SONHOS COM SHANGAI
Wang Xiaoshuai, Qing Hong, China, 2005

China em plena Revolução Cultural comunista, num interior onde chegam pessoas para trabalhar e que com o tempo se mostram curiosas em relação à modernização e ao Ocidente, ainda que dialoguem com o regime vigente, que requer fidelidade. Nesse espaço, de poucos acontecimentos, pouca movimentação, pouca atividade, o minimalismo das imagens e dos gestos é apenas um acúmulo de energia geradora de conflito (de gerações ou de autoridade).

O tempo "morto" e o espaço que comporta movimentos sutis se repetem, quase se exibem, numa contradição esquisita, mas compreensível. Ora, esquisita porque não deixa de ser paradoxal uma sutileza que se mostra, que chama atenção para si, como se fosse um adorno, como se em sua essência não houvesse o porquê de ser sutil. É que esse porquê realmente não há. A repressão não é sutil, nem a opressão; já a contenção é, mas requer esforço para sê-lo.

Toda essa estrutura é compreensível e se explica muito através da personagem central, Qing Hong (não deve ser à toa que o título original é o nome da personagem). Para além dela, também se explica um pouco em cada personagem jovem que integra a narrativa. São eles que o filme sabe observar e voltar o olhar com atenção. São eles que mais abertamente dialogam com a cidade e com a modernidade, mesmo em sua falta (Shangai é uma falta presente, é onde todos querem estar, sempre é assunto e vontade).

Em relação às gerações e a como o filme lida com elas, é curioso o fato de que as primeiras letras dos créditos finais revelam uma dedicatória aos pais do diretor, porque certamente não é sobre os personagens velhos que a câmera exerce olhar atento. Existe um olhar suave (mas firme) que acompanha a protagonista e seu desejo por algo que não está ali. Esse desejo, na verdade, é a motivação central de um coletivo representado por alguns personagens. É um desejo menos ou mais conflituoso, como no caso do pai de Qing Hong, que demonstra vontades e atitudes paradoxais quando escuta o noticiário americano e sente falta de Shangai, mas não permite que sua filha use sapatos da moda.

Algumas composições que o diretor efetua fazem bastante sentido em meio aos diversos conflitos internos que escapam para a atmosfera e para o espaço do filme. Os sobre-enquadramentos com portas, paredes ou janelas que estão sempre presentes na casa da família de Qing Hong tratam de concentra-se na personagem mesmo quando seus pais brigam ou gritam em monólogos, tratam de enfatizar o comportamento ou a reação contida da menina, relegando seus pais aos cantos, em partes bem escuras da imagem, ou ao fora de quadro, com as vozes em over. Outro recurso bastante utilizado é a leve, quase imperceptível, movimentação interna da câmera, que caminha pelo plano, mudando sutilmente seu ângulo ou foco, que é lenta, mas revela alguma inquietação, alguma evidência de que aquilo não está quieto.

É possível reconhecer que muitas das características na forma de filmar de Wang Xiaoshuai não são à toa, o que não significa que não se excedem. Sua consciência em relação a algumas composições de quadro e movimentações da câmera é clara e positiva em vários momentos, mas desnecessária e quase fútil em outros, simplesmente pela repetição da fórmula sem a construção necessária da atmosfera do filme. Essa construção firme de um clima, ausente no filme, contudo, seria fundamental para que a estratégia dramática do cineasta funcionasse. A evidência de que o olhar sensível se perderia num colapso geral, tanto da narrativa quanto dos personagens, é extremamente mal utilizada e o filme, em seu último terço de tempo, em vez de lidar com uma brutalidade inevitável que rompe com o cotidiano desejo contido, de criar uma tensão crescente que fatalmente irromperia na narrativa mais povoada de ações e dramaticidade, opta por pesar a mão. É aí que a mise-en-scène se carrega – a câmera e a montagem mudam significantemente, sem que tivessem o embasamento necessário, pois o filme não soube construí-lo, assim como não soube preparar-se para a transição ou para a violência.

O drama, agora aberto, aparente, toma conta do filme em todos os seus aspectos e é possível compreender seus meandros. A concentração inevitável na opressão de um sistema que resulta na violência de um para com o outro e para consigo é problematizada e percebe-se como o diretor pretendeu fazê-lo. Muitas de suas opções são, portanto, compreendidas e justificadas, o que não significa que são sempre bem executadas.


Luisa Marques