A Mulher de Todos

A Mulher de Todos – o deboche maravilhoso, a avacalhação revigorante. E, sem sombra de dúvida, Helena Inês, como a melhor aparição feminina do cinema novo e/ou novíssimo. O Bandido da Luz Vermelha (rádio-telecinejornal) havia sido o desencadear de uma nova estrutura de formulação do filme – A Mulher de Todos é a agradável, instigante, corroboração do processo. Aqui, Rogério, apesar da influência preciosa que lhe foi, já não cita Goddard – cita em tom satírico o peixe misterioso do final de La Dolce Vita, na forma do imenso balão que bóia à beira-mar. E, como nenhum outro cineasta brasileiro, mostra que soube assimilar a sabedoria hollywoodiana de projetar o plano. Tudo em função de sua pequena revolução cultural ou anticultural. Um ritmo lépido, na clave do despe-despe de Helena, tarantalizado pela recorrência às viragens (glória, no cinema mudo, dos efeitos de um Gance ou Epstein, ou, em sua assimptose, através das viragens do murnauniano Ménilmontant, de Dimitri Kirsanoff). História intencionalmente esquemática para demonstrar mais uma vez que o cinema é a anti-história: um minipotentado da imprensa dos comics, sub-Hearst, mas ultra-wellesiano no físico, Jô Soares (ótimo) é casado com Ângela Carne e Osso, ou melhor, "a mulher de todos" (até de outro gordo peludo, o detetive particular que contratou para vigiá-la). Esta vai parar na ilha dos prazeres (ou do vale-tudo sexual ou extra-social), paráfrase da vida mundana, onde até paira um cafajeste pau-de-arara, cuja mulher, super-seiuda, enrosca-se a todo momento em cima dele que não pára de comer animalescamente) pedindo uma cuba (possivelmente livre). O resto é o resto usado como informação estética, na base do bagulho informacional deglutido ao paroxismo. Algum dia sairá a emulação que talvez ainda não haja se ovulado na cabeça do cineasta.

Ninguém no cinema nacional é mais moderno do que Rogério Sganzerla, no sentido do acionamento da linguagem. A Mulher de Todos é "menos importante" do que O Bandido da Luz Vermelha, consoante um corte diacrônico do processo ("a permanência do infinito nas coisas finitas"– Whitehead) em sua acepção histórica, cronológica. O enfoque porém, não deve ser apenas lógico: há o espetáculo em si, a utilização de outros fatores estruturais, a soltura sem compromissos, o abre-fecha ao riso, quase que rimando com o despe-despe da protagonista. E, desta vez, a bem da verdade, louve-se a censura que, se, mesmo assim, cometeu por acaso o delito do corte, muita coisa de altamente civilizada deixou para os olhos do público.

Inexistem, na fita, coisas casuísticas, como charadas políticas & participantes. Tudo é feito a partir do mau-gosto intencional, da chanchada e, isto, afinal, na verdade é A Mulher de Todos: metachanchada. Ou, repetindo Sinhô (o grande J. B. da Silva), em seu samba, Eu Ouço Falar: "para o riso ser leal no coração da humanidade".

José Lino Grünewald
(Correio da Manhã)