Filme em Questão

Aos senhores críticos:

Definitivamente, queria esquecer O Bandido da Luz Vermelha (rodado em abril-maio de 1968) de uma vez, já que foi feito para ser visto num poeira, esquecido ao fim da sessão, jogado no lixo enfim, ao invés de ser conservado na memória dos cineclubes e cinematecas. Em São Paulo tive também de fazer a crítica porque picharam ou elogiaram sem entender. Continuo esperando umna crítica inventiva, ao nível do provável e não da certeza idealista, das especulações sentimentais e perspectivas do passado (e do provincianismo, principalmente). Não dá pé escrever que "Helena Inês está genial, é uma personagem fatal." É preciso repensar – no cinema como na crítica – o nova dimensão do ator, da câmera, do diálogo; discutir as noções de belo, talentoso, sensível, etc. Pelo amor de Deus, senhores críticos, não publiquem o óbvio, que eu sou "um talentoso influeicnado por Welles e Godard." Falem da minha dívida a Mojica, que vocês detestam, por exemplo.

É preciso, outro exemplo, dizer que com este filme o cinema moderno finalmente chega ao Brasil; que eu me recuso a fazer literatura na tela; que enfim surge um filme brasileiro ligado a Hawks e Godard e não a Visconti e Fellini (isto é fundamental). Reparem as inovações da banda sonora. Necessário dizer, também, que eu e alguns poucos estamos por dentro, ao contrário dos deslumbrados provincianos do cinema novo rico. Se tivesse que definir falaria de um cinema péssimo e livre, paleolítico e atonal, panfletário e revisionário – que o Brasil atualmente merece. Repito isso tudo simplesmente porque não agüento mais o que vem sendo feito pelo cinema novo. Falo como espectador comum, agredido pela burrice institucionalizada.

Felizmente, Formosa Pistoleira – meu segundo longa-metragem, em fase de finalização e mixagem – é o contrário deste: escolhi a teleobjetiva ao invés da grande angular, longos silêncios substituem esta apocalíptica banda sonora; um filme calmo, afirmativo e fechado sobre si mesmo.

Outro dia, numa entrevista a O Cruzeiro, que ninguém leu, disse que "o cinema não me interessa, mas a profecia". Com essa frase resumo o meu desprezo pelas pequenas sensibilidades, pelos autores levemente corajosos, sutilmente inteligentes, afirmando munha ruptura ao movimento de elite, aristocrático, paternalizante e acadêmico denominado cinema novo. Vendo O Bandido, compreenderão minha radicalização sincera.

Já fui crítico; e se deixei o jornal para realizar provocações antiocidentais não foi para virar autor como Bergman ou Antonioni mas para, no máximo, ser um anônimo copydesk de Mack Sennett.

Rogério Sganzerla

 

O cientista Sganzerla programou corajosamente sua estréia no longa-metragem, optando por um filme sem meio-termo: O Bandido da Luz Vermelha é o tipo da obra feita para o espectador gostar ou detestar. Tomando por base as façanhas do famoso bandido da crônica policial paulista de algum tempo atrás e, a propósito dele, mergulhando no submundo da Boca do Lixo, lugar de crime e marginalismo, o dirtor de 24 anos armou uma fita de estrutura original e provocante. O Bandido é a confluência das tendências de vanguarda em voga, a acumulação de um cinema godardiano, mais a dramaturgia tropicalesca, mais uma certa impostação clássica policialesca, tudo misturado e reinventado em um espetáculo que resulta com um valor próprio. no seu todo essa fita acaba deixando a impressão de uma crônica viva e irada acerca do ambiente da Boca do Lixo, um painel variado em que entram todos os elementos participantes daquele mundo, bandidos, prostitutas, viciados, contrabandistas, a polícia, marginais prósperos e miseráveis, líderes populares, artistas e toda uma fauna de que é figura máxima e carnavalesca esse incrível bandido da luz vermelha.

O filme de Sganzerla tem uma crueza ambiental latente, movendo-se como um carrossel em ritmo veloz com uma desordem premeditada e fascinante. Filme de estréia, pdoduto muito pessoal de seu autor, O Bandido da Luz Vermelha esconde na vertigem e na anarquia de seu desenvolvimento a inexperiência de quem faz a prima opera. Mas Sganzerla é um cineasta que marca bons pontos logo no começo e faz a gente esperar com grande curiosidade sua obra nş2 (o quase acabado Formosa Pistoleira, que ele define como "uma homenagem às fitas pornográficas suecas").

Além da revelação do diretor, O Bandido projeta um ator para o cinema brasileiro, Paulo Villaça, e confirma as qualidades de Helena Inês, a Janete jane da história, mulher sem escrúpulo, toda mal-comportada. O elenco, aliás, é todo bom: Pagano Sobrinho faz o rei da Boca; Luiz Linhares é o delegado; Roberto Luna é o Lucho Gatica; enquanto Sérgio Hingst interpreta o milionário e Lola Brah vive a mulher misteriosa.

Alberto Shatovsky

 

A exposição apressada de bossas, a caótica mistura de elementos dos gêneros mais diversos fazem da estréia de Rogério Sganzerla aquilo que ele provavelmente pretendia: um filme para épater. Sob esse prisma, O Bandido da Luz Vermelha foi bem sucedido. Uma lástima: pela amostra, Sganzerla tem qualidades que poderiam ter assegurado, logo no opus 1 um bom filme.

Já se disse que O Bandido da Luz Vermelha é um far-west e um far-west sobre o Terceiro Mundo. O diretor assim o definiu em entrevista e não faltaram críticos para encampar a idéia. Mas Sganzerla vai mais longe e declara que ‘é também musical, documentário, policial" (NR: faltou originalidade na definição de policial), comédia ou chanchada e ficção científica." no final surgem realmente alguns mini-discos voadores, sem tempo para alterar o panorama do jogo. Se algum crítico afirmar que O Bandido é ficção-científica, estaremos ante a conting6encia de mudar de profissão.

O Bandido da Luz Vermelha é um retrato do subdesenvolvimento (como pretende) na medida em que reflete em sua construção muitas vezes brilhante o desejo de ser tudo ao mesmo tempo, de fazer do mero desrespeito das regras de gramática a sintaxe do cinema (operação banal: elas existem para isso mesmo) uma demonstração de genialidade. O desrespeito das regras, transformando-se em obsessão, talvez não seja sintoma de complexo de inferioridade tropical, mas certamente indica uma forma inversa e equivalente de conformismo.

Hábil, sem dúvida, esse estreante, na pintura de uma seção do submundo paulistano, do cafajestismo alimentado pelos meios de comunicação de massa, do suburbanismo político que se pretende redenção dos humildes e filosofia de vida. Os elementos humorísticos são consideráveis: um caminho fértil para um novo com veleidades revolucionárias como Sganzerla. Com exceção do político (Pagano Sobrinho) e da pistoleira Janete jane (Helena In6es), os personagens se mostram toscos, inseguros no conjunto, mas sempre evidenciam alguns lampejos de veracidade. O 6exito incontestável do autor é a figura do político (reminiscências de Ademar, Zarur, Tenório, etc.) em torno do qual, nas proximidades do final, o filme consegue decolar. Admirável a atuação de Pagano Sobrinho.

Sem nenhum favor, o filme propiciou a atribuição de prêmios INC a Pagano Sobrinho, Helena In6es (marcante a sua breve aparição), Peter Overbeck (fotografia) e Sílvio Renoldi (montagem). Honrarias e adjetivos favoráveis, evidentemente, não podem chegar aos tripulantes deste ruidoso bólide sem atingir o construtor. Sganzerla sabe escolher música (partitura no cinema brasileiro não existe, nem é g6enero de primeira necessidade no cinema em geral), cortar-montar, espantar os atores do vício da pose ante a câmera e não peca por inverossimilhança nos diálogos.

Enfim, além de "épater" os que são sensíveis ao menor arranhão da gramática, O Bandido da Luz Vermelha é um curioso vestibular. Rogério Sganzerla dá a impressão de que não passa porque prefere a auréola de excedente.

Ely Azeredo

Diante de O Bandido da Luz Vermelha, o espectador médio não verá, certamente, mais que confusão e falta de ordem, apesar da estrutura musical bastante simples que serve de base para o filme. Em lugar da habitual história contada em imagens, em lugar do mocinho em luta com o bandido, o que existe é uma série de imagens montadas musicalmente, e um personagem central utilizado como elemento de ligação entre elas.

Em lugar da trilha sonora em sincronismo com a imagem, auxiliar imprescindível para a clareza da narração da história, ruídos, música e diálogos correm paralelamente ao filme, quase por fora da imagem, como se um programa de rádio fosse ouvido durante a projeção de um filme sem som. Todos os diversos componentes do som brasileiro dos últimos anos estão reunidos: boleros, macumbas, O Guarani, música de fundo de filmes americanos, choros, rock and roll, o baião, batucadas e a dicção afetada dos locutores de rádio. "O rádio brasileiro é outra tradição que não pode ser desconhecida – afirma Sganzerla – principalmente quando se tenta mergulhar nas origens e implicações do subdesenvolvimento." Um mergulho suicida nas origens e implicações do subdesenvolvimento: isto é exatamente o que O Bandido da Luz Vermelha se propõe a fazer.

A preocupação de Sganzerla é modificar o comportamento habitual de quem se coloca diante de uma tela de cinema, é quebrar as habituais relações frias entre ele e o filme. Para isto é bastante devolver ao espectador a imagem que ele deixou o entrar no cinema, é bastante recriar a ordem do seu mundo – ou mais exatamente a desordem de seu mundo subdesenvolvido. Por isto o filme age realmente como um bandido, isto é, agride a platéia. Em termos de cinema ele faz uma agressão semelhante àquela das encenações teatrais de José Celso, dos textos de Plínio Marcos ou José Vicente, da Tropicália de Caetano e Gil.

O pensmento médio do homem brasileiro da grande cidade está inteiro no Bandido. Mas está não nos personagens ou no argumento, e sim na própria estrutura do filme, irreverente, agressiva, descuidada, grosseira: "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Neste país o cara tem que ser grosso para ser forte. Vi isto naquele filme do Gringo. O cara era grosso e a platéia gostava." As afirmações do bandido são ao mesmo tempo um espelho do comportamento brasileiro da cidade, e a proposição do filme, sua posição diante do subdesenvolvimento. Rogério se vale do mau gosto das imagens populares, dos programas de rádio, da televisão, das chanchadas, de boa parte da música popular, dos filmes de Mojica Marins, como um elemento capaz de definir o terceiro mundo e adota – como um suicida – o pensamento do homem de mau gosto como seu, o melhor é avacalhar: "Fiz questão de filmar como habitualmente não se deve filmar, isto é, utilizando angulações preciosas e de mau gosto." A linguagem (o mau gosto) é mensagem, é uma reação diante de um terceiro mundo que "vai explodir, e quem estiver de sapato, não sobra", de um terceiro mundo separado do resto da Terra no século XX pela bomba e pela fome.

De modo radical O Bandido procura retratar o subdesenvolvimento colocando-se no lado de dentro. Não é simplesmente por acaso que o próprio diretor aparece duas vezes no filme (uma vez dentro de um cinema, outra vez num retrato quando criança), isto é, que se coloca entre "personagens que não são do mundo, mas do terceiro mundo", onde "para ser forte é preciso ser grosso". Sganzerla levou ao extremo a tendência de um considerável grupo de artistas brasileiros: tentar a caracterização e a solução do subdesenvolvimento de dentro, mergulhando com paixão entre as imagens e sons do gosto do homem médio, destorcido, mal formado, arremedo grosseiro do mundo que existe do outro lado da bomba e da fome. O maior perigo de O Bandido da Luz Vermelha corre ao lado de sua grande virtude. Ao se apoiar na idéia de que, quando não se pode fazer nada, a gente avacalha, O Bandido está a um passo de colaborar para a habitual reação passiva que ele se propõe a destruir. As características da subcultura do terceiro mundo servem como uma linguagem eficiente para denunciar o caos que se esconde por trás de falsas imagens organizadas, nas mãos de Sganzerla. Mas, em nenhum momento, ele conseguiu a partir delas formar uma linguagem suficientemente crítica para levar cada um de seus espectadores a ter um verdadeiro conhecimento de seu problema. A grossura que ele propõe é fundamentalmente suicida.

José Carlos Avellar



No princípio era a palavra. Agora, nesse mundo que se desfaz, é o revólver. O revólver, o primeiro argumento! O ódio pelo ódio, a violência pela violência. O caos. Nessa roda-viva macabra vive o herói de O Bandido da Luz Vermelha. O herói – misto de um James Bond ou de um Dom Quixote do Terceiro Mundo – seja anti-heróico, ou não, mofo, opaco, anarconiilista, é sempre um homem em busca de sua liberdade. Marginal, violento ou boçal, ele se lança à aventura do vale-tudo desafogando seus anseios de reivindicação de si mesmo na violência. "Meus personagens blefam. Mentem. Preferem saídas desesperadas a falarem suas verdades. Quando são sinceros, a ingenuidade os trai. São personagens simples e complexos, megalômanos e infantis – todos eles" – declara o diretor.

O Bandido não é um filme de tese. Seus personagens não dizem nada, "porque meu filme não diz isto ou aquilo; meu filme é debochado, presunçoso, nervoso, corrosivo ou cínico à Joseph Losey". Rogério pula constantemente do travelling godardiano aos efeitos acadêmicos, da orgia técnica ao dramalhão popularesco. "O cinema brasileiro é o cinema do risco, onde tudo é permitido." Filmando o óbvio, o perigo, o inusitado, a claridade & a escuridão com a mesma intensidade de quem rasga bandeiras à procura de novos caminhos, Rogério soubre criar uma nova linguagem cinematográfica; catártica, caótica, anarconiilista. Ele não teve pudor de fundir a 5Ş Sinfonia de Beethoven com "Asa Branca" de Luiz Gonzaga, ou de misturar os espaços exteriores do western com os interiores gastos da chanchada ou do policial classe B, o rádio, a TV, o jornal. "O novo cinema deverá ser imoral na forma, para ganhar coerência nas idéias." Mais do que nunca é preciso estar atento & forte ao pisar o asfalto, ver o sangue sobre o chão, pois a Boca do Lixo "não é símbolo, mas sintoma de uma realidade". Ela se estende pelos charcos e avenidas do Terceiro Mundo. Atentos & fortes, pois em cada esquina ou janela pode estar a doce amada ou o fuzil, o metal, a bala, o lixo, a fome; tudo. Maldito ou não, o filme está aí; adulto. E a nova linguagem de Rogério é muito mais importante e perigosa do que possa imaginar a Tradicional Família Cinematográfica Brasileira.

José Wolf

 

Ainda me lembro de três frases de uma carta confessional enviada a mim por Rogério Sganzerla, há uns três anos, quando ele, então crítico do Jornal da tarde, parecia desiludido com o spleen caboclo: "Quando eu começar, no meu primeiro longa-metragem, vai ser para arrasar"; "é preciso acabar com a moral de pelo menos metade do cinema brasileiro"; "a salvação está na grossura". De fato, seu primeiro filme não dissimula que foi feito para arrasar, nem de apontar, com ênfase, que a salvação para os tristes trópicos está na grossura. O Bandido da Luz Vermelha é um filme deliberadamente cafajeste, um diorama fantástico, um newsreel transreal, filtrado nos epos da marginalidade urbana e subdesenvolvida, na boca do lixo, sobre os restos da chanchada brasileira, do dramalhão mexicano, do musical portenho. O crítico Paulo Perdigão definiu, com justeza, esse pesadelo quatrocentão de Sganzerla: "uma obra pejorativa por auto-crítica e por excelência". Paulo Villaça é um gangster dos trópicos, forjado pela cultura lúmpen do bolero, do tango, do heroísmo sem veredas mitológicas do romantismo radionovelesco – suas roupas e seu meio ambiente refletem, sem eufemismo, a maneira de viver de um vilão do Terceiro Mundo, entre o desespero da miséria e o tropicalismo de um bas-fond onde o homem-lobo-do-homem ao nível mais baixo não é o herói privilegiado de uma mitologia sofisticada (como os gangsters americanos) mas um personagem de cabarés infectos e programas policiais acafajestados.

O Bandido da Luz Vermelha é um filme fragmentado, caótico, confuso em seu terço final, e muitos de seus achados desconcertam o público na medida em que a linguagem de Sganzerla faz da bizarria um parti-pris de inspiração mimética (movimentos insólitos de c6amera, angulações inesperadas, planos desfocados, ritmo frenético). O autor faz citações evidentes (nos primeiros 15 minutos, há três ou quatro planos extraídos de A Marca da Maldade; a morte do bandido é mais que uma homenagem a Pierrot le Fou) e sua selvageria tem em Samuel Fuller e Glauber Rocha (o de Terra em Transe) dois inegáveis pontos de referência. Apaixonante e sensacionalista como o próprio mundo que projeta pelo carretel do subdesenvolvimento tropicalista, O Bandido da Luz Vermelha tem a virtude de pecar pelo excesso de idéias; idéias essas que, num próximo filme, Sganzerla certamente deverá estruturar com mais maturidade, porém sem abrir mão de seu ímpeto juvenil e (necessariamente) insolente.

Sérgio Augusto

"Imaginação e vivência, realidade e ficção: mistério, evidência, simplicidade, a complexidade crescente." Em um artigo publicado no Jornal do Brasil ("Ver ou não ver"), Rogério Sganzerla definia sua visão do cinema, a partir de alguns cineastas.

Dois anos depois, Rogério Sganzerla, com uma alta carga de munição, despeja sua teoria que é também sua imaginação e vivência, a realidade e ficção: o mistério, a evidência, a simplicidade, a complexidade crescente – O Bandido da Luz Vermelha.

Um bandido, como tantos outros, gerado, como tantos outros, pelo meio social (sim, como tantos outros), o que separa O Bandido da Luz Vermelha de qualquer filme dirigido e/ou produzido por Jece Valadão é exatamente a imaginação e vivência, realidade e ficção, o mistério, a evidência, a simplicidade, a complexidade crescente.

A imagem de S. Jorge Guerreiro, um retrato de Jerry Adriani, a dúvida do bandido diante da grafia de cabeça e depois a certeza (cabessa) – eis a evidência; os letreiros do filme que passam em um anúncio luminoso, o líder popularesco e demagógico, a prostituta (e o homossexual) escrachados – eis a simplicidade; o bandido mata – e mata muito – mas gama por Janete Jane, a prostituta de letreiro na testa, e a ama muito – eis a complexidade crescente. Uma São Paulo livre de problemas existenciais (ver Walter Hugo Khouri) ou liberada de sua burguesia industrial (ver Luís Sérgio Person, Maurice Capovilla), agora uma cidade que respira, e provavelmente transpira – eis a vivência.

Escapando às limitações paulistas – o não ter o que fazer foi tema de seu curto Documentário – do mundo perdido entre o trabalho, a casa e o bar, Rogério realiza um filme essencialmente brasileiro, na realidade, o primeiro a ser rodado no solo quatrocentão nos últimos 20 anos. Um filme sobre a cidade grande, obviamente marginalizada, em sua complexidade crescente, O bandido reflete, por via direta, o desespero, o desengano – não capitalizados (ver charges de Lan série Cagliostro) – do homem médio: "quando a gente não pode fazer nada, a gente se avacalha".

– O terceiro mundo vai explodir. Quem tiver sapato não sobra: o grito apocalíptico, soma de um filme também apocalíptico, de uma situação à beira do apocalipse (ver discurso do Nixon). O Bandido da Luz Vermelha observa, reflete, de uma forma pessoal, embora seu próprio autor (ex-crítico), fazendo a crítica de si mesmo, incorra em citações subjetivas de outros diretores.

Uma situação na tela. A medida de sua transposição à tela tem, sempre, separado os artesãos dos diretores (ou realizadores) – uns poucos se jogam nesta tarefa, outros enquadram-na. O Bandido da Luz Vermelha é um destes momentos no cinema brasileiro – como Cara a Cara, de Júlio Bressane, O Desafio, de Paulo César Saraceni, a obra de Glauber Rocha – em que seu realizador oferece ao espectador a oportunidade de encontrar o que normalmente não deseja – a reflexão sobre sua situação, a situação em que vive. Com sua trilha sonora atonal, seu cafonismo tropical, agressividade barulhenta, romantismo cafajeste, O Bandido da Luz Vermelha coloca São Paulo no mapa deste colosso varonil.

Wilson Cunha