Metafísica de bar
Copacabana Mon Amour, Brasil, 1970
Lilian Lemmertz e Helena Ignez saem de um bar e caminham no meio-fio de uma avenida. "Tenho pavor à velhice!", berra em alto e bom som Sonia Silk, a personagem interpretada por Helena, quase que num confronto direto com a câmera e com os transeuntes que passam por perto. Um fantasma passa por elas. "Olha o fantasma, o fantasma! É o pesadelo ao vivo!": Belair, Brasil, 1970.

Nos primeiros instantes de Copacabana Mon Amour Sonia perambula por barracos, terrenos abandonados, terreiros de macumba. Passamos rapidamente pelas cenas cotidianas, em nada banais: a mãe de Sonia reclama que estão "todos possuídos pelo demônio"; um homem – que depois descobriremos ser irmão de Sônia – tem diversos ataques histéricos que mais parecem reflexos de macumbarias passadas. É a narração que nos informa que estamos na década de 70, século de Serafim.

Guará, Dr. Grilo, Vidimar, Sonia Silk: personagens que não procuram por uma história, que não possuem a possibilidade de qualquer história num momento em que o cinema brasileiro (e, portanto, o Brasil) não possui história nenhuma a propor a não ser o da sua própria miséria, da incapacidade dos nossos cineastas lançarem um olhar que dê conta da riqueza sígnica e estética da nossa pobreza. Os filmes de Sganzerla feitos durante o período Belair podem ser pensados em grande parte como um chamado às armas, propostas de pensamento sobre um estado de coisas que não devem desaparecer impunemente, que não podem deixar de ser registradas. Eis que temos aqui um filme – um pelo menos – sobre o Brasil dos anos 70, um que traduz e traz à tela as dificuldades e os problemas de se olhar esse país através do cinema, o desespero das pessoas que buscam uma tradução para esse olhar e uma peça importante na obra daquele que é nosso mais importante cineasta.

Um espírito inquieto, inconformado por simplesmente não ter outra opção, a câmera CinemaScope na mão que lança um olhar dos morros sobre a metrópole distante, os mesmos morros que adotam o cinema de Rogério Sganzerla (e que são em contrapartida adotados por ele) em Sem Essa Aranha e este filme. Disso tudo surge uma pulsão, uma vontade-cinema que nada – a censura oficial (e não-oficial); a situação do país; o contexto geográfico, cultural e político – pode diminuir. Copacabana Mon Amour é um filme-cinema decisivo como antes dele foram Cidadão Kane, Uma Aventura na Martinica, Casa de Bambu e Shadows. Para sempre Belair, para sempre Sganzerla.


Bruno Andrade
 
Helena Ignez em Copacabana Mon Amour (1970)