INIMIGOS DO IMPÉRIO
Feng Xiaogang, Ye yan, China, 2006

De um lado, suntuosos cenários tendem ao estático. Tudo é solene, pesado e gigantesco. De outro, vemos corpos que voam como se pesassem menos do que uma pluma. A morte é um balé. O vermelho do sangue espirra sobre a superfície branca. Uma gota de suor cairá em breve, e se misturará ao rio que segue indiferente ao cortejo de corpos esquartejados por espadas. Toda a atenção está concentrada na trajetória dessa gota de suor. Ela brilha e seu brilho minúsculo ofusca a imensidão das montanhas que se enfileiram em direção ao infinito. Enfim, ela cai. Lentamente, em sutil metamorfose, explode na água do rio. Os sons são sempre metálicos, como lâminas que cortam os ares e se chocam. Os mínimos ruídos dos figurinos se confundem com a respiração dos personagens que se movem sorrateiros. A qualquer momento, uma explosão, um grito ou um ruído cortante e então seremos surpreendidos por movimentos de câmera que nos farão sair do olho esquerdo de um vilão para a mais distante colina, de onde avistaremos toda a virtual extensão do Império.  

O filme de Feng Xiaogang conduz-se sempre nesse sentido: requer do espectador uma atitude de constante entrega ao bailado de corpos, câmera e objetos de cena. Na verdade, não pede mais do que isso. Também não oferece muito além. Seu compromisso é com o espetáculo. A moldura chama sempre mais atenção do que o que está no interior do quadro. Ninguém se importa muito com quem morre ou com quem mata. O que se quer é acompanhar o balé de espadas e sangue. Inimigos do Império é, assim, uma nova espécie de cinema musical-coreográfico, a que nos acostumamos a associar com um certo cinema chinês livre para exportação, cujo estilo há muito já está perfeitamente integrado ao cardápio dos efeitos especiais mais corriqueiros do cinema norte-americano. Por outro lado, a estratégia de jamais desapontar o espectador não deixa de recorrer à música piegas para enfatizar o que já está mais do que claro – paixão, dor dos personagens, angústias etc.

O cuidado com o hiper-estímulo audiovisual acaba ofuscando eventuais outras pretensões. Trata-se de um cinema que tende à abstração, o que seria ótimo se não houvesse o compromisso em mecanizar e tornar " exótico" todos e quaisquer personagens e situações. Ali, até a miséria é suntuosa. Tenho a impressão de que o que há de melhor em espetáculos como Inimigos do Império é que eles servem para nos levar a experimentar uma sensação que imagino próxima a dos espectadores dos primeiros tempos do cinema: ficamos ali a contemplar corpos que voam, flutuam, caem, levantam-se, equilibram-se em improváveis galhos de árvore que balançam suavemente ao vento.

Ah! No meio disso tudo há Shakespeare e, como bem observou Gilberto Silva Jr., um toque de Nelson Rodrigues. Mas isso é detalhe.


Luís Alberto Rocha Melo