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                          meses do Nicolau Ceausescu na Romênia. Após destruir, 
                          com o namorado, busto do ditador, Eva é expulsa da escola 
                          e enviada para reformatório. Sua família, que vive com 
                          medo, recebe ajuda financeira de policial mal visto 
                          pela vizinhança, enquanto Lali, irmão caçula de Eva, 
                          fabrica planos mirabolantes e imagina sonhos impossíveis 
                          para sobreviver em meio à opressão que o cerca.
 Em Como Festejei o Fim do Mundo, Catalin Mitulescu 
                          poderia facilmente se colocar aos olhos de Lali, descambando 
                          ou para a representação onírica e surreal dos acontecimentos, 
                          ou para a construção de personagens com os pés fincados 
                          no exagero carnavalesco (todos os vizinhos de Eva, simpáticos 
                          e cordiais, se prestariam a tal jogo). No entanto, o 
                          cineasta escapa da armadilha, uma vez que substitui 
                          a alegria exultante, teatral, estilizada, fake e over 
                          de Emir Kusturica pela narrativa seca e direta, em que 
                          poucas emoções são demonstradas, na qual os personagens 
                          se contêm talvez com temor da ditadura que paira sobre 
                          suas cabeças e dos espiões à espreita. São planos bem 
                          enquadrados, corretos, quase acadêmicos; os movimentos 
                          de câmera se restringem a acompanhar a ação, sem malabarismos; 
                          luz e core escuras, opacas, fechadas; corta-se quando 
                          a cena se esgota, nem se prolonga, nem se antecipa: 
                          Mitulescu, desde o título – Como Festejei o Fim do 
                          Mundo –, parece negar e ironizar a possível influência 
                          do diretor sérvio de Quando Papai Saiu em Viagem 
                          de Negócios, Underground, Mentiras de Guerra, 
                          Vida Cigana e A Vida É Um Milagre. Não 
                          há festa, real ou simbólica, apenas a revolta muda, 
                          a espera agonizante e as tentativas desesperadas de 
                          abandonar o inferno.
 
 Eva, de fato, tenta fugir para a Itália, ao travar amizade 
                          com novo e misterioso vizinho, transferido pelo governo 
                          ao bairro por, supostamente, manter atividades suspeitas. 
                          O envolvimento entre os dois, a cumplicidade crescente, 
                          leva à crise da relação entre Eva e o namorado e, em 
                          conseqüência, dela com a família, que depende dos favores 
                          econômicos e da influência política do pai / policial 
                          do, quem sabe, futuro marido da filha. Mitulescu realiza 
                          o clássico filme de comunidade, em que grupo social 
                          restrito atravessa conjuntamente as transformações que 
                          o meio lhe impõe, mas subverte a fórmula, na medida 
                          em que desloca e individualiza a protagonista quanto 
                          aos demais. Desajustada, a heroína de Como Festejei 
                          o Fim do Mundo se encastela no orgulho ferido, no 
                          ódio e na angústia contra as políticas do medo e do 
                          toma-lá-dá-cá que imperam na Romênia, fazendo de todos 
                          vassalos e cordeiros assustados. O único interlocutor 
                          com que Eva pode se expressar é seu irmão, Lali, de 
                          quem o cineasta retira traços em geral trabalhados nas 
                          crianças (doçura, inocência) para torna-lo corpo ainda 
                          mais estranho, verdadeiro paria que transita pelos acontecimentos 
                          históricos e os curto-circuita.
 
 Lali decide recitar poema para Ceausescu a fim de mata-lo 
                          e, coincidência ou não, sua presença precipita as manifestações 
                          populares que derrubam a ditadura comunista. Ao contrário, 
                          por exemplo, de Forrest Gump, que apenas observa passivamente 
                          a História que o atravessa, indiferente e estúpido a 
                          ela, o menino de Como Festejei o Fim do Mundo a 
                          sente nos ossos, visualiza cada ínfima flutuação do 
                          ambiente – nas febres constantes que tem, quando busca 
                          o suicídio após a fuga da irmã, ao amaldiçoar o dente 
                          de leite que o impede de receber prêmio na escola. Mais 
                          do que simples narrador dos fatos que presencia, Lali 
                          se faz agente da mudança, como todos os vizinhos que, 
                          não satisfeitos em assistir a queda do regime pela TV, 
                          saem eles mesmos às ruas para participar do momento 
                          e comemorá-lo.
 
 Catalin Mitulescu encarna o sonho de liberdade que seus 
                          personagens nutrem nas diversas imagens de barcos e 
                          de navios que aparecem ao longo de Como Festejei 
                          o Fim do Mundo. O diretor, porém, não se ilude, 
                          pois sabe que a morte de Ceausescu e de seu regime trouxe 
                          a economia de mercado e o capitalismo para o país. Eva 
                          é livre, agora, como comissária de bordo do transatlântico 
                          de luxo, longe da família, com seus óculos Adidas? Para 
                          onde vai o navio? Qual o futuro da Romênia? Mitulescu 
                          não conhece as respostas, mas soube fazer as perguntas.
 
 
  Paulo Ricardo de Almeida   |