O CLUBE DOS CAFAJESTES
John Landis, National Lampoon's Animal House,
EUA, 1978

O Clube dos Cafajestes – o filme pelo qual Landis é mais freqüentemente lembrado – já foi a esta altura imitado tantas vezes que é preciso da parte do cinéfilo um certo esforço para compreender o que ele significou em 1978. Não se trata apenas de imitações da trama (sobre um grupo de universitários baderneiros). O humor praticado pelo filme era algo visível em apresentações de certos comediantes, em revistas cômicas ou no Saturday Night Live, mas não no cinema. A grande popularidade do filme abriu portas para um sem número de filmes a partir de 1980 (seja os outros filmes de Landis, boa parte da comédia adolescente desde então, filmes inspirados pelo Sarturday Night Live e National Lampoon até as comédias recentes com Will Farrell ou Ben Stiller). Não se trata de propor – absurdamente – que Landis tenha inventado qualquer coisa, mas de observar como o diretor procedeu após ser contratado pelo National Lampoon para apresentar este humor (que, vale dizer, casava bem com a sensibilidade do diretor) ao cinema.

O primeiro grande achado do filme é localizar a ação temporalmente em 1963. Dentro da história do cinema americano (que vira o velho sistema de estúdios agonizar entre 50 e 62), estamos no momento de busca de algum senso de direção em todos os tipos de filme, incluindo a comédia. Momento mais do que adequado para colocar John Belushi à solta. Estamos também no momento em que dentro dos EUA a década de 50 de fato dava espaço à de 60. Casamento inspiradíssimo da observação social e estética, que aponta para uma das qualidades menos ressaltadas de John Landis, o de ser um cineasta cujo profundo conhecimento da história da comédia cinematográfica encontra uma consciência de como articulá-la com o mundo fora das salas de cinema (algo que não se pode dizer de praticamente nenhum outro cineasta cinéfilo da sua geração). O filme se estrutura como um confronto entre a anárquica fraternidade dos Deltas e os janotas Omegas e o cineasta mantém sempre claro que não se trata de uma mera necessidade narrativa. O único sujeito certinho entre os Deltas (e aquele que tenta policiar os demais) se chama Hoover, numa clara referencia ao lendário chefe do FBI, e a existência da então crescente guerra do Vietnã é algo que permanece sempre a assombrar o filme, para ficarmos só em dois exemplos. O olhar de Landis garante ao filme um senso de autenticidade, de estarmos mesmo diante da memória vivida de alguém (a começar pela feliz idéia de usar uma trilha sonora que não busque realçar o humor, passando pelos detalhes que surgem a cada cena). O filme termina com a forte sensação de vitória na derrota, com os Deltas, após serem expulsos da faculdade, partindo para um último gesto fútil – mas necessário – de resistência: a destruição da parada oficial da cidade. Landis aproveita a oportunidade para expandir sua mise en scène cômica a proporções épicas, numa das mais detalhadas e complicadas seqüências de humor do período (um movimento que ele ampliará ao longo de todo Os Irmãos Cara de Pau, dois anos depois)

O Clube dos Cafajestes é o filme de Landis que provoca mais risadas, disso poucos discordam. Enquanto em outros filmes do cineasta as gags por vezes impressionam mais pelo inusitado e pelo grotesco, aqui elas aparecem sempre como muito engraçadas (o que não significa que outras comédias de Landis não sejam superiores). De certa forma observamos o que podemos chamar de um "estilo Landis" se cristalizando (o filme anterior, Kentucky Fried Movie, é freqüentemente visto mais como um filme do trio ZAZ, que o roteirizou). O cineasta reage especialmente bem ao seu jovem elenco. Landis arranja formas para encaixar as mais grotescas gags tais como a do cavalo que morre: a seqüência começa filmada banalmente com uma invasão noturna até que compreendemos a lógica da ação – os três Deltas levam o cavalo até a sala do reitor. Landis mantém a maior parte da ação fora da sala enquanto dois deles conversam sobre o terceiro que vai "matar" o cavalo, quando finalmente se corta para dentro da sala. O suspense – a arma está ou não carregada? – é brutalmente interrompido por um plano congelado do cavalo (acompanhado do barulho do disparo), e quando a seqüência é recomeçada, o cineasta se recusa a incluir o contracampo para descobrimos exatamente o que aconteceu. A seqüência se encerra e apenas dentro da seqüência seguinte passada na mesma locação – mas com um posicionamento de câmera completamente diferente e após um tanto de diálogo expositório (que envolve pontos da trama posteriores e ignora por completo o cavalo) – finalmente Landis se permite ao contracampo (a partir do novo posicionamento de câmera) do cavalo nos dando alguma noção do que aconteceu. O que a primeira vista é uma simples gag (o cavalo que morre de um ataque cardíaco ao ouvir um tiro) se transforma – graças ao ritmo da cena (a montagem é um primor), da decupagem, da oposição entre os dois espaços principais (sala e ante-sala), do contraste entre o banal e o estranho, mesmo na forma como os corpos dos três atores (dois deles bem acima do peso) preenchem todo o quadro a certa altura – numa porção de sub-gags que se desenvolvem no entorno da idéia central. Nas revisões, mesmo a filmagem preguiçosa da externa ou o diálogo do início da cena seguinte se tornam muito engraçados (é uma constante em Landis que os filmes revelem novas gags imperceptíveis nas visões anteriores). Variações no processo podem ser vistas em todas as passagens chaves do filme – a cafetaria, a festa de toga, a parada – assim como nas cenas menores.

Há ainda John Belushi. Nele Landis encontra seu ator perfeito. Há uma predisposição nos filmes do diretor por performances expansivas em que o ator domina todo o espaço. O único outro comediante que viria a suprir a ausência de Belushi depois de sua morte para Landis seria Eddie Murphy (Jeff Goldblum se revelaria um protagonista igualmente efetivo em Um Romance Perigoso, mas nesse caso o processo é o inverso, com uma performance comatosa contrastando com um espaço hiper-ativo). Landis por sua vez permitiu a este brilhante comediante um contato com uma sensibilidade cômica que lhe servia, assim com uma mise en scène organizada. Trata-se quase de uma atuação de cinema mudo (ele mal fala), subvertida pelo ator que investe o filme de uma forte agressividade; é como se o ator se pretendesse atacar o mundo a cada plano. Há um elemento de frescor que o ator impregna em cada seqüência que participa, como se algo de inesperado surgisse naturalmente a cada momento. A ação mais grotesca (digamos, virar um vidro de molho contra o próprio peito) é realizada com tamanha convicção que estes gestos registram com uma força que inexste no papel. Seu grande momento talvez seja o mais simples: o trabalho de linguagem corporal que desenvolve no ato de subir uma escada para olhar um grupo de universitárias se trocando que o ator transforma num momento quase épico. Belushi na verdade tem relativamente pouco tempo em cena, mas domina todo o filme, o tira dos eixos, dá a Landis o corpo que mais perfeitamente articula suas idéias cômicas.


Filipe Furtado

 

 







Mr. John Belushi em O Clube dos Cafajestes de John Landis