Rogério Sganzerla, vampiro

Senhoras e senhores: não deixem de ir ver nossos filmes, mas, por favor, não percam muito tempo com nossas mensagens neutras, não levem muito a sério nosso cinema industrial (?) e muito menos o de autor. Fazem muito bem, porque, como a Argentina e o México, São Paulo está atrasada vinte anos em matéria de cinema.

O parágrafo acima é de Rogério Sganzerla, responsável por A Mulher de Todos, cartaz do Art Palácio, Belas Artes e circuito. Julio Bracho, medíocre diretor mexicano, também tem um filme chamado La Mujer de Todos, mas isso não interessa. Sganzerla realizou em 68 um dos filmes mais inteligentes da década de 60: O Bandido da Luz Vermelha, coqueluche dos novos valores do cinema brasileiro. Falando em direção a Augusto e Haroldo, Rogério disse que "o grande problema continua sendo o da diluição oficial dos novos valores". Para alguns, isso é uma tragédia, mas para o público é bom que a inovação seja diluída na redundância. A Mulher de Todos poderia ser um copo de sangue, mas só alguns poucos estão interessados em beber sangue. Se Luz Vermelha tinha 70% de informação nova, A Mulher de Todos tem 30% e o resto é diluição, redundância estratégica.

Aqui Rogério liberta-se mais das influências, satisfaz mais ao público, afasta-se da inteligentzia colonialista. A criticalha, desmunhecante e descotovelada, está detestando o filme. Eu mesmo, quando digo isso, não o faço como "crítico de cinema" (os boçais são eles, recalcados ou reprimidos que não sabem o a-b-c: só pode haver crítica quando os problemas pessoais estão superados): vocês lendo a opinião de um cara que está muito ligado ao cinema brasileiro em geral, paulista em particular. Gostaria de escrever muito sobre A Mulher de Todos, sobre Rogério Sganzerla, jovem artesão da sintaxe cinematográfica. Mas não vou escrever coisa nenhuma: não vou esmiuçar nada, porque tenho um compromisso comigo mesmo: fazer os meus próprios filmes. Sobre A Mulher digo apenas que é um filme belíssimo, admirável por conseguir uma abordagem até requintada, mesmo filmando a cafonice e o ridículo. É um filme pessoal no melhor sentido: como todo inventor que se preze, Rogério pode se neurotizar com sua problemática pessoal, mas para nós o importante é que ele assume e desenvolve tudo isso no plano crítico, no plano antropofagicamente crítico.

Jairo Ferreira
("São Paulo Shimbum", São Paulo, 18 de dezembro de 1969)