Pernetas querendo andar de patins
subtítulo

Nos últimos anos a TV tem sugado à vontade a criatividade dos filmes brasileiros sem dar nada, absolutamente nada em troca. A novela é uma extensão do cinema novo e a nova técnica de plano-seqüência (alguns bons câmeras da Globo seguem exaustivamente os atores, como nos nossos filmes que – para benefício deles – não foram sequer projetados no Brasil – sem que haja o essencial: um diretor por detrás das câmeras). Cenas brilhantes de Julinho Bressane, às vezes minhas, e dos nossos cineastas são imediatamente copiadas, diluídas, "platinadas" em apresentações novelescas imediatamente levadas ao ar para milhões de pessoas, tirando o aspecto de novidade de filmes assistidos em sessões privadas, moviolas, cineclubes. Claro, como diz Bressane "arte é multipessoal, não tem dono". Mas acontece que além de não pagar dividendos culturais ou econômicos as "redes" não querem nem saber de exibir filmes brasileiros (nem de madrugada) como seria sua obrigação diante da produção nacional, não convidam ninguém realmente bom de nosso cinema para produzir uma interação tela grande/pequena e ainda acham que "cinema dá câncer pois é ultrapassado". Se dá câncer, por que nos copiam tanto assim? Há sempre um espião para roubar idéias (a forma de tratar automóveis em movimento, de seguir os atores, compor marcações coletivas, a câmera baixa, não são privilégio de ninguém, a não ser do cinema moderno, mas usados por incultos, revela tão-somente modismo abastardamento cultural). Além de roubarem, mentem. Vidiotismo... Se não dão valor ao produto sonegado, vão criar sozinhos uma linguagem! Isso lhes é impossível, pois não conhecem as possibilidades do veículo a não ser repetir modismos comprometedores. Os enlatados estrangeiros são sempre exclusivos e as novelas, desaguadouro de nossas experiências, pecam pelo primarismo e pieguice que são a única "contribuição" deles. Apesar de tudo, descobriram a montar em movimento, como sempre fez o cinema americano, russo ou de atualidades (devido as facilidades do corte eletrônico que dispensa coladeira e "durex" e mais facilmente "acha" o momento do corte de imagem/som dinâmicos). Chegaram a fazer capítulos melhores do que baboseiras tipo Bye-Bye Brasil (deveria se chamar: "I’m Sorry, Brasil", expressão de má consciência), mas não saem de tiques, inflexões, closes sistemáticos de pessoas comendo e falando (como se com isso pudéssemos formar uma civilização), apresentam manequins sofríveis "crentes que estão abafando", bonecos sem alma (e os jovens copiam em todo território aquela forma antiga e nada moderna de ser frio mas meloso, falso e convencido, metido a conformista) em um modelo de comportamento desejado sobre nossas casas sem um recuo crítico ou a mais leve insinuação do mal que os acomete: standartização alma brasileira, evasão de energia mental, mediocrização de um país que, assim, nunca chegará a ser nação. Um outro enlatado é bom (destaco ao acaso: Assassinato de um Presidente, Executive-Action, com roteiro de Dalton Trumbo; Família Rico, com Ben Gazarra e outras raras surpresas). O resto é creche contaminada pela violência pornográfica. Filmes nacionais de envergadura, jamais. Cinema americano do bom, impossível (onde anda a cópia de Soberba que a "Vênus" desbotada esconde?). Comédias e/ou documentários como há em emissoras e não "redes" de fora; aliás essa palavra "rede" pega mal e mostra o quanto brasileiro é presa fácil de alguns oportunistas), nunca. E as músicas das novelas (para as quais elas são feitas) cada vez piores. Como conseguem "selecionar à unha" lixo tão deprimente? Justamente nós que temos o maior ritmo do mundo – o samba – nos dobramos aos interesses predatórios de alguns acionistas, que importam a peso de ouro-dólar cançonetas de quinto time? E o que dizer dos "diretores" de especiais? Os atores, recrutados ao rádio, teatro, cinema, são bons, mas a nova geração de manequins embonecados é uma lástima, refletindo o baixo nível de subpadrões exclusivamente quantitativos. Todos satélites são "estrelas" nos corredores de uma rede de abastardamento cultural. Outro dia aconteceu-me o pior: além de sugarem cenas de vários filmes meus (Abismo, Sem essa Aranha, Bandido) chegou a desaparecer uma cópia de um Jimi Hendrix emprestado a um amigo da sucursal em São Paulo, que a rede mais organizada do País não consegue localizar. Expropriam não só idéias mas ideais e até um rolo de mil desaparece sem que haja nenhuma responsabilidade. Além de tudo, fazem nos esperar por uma coisa que é nossa. Até quando continuará a exploração? ANOTE: Não somos pagos para ser explorados, física e mentalmente.

"Pernetas querendo andar de patins", como bem definiu o Julinho Bressane os maus exemplos nacionais, é o mais recente "resultado" das eleições representativas da classe no Rio e seu órgão sombrio. Um minúsculo personagem, sob o título "Cinema novo-rico" assina "teorias discricionárias" (não se trata de constatação mas apologia da usurpação indébita, inaceitável no campo da cultura): "Não é difícil achar afinidades cada dia maiores entre a produção de um filme (ou fita?) e uma incorporação imobiliária. Mercado imobiliário, prod. cin. e "status" são três elementos reunidos como um jogo de bilhar francês, onde a carambola é fator indispensável. O status decorre desse dado e varia diretamente com o aumento do preço da "incorporação". O que confirma na página 11: "Modelo ultrapassado": – "Mário Falaschi acha que todo mundo é burro, ladrão e safado". Nas possibilidades de um (necessário) Renascimento Cultural (possível com a convocação de jovens marginalizados), nem tanto. O que confirma o comentário de Bressane: "O nosso cinema, clandestino, que não passou, foi um fato estimulante (para usurpação indébita). Eu não estou falando só dos meus filmes – continua Bressane –, mas também de outros que não foram vistos. Uns quarenta... Alguém disse que esse cinema era a necrose da juventude. O fato é que esses filmes deram um susto, mas todo mundo caiu de boca. O último filme do Glauber é uma paródia desse cinema feita nas coxas. Sabermos que arte é multipessoal, não tem dono. Então é natural que outros tenham bebido dessa água. Como os filmes não passaram, foi mais fácil. Mas esses filmes dos anos 70, de que vocês estão falando, só foram possíveis por causa dos clandestinos". Três páginas antes um subtubarão: "Amadorismo, irresponsabilidade e atitude beletrista não deveriam passar na porta da Embrafilme e nem das salas de projeção". Incompetentes são os exemplos de concentração de verbas que não dão dinheiro nem prestígio; não é arte nem aqui nem em Lourenço Marques. Disseram que nossos filmes não têm "referência". O que me leva a responder: "Sem referência é a mãe daqueles pernetas querendo andar de patins".

Quanto ao diálogo cinema-TV é preciso dose de paciência para exigir na marra nosso lugar ao sol, nem que seja de madrugada. Público há. Aguardem a definição Governamental sobre as "novas" redes...


Rogério Sganzerla
(Correio Brasiliense, 31 de julho de 1981