Um Jovem Sedutor
Gary Winick , Tadpole, EUA, 2003
Gary Winick ganhou o prêmio de melhor direção no Sundance Film Festival de 2002 por Um Jovem Sedutor (Tadpole). Mais do que nunca, o festival de Sundance confirma seu tropismo por filmes que, antes de poderem ser criticados por um ou outro aspecto – seja formal ou de conteúdo –, zelam pelo mau gosto. Assistindo a Um Jovem Sedutor ou a O Tempo de Cada Um, outro vencedor recente, os anos em que um filme como Veneno (apresentado no Sundance de 1991), de Todd Haynes, recebia prêmio parecem realmente distantes não só no tempo, mas também no propósito da premiação.

Não que o fato de Um Jovem Sedutor ser um filme engendrado por péssimo roteiro tenha impedido um trabalho decente de direção: Gary Winick, independente do material que tem nas mãos, simplesmente joga a maioria das cenas como se o roteiro falasse por si mesmo e prescindisse de cuidado ao querer transformar-se em imagens. O filme é produto da Indigent (Independent Digital Entertainment), espécie de braço aleijado da Miramax. Rodado em digital, com alguns atores desconhecidos e outros bem famosos (Sigourney Weaver, por exemplo), apostando numa suposta eficiência dos diálogos e na simplicidade técnica (sem que isso se torne a defesa estética do filme – não é um produto “dogmático”), Um Jovem Sedutor resulta num filme trash, mas com ambições cool. Uma mise-en-scène desse tipo, em parte jogada de qualquer forma (e em certo aspecto até preguiçosa) e em parte ornada por estilizações evidentes, só pode funcionar se estiver embalada por excelentes diálogos e situações convincentes (isto é, se partir de um bom roteiro) e se as atuações forem boas (Domingos Oliveira rodou Separações em moldes semelhantes – obviamente sua direção foi mais cuidadosa e interessante que a de Winick – e fez um grande filme, pois contou com bom roteiro e bons atores).

O filme é feito para que os espectadores riam do ridículo de algumas situações, de alguns personagens, de alguns fragmentos da vida de Oscar, um autêntico almofadinha que se apaixona pela própria madrasta Eve (a insossa personagem de Weaver) e acha o resto do mundo um saco (as meninas de sua idade, o pai que é professor de História e só sabe falar do trabalho, a música contemporânea...). Ao se envolver com Diane, uma quarentona muito da enxuta e melhor amiga de Eve, Oscar inicia um processo que o encaminhará a previsíveis lições de moral. No final do filme, com a música Changes (belíssima, por sinal) de David Bowie já tocando, Oscar finalmente olha para uma menina de sua idade (“...turn and face the strange...”, diz a canção) e uma troca de sorrisos anuncia o futuro.

As citações de Voltaire (leitura de cabeceira de Oscar), que pontuam vários momentos do filme (busca de cumplicidade para um olhar meio irônico meio “conhecedor das coisas”?), contrabalançam as cenas que parodiam os idílios bregas das comédias românticas anos oitenta, o que corrobora a idéia de que o filme quer mostrar um olhar atento a certos clichês, mas sempre deixando clara a sua consciência com relação a isso, ou seja, explicitando o filtro “bacana” que precede a transposição cínica daquelas cenas ao contexto desse filme. Um Jovem Sedutor diz mais ou menos o seguinte: filmar o mau gosto não é problema, desde que o realizador o reconheça como tal e saiba passá-lo adiante já revestido de uma consciência crítica. O que vale é a malícia (de alguém que observa somente o lado cômico/deplorável do ser humano, e elege como principais referências estéticas algo de que no fundo deseja debochar).

O roteiro inclui temas e datas da tipologia norte-americana básica: o feriado de Ação de Graças, os hábitos da classe média alta nova-iorquina, o jovem que estuda em local distante e só vê a família nas férias: tudo muito recorrente nos clássicos filmes Sessão da Tarde. Mas, em Um Jovem Sedutor, esse clima de filme adolescente light invariavelmente é alvo de acidez. Winick prefere flertar com referências que considera simplesmente parodiáveis, transformando-as numa espécie de “merda redimida pela merda”, do que construir um filme romântico trabalhando o universo do jovem contemporâneo (como John Hughes fazia nos anos 80) sem o desejo primordial de caricaturá-lo.

Nada desperta interesse: os diálogos sem proteína, as cenas com as confusões em que Oscar se mete, os personagens secundários absurdamente estereotipados (as cenas com o namorado de Diane são particularmente patéticas). Se Woody Allen parece se insinuar aqui e ali como influência, a compreensão de sua obra certamente está a milhas de distância de Gary Winick. Misto de Hermes e Renato com sitcom fajuto, e sem se decidir entre a paródia, a comédia de costumes ou o filme romântico “para valer”, Um Jovem Sedutor é apenas uma caricatura de filme sobre caricaturas (mal feitas) de pessoas.

Luiz Carlos Oliveira Jr.