliás, que é habitualmente colado ao filme, demarca antes de tudo uma consciência mecanística: trata-se de uma “obra” antes de uma história. Era uma vez no Oeste é um filme de faroeste sobre... o filme de faroeste – como no fundo todos os filmes de faroeste de Sergio Leone o são. Pois bem, vemos em Piratas do Caribe: No Fim do Mundo uma referência explícita a Leone. Mais especificamente em termos visuais a Três Homens em Conflito (1966), mas, mais musicalmente (via um pastiche de Ennio Morricone) a Era uma vez. Não é nem tão só uma homenagem quanto um desejo de herança. A consciência de gênero está presente como consciência da gramática de gênero: o bom filme de ação tem a troca de olhares que precede o duelo e que marca o western. Não à toa também, a batalha final do filme de pirata será um duelo – entre dois navios, e no estilo dos bons westerns.

Mas em Leone temos claramente a noção de que o cinema centrado na “ação” terá uma gramática a ser explorada como território. A economia do action movie é cruel, localizada entre uma subida a uma generalidade de linguagem e a descida a uma especificidade de obra. A mise-en-scène do action movie é a tensão entre os mecanismos típicos do gênero e a constante reinvenção caso a caso desse mecanismo. No fundo, toda arte seguirá essa tensão. Mas no caso do action movie a noção de clichê de gênero será mais determinante. A intensividade será sempre produzida na acomodação ótima entre gramática e fala. Assim, na seqüência da primeira disputa de revólveres entre Harmônica e seus três oponentes – que esperavam por ele, uma seqüência plena de “ação” dos objetos, marcada pelo som – veremos como a velocidade se torna o elemento de disputa pelo espaço – a velocidade do sacar a arma, do disparar (palavras espirituosas e balas) e, igualmente, a velocidade do corte. Tudo com o fim de produzir intensividade.

Era uma vez no Oeste: a lógica do duelo domina os espaços

Um bom exemplo desse domínio de gênero pode ser encontrado em um retorno a Máquina Mortífera e a Duro de Matar, dois filmes que são historicamente marcantes por produzirem (o primeiro insinuando e o segundo explicitando claramente essa intenção) uma mudança no estatuto do action hero, rumo a um modelo mais “humano”, porque mais frágil e mais aproximado da comédia no que diz respeito à forma de ocupar os espaços. Em ambos os filmes o que chama mais fortemente a atenção é um constante apagamento da dureza das ações. Isso também será forte em Jack Sparrow (como é forte, por exemplo, no cinema de J. B. Tanko, notadamente o d’Os Trapalhões). Todos esses filmes atacam a ação não como uma forma de tensão com o mundo – como acontecia, por exemplo, nos filmes de Rambo, mas como uma forma de inserção e, mais radicalmente, de joie de vivre. McLane e Riggs fazem o que fazem porque eles se divertem fazendo. Se Riggs ri, John McLane chora e faz piada. Mas ambos são gente. O paradigma desse action movie, se tiver que haver uma metáfora, não é a arena de gladiadores, é o circo.

Essa oposição, aliás, tem sido marcante entre heróis de ação e vilões na mudança de estatuto desses dois personagens que o gênero experimentou na última década. A oposição mais marcante tem sido entre o total controle das ações e a humanização – dotada de certas incompetências que igualam herói a público. Peter Parker é cheio de fraquezas e fica claro que elas também limitam sua capacidade de se mover livremente. Venon é o outro dessa incompetência. Igualmente, toda a saga Guerra nas Estrelas será marcada por uma oposição entre uma total competência para a ação dos jedi e uma dimensão emocional das ações dos sith do “lado negro” que traz uma ainda maior competência para as ações, mas que retira o controle de si. Assim como se nota na “evolução” da série 007, Rambo e os personagens de Schwarzenegger até O Último Grande Herói (1993) serão marcados por heróis que teriam o paradigma que hoje é atribuído aos vilões: uma competência não emocional para a “ação”. De todo modo, o que é mais importante aqui é que mesmo essa virada é centrada em uma operação de conversão do personagem em portador de uma idealidade da “ação”, de uma ação em sua dimensão de disputa pelo espaço e por sua celebração como feito.

Uma definição como a que apresentei acima chama a atenção para uma relação forte entre o que chamei de “ação” e uma resposta, digamos, “emocional”, das platéias. Sim, o drama (no sentido mais clichê do termo, o das histórias de sofrimento) também terá uma resposta da mesma dimensão (como lembra, por exemplo, Roland Barthes, em Mitologias, ao falar do teatro dramático e de seus mecanismos para “fazer chorar”), mas no caso do action movie coloca-se um sério problema utilitarista: até por conta de toda uma dimensão de mercado, o action movie precisa surpreender, precisa impressionar. E isso apresenta um desafio cada vez mais complexo para a mise-en-scène. Criar formas de intensividade diante de uma cada vez maior resistência ao hiper-estímulo é um problema a ser pensado. Principalmente por ser usada como justificativa para toda sorte de operações visuais e estruturais. Para “o bem” e para “o mal”, para Piratas do Caribe: No Fim do Mundo e para 300. A entrada em cena de uma obsessão pela emulação – forte no cinema inspirado nos quadrinhos, mas também em uma produção de uma certa geração nerd de cineastas, como Quentin Tarantino, é um dos elementos desse debate a ser pensado radicalmente. É nesse sentido que uma compreensão da “ação” como mecanismo central do action movie se mostra necessária. São discussões radicais a serem levantados sobre o cinema de ação atual: a emulação e a economia do hiper-estímulo. Estas, entretanto, são questões para outro texto.

Ao mesmo tempo, uma compreensão da idéia que apresentei aqui ajuda a potencializar um cinema centrado no constante desafio à mise-en-scène. Porque em toda sua plenitude, justamente isso que estou chamando de “ação” é um olhar sobre o movimento como movimento mesmo, como operação mecanística própria da montagem e da composição de quadro. O cinema de ação é um cinema constituído de algo que só pode existir no cinema.

Alexandre Werneck