A FÓRMULA DE PETER PAN
Cho Chang-Ho, Peterpan-eui gongsik,
Coréia do Sul, 2005

Mas de que tipo de juventude eterna estaria falando A Fórmula de Peter Pan, se à nada no filme é garantida qualquer idéia de continuidade ou extensão? Todas as trajetórias traçadas serão eventualmente interrompidas, o jovem Han Soo desiste dos treinos de natação, sua mãe tenta o suicídio, a relação amorosa com a nova vizinha nunca passa de um esboço, a aproximação com o pai desconhecido se desfaz junto de um teste de DNA queimado no meio da rua. Muito rápido o diretor Cho Chang-Ho propõe sua saída para essa sucessão de desencontros, e organiza toda sua encenação em nome dela. Sua fórmula é a reação oposta, o elogio do encontro. Mais até que isso, não apenas esse esbarrar entre pessoas, mas o compartilhamento de suas emoções, seja pela semelhança de experiências, seja pela simples coincidência espacial. Eternizar-se aqui, longe de satisfação de uma vontade egoísta, só é possível com a participação do outro. Assim, A Fórmula de Peter Pan vai se montando sobre teias, onde o princípio fundamental é a ligação irrestrita entre os envolvidos, em todos os níveis possíveis. O treinador da equipe de natação do colégio castiga os colegas de Han Soo, todos eles obrigados a se equilibrar de ponta-cabeça escorados numa parede, e não porque tenham feito algo de errado. O talento do protagonista é o que sustenta aquela equipe, para evitar que essa relação se quebre parece natural ao treinador submeter os atletas de que dispõe à tal prova, porque a ligação essencial entre eles e o maior atleta do grupo vai eventualmente trazer Han Soo de volta às piscinas.

Essa, no entanto, é uma situação já antiga, dominada, e até os meninos que correm atrás de Han Soo para espancá-lo depois que ele anuncia o fim precoce de sua carreira irão logo em seguida aparecer ajoelhados implorando para que o nadador reverta a decisão de encerrar sua conexão com eles. Quando A Fórmula de Peter Pan encontra seu protagonista, o rapaz está no meio da crise esportiva, e algo na infantilidade de seu grito debaixo do chuveiro anuncia que aquele será um problema muito menor. É quando chega em casa e descobre sua mãe e o suicídio frustrado que Han Soo passa a realmente fazer parte desse jogo de relações arquitetado pelo diretor. Daí para adiante o protagonista será envolvido em uma série de situações onde a convivência e o contato com o outro, mais que necessidade, serão imperativos. Uma idéia torta do avanço da contemporaneidade, que ao invés de isolar os indivíduos em seus compartimentos fechados por muros e paredes, obriga a ligação, seja pela proximidade das casas, seja pela inexistência de uma divisória entre uma paciente e outra num mesmo quarto de hospital. Dividir o quadro, para eventualmente dividir alguma sintonia.

Mas se prega a eternidade pela convivência, Cho Chang-Ho esquece da juventude, e não há quem queira se perpetuar com um repertório de validade vencida há dúzias de anos. Sempre que coloca o pé na fantasia, A Fórmula de Peter Pan sente necessidade de forçar-se poético e contemplativo, e aí esquece completamente aquilo que parecia ser uma idéia muito bem pensada de disposição narrativa e mise-en-scène. Contaminado por uma certa mania Kim Ki-Duk de valorar planos pelo tamanho da beleza e pelo número de interpretações profundas que possam gerar, como se vitrines de loja a liquidar qualquer tipo de emoção disponível, o filme de Cho se deixa tomar por toda sorte de estratégia caduca, o piano extra-diegético que se torna diegético com um movimento de grua espetaculoso, a conversa entre luzes, seja no Código Morse fajuto que Han Soo e sua vizinha ensaiam em suas respectivas janelas, seja pela recorrência da iluminação de um farol no meio do mar, dica nada sutil dos desdobramentos trágicos que a história tomará em seu final, todos esses momentos em que a idéia de uma convivência das diferenças num mesmo espaço, aqui tomadas pela vontade do diretor em dizer algo e a nossa vontade em ouvi-lo ou não, na prática da construção das cenas, se torna o discurso autoritário de alguém que elogia o encontro mas exige que suas investidas sejam admitidas sem questionamentos. Havia algum interesse no modo como o filme dispunha suas idéias iniciais, mas sua queda tão vertiginosa faz pensar se não estaríamos vendo demais naquilo que estava apenas disfarçando a perda das estribeiras final. Ao tentar garantir a eternidade de seu protagonista, A Fórmula de Peter Pan acabou tirando qualquer possibilidade de ter a sua própria permanência assegurada. Talvez seja melhor assim.


Rodrigo de Oliveira