REDE DE INTRIGAS
Sidney Lumet, Network, EUA, 1976

Even better than the real thing

Houve um tempo em que o cinema era o grande parâmetro para comentários sobre o mundo em que vivemos. A televisão, com seu contato íntimo com os espectadores, diário e constante, parece ter se apossado deste posto, lá em algum momento da década de 50. Suas encenações dramatúrgicas of everyday life e os noticiários que comentam diretamente os acontecimentos "importantes" do mundo ocuparam o lugar das grandes construções dramáticas e das informações noticiadas pelo rádio. Mas alguma coisa a mais deve ter acontecido aí. A vida parece ter se rarefeito nas imagens veiculadas por ondas eletromagnéticas. Quando, ao discutirem sua relação, Max Schumacher diz a Diana Christensen que "isto não é seu programa de televisão, isto é a vida real", talvez seja precisamente isso que ele esteja dizendo. A televisão, além da grande maleabilidade e extremas constância e rapidez concedidas à "manipulação do real", oferecida a priori por qualquer confecção de imagem, infiltrou-se a tal ponto na vida das pessoas, que esta parece ter perdido um pouco de gravidade... Como num drama barato, as voltas e reviravoltas nunca ganham ares de serem muito sérias nem muito tristes. A razão de tudo parece estar em algum lugar além das pessoas e o que elas experimentam entre si, no seu dia-a-dia. E é contra isso que se rebela Howard Beale, nos seus discursos "sem Deus".

A princípio disposto a denunciar em cadeia nacional a rede de interesses que o demitiu de seu posto de âncora televisiva, ele, "dirigido" de forma interesseira por Diana, vai bem além disso. Compreendendo a lógica e o papel da TV de forma muito mais ampla que a postura de Diana de promoção de uma "contracultura" poderia supor, Beale se entrega à TV para criticá-la, è incorporado pelo sistema para falar mal deste. Grande ironia. É exatamente a sede de lucro e poder que o havia demitido que agora apóia sua revolta. Sim, porque a revolta é marketing. Mas não deixa de ser revolta.

Beale, a princípio, serve aos interesses de Diana e da emissora UBS, mas, fiel a si mesmo, enlouquece, vai além de seus limites e, sem representar, deixa autênticas manifestações de vida acontecerem no palco do seu programa, não obstante toda a orquestração que o colocou lá para esbravejar sobre o sistema e suas conspirações internas. E curioso também é que o cinema, com sua capacidade de fazer grandes afirmações, seja o palco "externo" para tal manifesto, em que Lumet tece sua própria argumentação. Manifesto que não nega o objeto atacado, que, ao contrário, alia-se a ele e, por compreendê-lo tão perfeita e intimamente, é capaz de corrompê-lo por dentro, de utilizá-lo para atacá-lo. Mas, que, ao exigir a entrega total, acaba incorrendo numa fagocitose. Beale é engolido. O paradoxo profundo do qual ele era o vértice termina por liquidá-lo. Ele morre no ar, ao vivo, assassinado por encomenda, prosseguindo, no próprio acontecimento da sua morte, com o caráter de desvelamento das obscuras e nefastas organizações que manipulam a expressão televisiva (e outras expressões, claro). E talvez seja por isso que, para funcionar, o manifesto de Lumet seja necessariamente um filme e não um telefilme ou um programa jornalístico ou uma série investigativa. Veiculado como um produto televisivo, ele provavelmente perderia a densidade e o impacto, dialogaria com outra produção de saberes, outras possibilidades e condições de construção de imagem. É da tela grande, portanto, e apenas dela, que ele pode olhar tão integramente para a televisão, mesmo que não seja para demonizá-la, e, sim, para tentar entendê-la melhor. É dessa distância dada, das diferenças intrínsecas entre os dois meios, que Lumet parte para tecer sua rede de sutis paradoxos lógicos.

E talvez a lógica de todos eles esteja concentrada no personagem de Max. Contrapartida humana do espetáculo que Howard Beale protagoniza e do ideal de empreendedorismo televisivo que encarna Diana, ele chama a atenção para a "decência" e para a "realidade" humanas, para a dor e o amor, que ele pode sentir, para todo um espectro de matizes das atuações humanas, distante dos roteiros, das dramaturgias e encenações previsíveis, das esquematizações e dos estereótipos que pautam mais comumente a retratação dos dramas dos homens. Max aponta para o cinema e para o papel que este definitivamente assumiu nas décadas de 60 e 70: a atenção às nuances de comportamentos, às sutilezas dos sentimentos, à sensibilidade das escolhas, à lógica de uma atuação original e inteligente frente ao mundo. Deixa para Diana a televisão e seus esquematismos e para Howard, o espetáculo e sua glória, ambos refletidos também em um certo "cinema de massas". Desta forma, Lumet também escapa de um determinado modelo de "filme de denúncia". Rede de Intrigas não possui como princípio organizador a necessidade de apontar o dedo para a televisão e descortinar seu modus operandi sujo, embora acabe fazendo isso em alguma medida, mas traçar um mapa de relações humanas dentro de um organismo, uma rede de televisão, e marcar possíveis posicionamentos diante das problemáticas nele surgidas.

Intrincado e pouco óbvio, o filme traça um percurso delicado em meio às mais diversas questões que ele articula ou apenas tangencia. E a sensação com que ele nos deixa é que, em relação a imagens construídas a partir do real, a televisão é uma fantástica fábrica de espectros que vivem tanto quanto qualquer ser vivo e que o cinema é produtor de uma materialidade pulsante um tanto misteriosa, por mais que nos detenhamos em análises...

Tatiana Monassa

(VHS: Warner)