o incômodo Rogério Sganzerla

Ele surgiu há algum tempo fazendo curta-metragem para o Festival JB. Todos viram nele muita capacidade de realização. Em São Paulo, aos 19 anos de idade, já fazia crítica de cinema, surpreendendo a todos com as suas idéias radicais. Orson Welles, Howard Hawks e Godard (além de o cinema americano classe B de 35 a 45) eram os únicos que sobravam. O crítico revolucionário passou a ser mais um jovem talentoso do Cinema Novo, pensavam os seus realizadores. Surge, então, O Bandido da Luz Vermelha e logo ele dá declarações sensacionais: – "Não tenho nada com o chamado movimento do Cinema Novo, pois não gosto de seus filmes. Faço uma pequena exceção para Glauber Rocha". Daí em diante, ele passou a ser o incômodo Rogério.

Essas declarações cada vez aumentam mais, a cada filme que realiza, mais oportunidade ele tem de falar. Agora, ele esculhamba a tudo e a todos. Frase de Rogério sobre o Dragão: – "Esse filme é um vexame"; sobre Macunaíma: – "um lixo".

Tudo isso fez com que ele se tornasse o cineasta mais detestado do Cinema Novo. Mas Rogério continua, incomodamente (inclusive com seu cabelo) a carreira de filmes grossos, cafonas, sujos, agressivos, de mau gosto, bossais, verdadeiros lixos cinematográficos: é o caso de seu próximo filme A Mulher de Todos. Fala Rogério, aliás, cospe na moçada: – "Depois do Bandido, tentei fazer uma chanchada com Gil, mas acabei realizando a aventura pornográfica A Mulher de Todos, em homenagem às fitas alemãs ou suecas classe B. É outro pejorativo cujo estilo obsceno serve para melhor retratar nossa realidade – não por moralismo mas por ideologia. Estou satisfeito porque não fiz 'o filme da minha vida', mas de certo momento de minha carreira. Quis aprender a filmar sem nenhum roteiro, escrevendo à medida que filmava, aproveitando diretamente a realidade".

Antibandido da luz vermelha?

– "Sim. Eu gosto de trabalhar com a câmara fixa, com travellings elucidativos, as panorâmicas didáticas, sem artifícios. Prefiro os longos silêncios, a música em volume baixo. Evidentemente 'O Bandido da Luz Vermelha' era o contrário disso tudo porque se tratava de uma inspiração violenta, espanto e agitação diante da realidade. Mas agora não consigo mais contrariar a minha tendência profunda pela simplicidade".

Tem chanchada nesse também?

– "Claro, e como nos tempos da chanchada eu e Jô Soares improvisamos muito. Suas inúmeras interferências foram todas aproveitadas, enriquecendo os conflitos. Chamei Paulo Villaça e Stênio Garcia, porque prefiro atores inteligentes e criativos. Antônio Pitanga também teve liberdade para trabalhar à vontade, no papel de um 'playboy' conservador e antipático, porque precisava criticar seus anteriores papéis de herói racial. Todos sabemos que a situação colonial do negro no Brasil é muito menos confortadora do que qualquer heroísmo oferece".

E a sua mulher, a mulher de todos, como está ela no filme?

– "Com Helena corri o meu último risco: evitar o galanteio e a homenagem fácil à minha mulher, Helena Inês. Fotografando-a com cuidado, quis mostrar também o lado neurótico, incômodo, difícil, da mulher moderna. Pela primeira vez em nosso cinema, uma mulher canta, berra, bate, dança, deda, faz o diabo. Neste filme ela é Marlene Dietrich co-dirigida por Mack Sennet e José Mojica Marins, isto é, por mim".

Os planos, como será o futuro?

– "Vai aí um furo de reportagem para vocês. Ainda farei um documentário político em 16mm – evidentemente com sons e fotografias péssimos – sobre as abelhas, moscas e mosquitos e outras variedades do litoral paulista, onde rodamos 80% de A Mulher de Todos".

Alex Viany
(O Jornal, 23 de janeiro de 1970)