Estréia
na direção do ator Kim Rossi Stuart, o filme lida de
forma direta com a figura do ator. É um filme sobre
captar universos particulares, habitados por estas pessoas.
Ainda assim é capaz de fugir do clichê do filme-de-ator,
sem ser teatral e muito menos sem carecer de imaginação
para criar imagens. É verdade que ele adota uma mise-en-scène
livre de amarras, sem um rigor explícito, que permite
aos atores caminhar livremente em cena. Mas o que verdadeiramente
destaca é sua dedicação em captar, com cumplicidade
máxima, os personagens que filma. Centrado em torno
de uma família que tenta seguir suas vidas após o abandono
da mãe, Stuart mergulha neste universo onde dois filhos
pré-adolescentes precisam ajudar seu pai a continuar.
O filme é munido de uma harmonia invejável, que no início
chega a ser confundível com histeria. Aos poucos ele
acerta seu tom, e começa a traçar seus caminhos.
Dentro de um universo claramente masculino, Stuart não
dá muito espaço para a filha de seu personagem, retratada
com carinho, mas com certa distância. Suas emoções não
evoluem como as de pai e filho, sendo geralmente bem
diretas. E por mais que o pai seja peça chave e um personagem
nada simples, o ser que guia e dá alma à obra é o garoto.
É a partir de seu olhar, desde o começo, que tudo se
desenvolve. A partir de uma atuação verdadeiramente
física de Alessandro Morace, que exibe poucos pensamentos
e foge por completo das caretices de muitos atores mirins,
Stuart vai construindo aos poucos o painel familiar.
Depois de uma primeira meia-hora em que se sente que
tudo parece tranqüilo com aqueles personagens e sua
trajetória, ele sacode aquele universo ao trazer de
volta o personagem da mãe. Se a explosão inicial contra
ela é do pai e marido traído e abandonado, é do filho
que vêm a resistência em lhe permitir uma segunda chance.
É nesse momento que Kim Rossi Stuart começa seu mergulho
mais aberto num certo espírito absolutamente italiano
de cinema. Sem alterar aquilo que vinha estruturando
até ali, à medida que o garoto vai se afastando e entrando
em seu universo particular que pretende excluir sua
mãe, fica clara a cumplicidade entre cineasta e personagem.
O garoto tenta se auto-excluir da família, se prendendo
em seus rituais diários. Sua amizade com um garoto rico
que vai morar em seu apartamento é também outro ponto
forte, o mundo afetado e irreal em que vivem, sem o
filme ter o menor pudor em mostrar que o garoto que
vive a princípio num mundo perfeito será muito mais
problemático que nosso protagonista vindo de uma família
disfuncional. O personagem da mãe é o mais ambíguo,
seu desejo de fazer parte da família é claramente sincero,
mas sua incapacidade é ainda mais implacável. Quando
finalmente mãe e filho parecem reatar uma relação, ela
some.
É quando tudo indicava que cairíamos na obviedade e
que o flerte com o melodrama poderia desandar. No entanto,
mais uma vez Stuart mostra-se capaz de conduzir o filme
com a maior das seguranças. Seus personagens entram
em crise, as principais tensões estouram, e tudo continua
a fazer todo o sentido. Stuart entende o ator no cinema,
sabe captá-lo sem o tornar um problema, encontra o espaço
exato onde eles se tornam a alma do filme. A fala da
língua italiana é também uma questão, em sua forma cotidiana,
mais um ponto que Stuart parece trabalhar com cuidado
junto aos atores.
São inúmeros os momentos de grande força no filme, sempre
ressaltados por uma montagem simples e exata. Stuart
capta a intimidade com raro talento, como se vê em seqüências
como a em que após perder uma aposta, irmã e prima têm
de deixar o garoto tocá-las nuas. O cineasta não se
permite uma delicadeza em excesso, mas evita com tranqüilidade
a grosseria. Grosseria que assume em diversos momentos
sem medo, o que retoma a questão de ser um filme obviamente
masculino, cheio de explosões dos personagens. Duas
cenas de encenação primorosa fecham o filme: a reconciliação
entre pai e filho, feita quase à base de silêncio numa
noite escura, ao perguntar de "você está bem?";; e seu
último plano, onde o garoto lê a carta da mãe em que
ela diz que ele é o único homem de sua vida. São esses
momentos de intimidade máxima, com um senso de colocação
rara entre câmera e personagens, que fazem desta estréia
de Kim Rossi Stuart um grande filme.
Guilherme Martins
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