John Landis como personagem em Um Romance Muito Perigoso (1985)
Filmes novos de Spike Lee e Olivier Assayas, coluna nova de lançamentos do mês em DVD, Sidney Lumet, D. W. Griffith, Dennis Hopper.
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Rogério Sganzerla não foi o único cineasta homenageado pelo festival de Turim de 2004. Além dele, de Luciano Emmer e do casal Gianikian/Ricci-Lucchi, John Landis ganhou uma retrospectiva compreensiva de sua obra – inclusive com todos seus episódios para a série "Dream On" – e recebeu a atenção geralmente atribuída a um autor. Ora, por que John Landis, figura de proa dos anos 80 nas modas (filmes de turma à O Clube dos Cafajestes), na revelação ou na colocação em evidência de novos artistas (John Belushi, Kevin Bacon, Dan Aykroyd), na criação de alguns dos mais badalados filmes americanos do período (Os Irmãos Cara-de-pau, Um Lobisomem Americano em Londres), por que esse mesmo John Landis não seria um autor, diretor que imprime uma marca personalíssima em tudo aquilo que dirige, seja o projeto seu ou de outros, seja o material de base fácil ou difícil de manusear – uma marca que não é só um floreio "de arte", mas um estilo profundo e instigante que, por baixo da aparente falta de assinatura dos filmes de gênero, se insinua nos filmes e passa a povoá-los como num ataque relâmpago? Em Landis, é uma guerra civil que se resolve sem mortos e feridos. Em todos os filmes em que foi bem-sucedido, ele conseguiu conjugar à perfeição o manejo comercial de seus filmes com preocupações muito particulares: entender o que é o cinema em comparação com o mundo real, entender a força política da pergunta "o que pode uma imagem?" para posteriormente fazer uso dela, entender o papel que representa na linhagem da comédia e do cinema fantástico americano.

Junto disso, uma outra preocupação, que se conecta à edição anterior da revista (ficções americanas) e junta-se com nosso tema principal na seção DVD/VHS (Sidney Lumet): o poder que tem a ficção americana de adequar-se a perfis de expectativa de público (nada além do que chamamos de "gênero", que, conforme Tag Gallagher nos ensina, não tem uma existência real) e ainda assim – talvez exatamente por isso – ter a imensa capacidade de questionar e dramatizar em praça pública, com toda a luz dos holofotes diante de si, os caminhos e descaminhos de sua sociedade. Naturalmente, isso não é uma tendência geral e disseminada do cinema americano (que país pode se orgulhar de 100% – ou ao menos da maioria – de sua produção anual?), mas é impressionante como até filmes desprovidos de muito interesse conseguem engajar costumes e valores de sociedade de uma forma que os cinemas médios de outros países raramente conseguem (estão aí os filmes islandeses, suecos, dinamarqueses, espanhóis, australianos, ingleses para nos provar). Ao mesmo tempo algoz – por solapar economicamente quase todos os cinemas nacionais de seus países, algo que de forma alguma é questão aqui de minimizar – e fonte de vitalidade – pois afinal, é ainda e sempre ele o país produtor mais interessante de filmes narrativos de longa-metragem, mainstream (Menina de Ouro, O Aviador) ou alternativos (Elefante, Encontros e Desencontros), "chiques" (Kill Bill) ou deselegantes (Ligado em Você), ou os dois ao mesmo tempo (The Brown Bunny). O veneno e seu próprio antídoto – esteticamente, ao menos.

Em terreno nacional, é só agora que o ano parece esquentar – na verdade, começar. Cinco filmes sendo lançados simultaneamente ou quase nos cinemas, além de diversas estréias no festival É Tudo Verdade, vêm restabelecer um quadro extenso de preocupações, das mais fantasiosas (Jogo Subterrânero, Bendito Fruto) às questionadoras da sociedade (Quase Dois Irmãos, Cabra Cega), passando pelo reavivamento do longevo gênero da comédia carioca, dessa vez instalada do outro lado da ponte aérea (O Casamento de Romeu e Julieta) e culminando na prolífica produção recente de documentários de longa e média-metragens. Razão de estímulo e interesse para continuar a pensar essa cinematografia tão particular e apaixonante quanto a nossa, mas ao mesmo tempo atentos para que nenhum clima ufanista policialesco nos impeça de fazer essa reflexão – que é e sempre será sobre cinema brasileiro porque é o único que vivemos diariamente ao sairmos na rua, ao ligarmos a televisão, nas reuniões, nos ônibus, nos bares e nas reuniões nos bares – partindo de outros países (principalmente aquele que por sua plenipotência acaba nos determinando e sobredeterminando, o americano) em que encontremos vigor para seguir adiante. Reflexões, tanto sobre o cinema brasileiro (em pautas sobre cineastas decisivos, ao longo de nosso primeiro semestre, além da cobertura do festival de documentários na próxima edição e das críticas dos filmes na seção que lhes cabe), quanto sobre o cinema americano (que persistirá em forma de mesa-redonda na próxima edição), quanto outras paragens igualmente importantes, tão necessárias para uma reflexão universal do cinema e da radiografia das imagens ao redor do planeta – México, Coréia, ontem, hoje, amanhã. É uma felicidade dar a volta ao mundo e voltar para o seu próprio canto.

     
  Ruy Gardnier