CAO GUIMARÃES

Filmografia:
2005 Acidente
2004 Concerto para Clorofila (curta-metragem)
2004 A alma do Osso
2004 Rua de Mão Dupla
2004 Da Janela do Meu Quarto (curta-metragem)
2003 Nanofania (curta-metragem)
2002 Volta ao Mundo em Algumas Páginas (curta-metragem)
2001 O Fim do Sem Fim
2001 Word/World (curta-metragem)
2001 Hypnosis (videoinstalação)
2000 Sopro (curta-metragem)
1999 Between – Inventário de Pequenas Mortes (curta-metragem)
1999 The Eye Land (curta-metragem)
1998 OTTO, Eu Sou um Outro (curta-metragem)

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Como você situaria o cinema entre todas as suas atividades? Você se considera majoritariamente cineasta ou crê que todas as diferentes formas de manifestação artística que você desenvolve estão em pé de igualdade, tanto em volume de produção quanto em entusiasmo e energia dedicados aos projetos?

Não, não me considero majoritariamente cineasta (apesar de quando menino eu dizia pra mim mesmo que gostaria de ser cineasta). O que acontece é que não sei mais o que é ser cineasta como sabia antigamente. Faço filmes, mas faço também muitas outras coisas. E estes filmes muitas vezes não são exibidos nos cinemas, com cartazes, pipocas, lanterninhas e tudo o que tínhamos direito antes. Algo mudou radicalmente na concepção do que chamávamos cinema. Vivemos hoje num mundo dominado pela imagem, e a imagem hoje pode estar em todo lugar. O que antes era assustador (a imagem), hoje é uma coisa banal.

E não consigo me acostumar com isso. Posso dizer que dedico minha vida a desbanalizar a imagem, substanciando-a de alguma forma, pois sou um viciado e quanto mais olho mais quero ver, até ao ponto de não querer mais ver (como fiz um dia no livro "Historias do Não Ver").

Por isso dizer que sou cineasta é um pouco reducionista. Pois faço outras coisas diferentes do que se convencionou chamar cinema. Mas foi o cinema que me fez fazer o que faço, este algo indefinível do qual o cinema também faz parte.

Até o presente momento, você tem três longas-metragens, exibidos na televisão e em festivais de cinema (e premiados, como A Alma do Osso), mas nenhum lançado comercialmente nos cinemas. Devemos atribuir isso ao desinteresse dos exibidores ou a uma estratégia diferenciada de distribuição por parte dos produtores/realizadores que privilegia festivais e exibições alternativas ao circuito comercial?

Terminei o meu quinto longa-metragem agora que será lançado na próxima Bienal de São Paulo. Apenas o primeiro deles, O Fim do Sem Fim, ficou por uma semana em cartaz em um cinema de Belo Horizonte. Por outro lado só nos últimos 12 meses tive 4 mostras retrospectivas de quase todos os meus filmes em salas de cinema de diferentes cidades do mundo. Disso podemos concluir que existe algo de estranho na forma de distribuição deste filmes. Não saberia definir exatamente o que é. O que posso dizer primeiramente é que dedico minha energia mais em fazer filmes do que em distribui-los. Não tenho estratégias prévias de distribuição, as coisas vão acontecendo meio que paralelamente a execução de novos filmes. Tenho algumas intuições e alguma preguiça de enfrentar os meios clássicos de distribuição de cinema no Brasil. Estamos lentamente aprendendo novas formas através das experiências de exibição em festivais, museus e galerias. E neste caminho encontrando milhares de realizadores na mesma situação. O que se passa é que sempre o tema da distribuição volta nestas conversações, cria-se geniosas formas alternativas de distribuir os filmes, mas fica tudo sempre no plano da conversa de botequim. Parece não existir aquele elemento fundamental, empreendedor de visão para abraçar a causa e fazer isso de uma forma criativa. Não deve ser fácil pois a coisa já é toda muito viciada e esquematizada. Mas com certeza não é impossível. Existem muitos bons filmes brasileiros e estrangeiros sendo realizados a todo momento e que acabam num limbo bastante melancólico.

Fundamentalmente creio que cada indivíduo que forma uma sociedade (no caso a brasileira) precisa pensar em tirar a bunda da poltrona de frente da televisão ou da internet e pesquisar o que anda sendo feito por aí. Não podemos pensar no espectador de uma forma passiva nem quando estamos realizando um filme nem quando pensamos em mostra-lo. O espectador deve ser mais ativo, tanto ao ver um filme (reconstruindo-o particularmente) quanto em saber buscar o que ver (não simplesmente aceitando passivamente o que lhe é oferecido)

Você acredita que o circuito exibidor brasileiro contempla a diversidade da produção nacional? Você crê que o lançamento comercial seria o formato de distribuição mais adequado para exibir os seus filmes?

Não creio que este circuito contemple a diversidade da produção nacional. Pelo contrário! Acho que o lançamento dos filmes nos cinemas das cidades (ou seja, no dito circuito comercial) é para mim uma questão romântica. Tenho nostalgia da pipoca e do lanterninha. Tenho nostalgia do cinema de rua, da atordoante visão da realidade da rua logo após a saída de um bom filme. Mas sou também totalmente aberto as novas formas de exibição, seja nas ruas, nos museus, em salas arrojadas e sofisticadas etc. Tenho apenas bastante preguiça dos cinemas de shopping centers.

Acho que uma obra de arte prolonga-se na alma, perdura dentro da gente após o seu "término". O momento após um filme é ainda o filme dentro da gente. É o 'outro' (o filme) atuando no sujeito, momento sublime de transcendência. E nos corredores de um shopping center perco minha noção de sujeito, torno-me um objeto a mais entre vitrines que me multiplicam até a náusea.

Dito isso respondo a sua pergunta dizendo que o lugar ideal que quero que meus filmes sejam vistos sejam aqueles lugares que respeitem o espectador, a peculiaridade e graça da diferença de cada um, misterioso cantinho (dentro de cada espectador) onde os filmes vão se alongar, desdobrando-se ao infinito.


Entrevista concedida a Ruy Gardnier, por e-mail

 

 






A lma do Osso


Da Janela do Meu Quarto