Parte 1: Globo Filmes e a "volta" do público, democratização e padronização

Ruy Gardnier – Acho que não dá para começar a falar do cinema brasileiro hoje, dia 10 de janeiro, sem mencionar o acontecido ontem: o cinema brasileiro perdeu aquele que talvez seja seu maior cineasta dos últimos anos, Rogério Sganzerla. Obviamente é um choque, ainda mais porque ele está com um filme para estrear. E é curioso porque, se a gente tentar observar o ano de 2003 no cinema brasileiro pelos filmes que passaram nos festivais, ao invés de por aqueles que entraram em cartaz, são anos completamente diferentes. De um lado nós temos um ano que passou um pouco entre parênteses, onde não houve unanimidades, e acho difícil que das nove pessoas aqui reunidas se consiga fazer com que três citem os mesmos filmes como destaques do ano, entre os lançados comercialmente. De outro lado, nos festivais tivemos alguns filmes que vão ser lembrados muito mais fortemente, como o próprio Signo do Caos, do Sganzerla; O Prisioneiro da Grade de Ferro, do Paulo Sacramento; Filme de Amor, do Bressane.

Eduardo Valente – Além dos que ainda nem foram exibidos fora de seus festivais de estréia, como o Garotas do ABC, do Carlos Reichenbach ou o Harmada do Maurice Capovilla...

RG – E para fechar este registro daquilo que perdemos em 2003, há que se mencionar Jairo Ferreira, realizador e crítico; e Waly Salomão, ator em Gregório de Mattos e que tem contribuições várias ao cinema brasileiro, apesar de laterais, desde os anos 60.

Daniel Caetano – Passado este obituário, importante de anotar, o tema central do qual a gente não vai fugir é o do grande público e a Globo Filmes.

RG – Quando se fala em 2003, o que vem não é uma palavra, não é nenhuma expressão, é um número: 22 – que foi a porcentagem de público conseguido pelo cinema brasileiro no ano.

DC – Que é também o número do maluco, o 22...

RG – Pois é, e eu acho isso sintomático, porque todo mundo que é produtor pequeno e quer entrar na crista da onda e correr atrás de investidores vai se escorar neste número, enquanto sabemos que é um número bastante capcioso. Porque ele não quer dizer muita coisa para o que o cinema brasileiro foi. Dos em torno de 30 filmes lançados no ano, em torno de 20% são os que a Globo Filmes esteve envolvida de alguma forma no lançamento. Então, eu acho que quando mais de 2/3 da produção não é responsável por nem 10% da renda, é um dado importante para começarmos a relativizar esta história do sucesso do cinema brasileiro com o público em 2003.

DC – Eu queria retomar algo que eu falei no ano passado, que se referia ao fato de que eu acho que, já que o Estado brasileiro banca os filmes, ele devia ter direito a exibi-los na TV aberta. E é engraçado porque até isso foi um pouco privatizado, porque agora existe essa abertura para a Globo Filmes trabalhar como divulgadora ou distribuidora, e depois os filmes são exibidos na Globo, né? É engraçado este tipo de privatização cultural, em que de certa forma se "acochambra" a questão da exibição de uma parte da produção do cinema nacional na TV. A Globo patrocina seus filmes via Lei Rouanet ou Audiovisual, e depois os exibe lucrando também com o faturamento na TV...

RG – Só é importante dizer que a Globo também entra na distribuição de filmes que não foram produzidos por ela, ou que não foram projetos criados dentro dela, como o Carandiru, O Homem que Copiava...

Gilberto Silva – Mas ela só se associa com a bola certa...

EV – Mas até aí não tem nada de estranho, sendo uma empresa privada. Eu acho que ela se associar aos filmes que ache que vão ser sucesso não tem nada de errado, embora eu ache que tem aí uma discussão interessante ainda sobre quais desses filmes fizeram de fato sucesso e quais não. Onde a coisa fica estranha é quando este "sucesso industrial" que se tenta vender, inclusive nos seus próprios meios de comunicação (jornal, revista, TV), ainda é patrocinado pelo Estado, que banca este sucesso – onde sempre o último logotipo que aparece antes do filme é o da BR. Começa com a major distribuidora internacional (Fox, Warner, Columbia), aí tem a Globo Filmes, tem a produtora que fez o filme, e aí aparece o da BR junto. Então, se o resto não me parece estranho, isso já sim. Outra coisa que, se não é estranha, é bastante triste, é que o fato desses filmes com este apoio fazerem sucesso é normal, mas é preciso notar que não há a chance dos filmes que não têm este apoio terem o mesmo tipo de resultado. Há um limite claro de público que você consegue atingir sem este tipo de lançamento, de divulgação do esquema atual da Globo – na casa dos 150 mil espectadores, isso na exceção da exceção, dos enormemente bem-sucedidos, como Madame Satã, Amarelo Manga e outros exemplos louváveis. Então, você fica dividido, num ponto que eu também levantei no ano passado, entre os filmes enormes e os filmes mínimos, não há espaço para o filme de médio público. Os filmes médios deste ano foram os fracassos da Globo Filmes – se Acquaria ou Casseta e Planeta vão fechar com 700 mil espectadores é mais por falha dos projetos de lançamento deles do que por terem sido planejados para isso. O único caso aí que eu acho interessante e sintomático é o do Homem que Copiava, que era sim um filme da Globo Filmes, mas que tanto no tamanho do lançamento como no tipo de trabalho que o filme propõe – seja com público, seja com proposta de cinema – ele foi um filme que fez um público que talvez tenha sido até maior do que se esperava, mas foi o único caso autêntico de filme médio em 2003. Esse médio que eu digo, hoje, é algo em torno de 200 mil e 800 mil espectadores. O filme do Furtado foi o único neste ano que me parece que foi parar ali porque o que ele tentava era mesmo chegar naquele número – os outros são os fracassos da Globo Filmes, e não tem mais nenhum de fora deste espectro. Isso para mim é, então, o que eu acho estranho, não a Globo fazer filmes dos programas dela nem escolher os filmes "bola certa". Me assusta, isso sim, a relação do Estado com esses filmes, altamente escamoteada pela própria Globo, e o fato de que se está criando claramente duas divisões de lançamento de filmes brasileiros. E nesta sobram filmes de apelo popular que a Globo não quer lançar – e estes, se a Globo não se interessa, sabem que não vão fazer mais do que 50, 100 mil espectadores, com sorte.

Cléber Eduardo – Eu queria fazer mais uma colocação: não dá pra se discutir a questão da Globo Filmes só nela. Porque toda a operação da Globo no cinema é absolutamente legal, ela faz parte do que as leis permitem que ela faça – ela não está fazendo nada de errado. Então, na verdade, o problema da Globo Filmes é um problema do Estado – de se criar uma legislação, que eu não sei qual é, e que provavelmente a própria classe cinematográfica também não sabe qual é, para que não haja esta concentração e este monopólio de público. O que me parece é que todo mundo quer fazer parte da Globo Filmes.

RG – Este monopólio não teria nada de errado se fosse uma conquista pura da empresa – só que ele é feito com intervenção de patrocínio estatal, com dinheiro público...

Felipe Bragança – Dinheiro e espaço de mídia também – há que se lembrar que a televisão é uma concessão pública, e parte essencial deste sucesso é a divulgação dos filmes na TV, não somente com propaganda como também ao longo da grade de programação, com inserção de elenco do filme em entrevistas, questões dos filmes em programas ficcionais, menções a eles, reportagens nos jornalísticos de temas semelhantes... Isso é arrendamento do monopólio audiovisual. Você tem um espaço de mídia, construído a partir de concessão pública, e vai emprestar este espaço para aqueles filmes que te interessam porque com eles você vai criar um retorno. Isso é arrendamento, como você faz com terra se você tem grande quantidade dela.

DC – E voltando ao que o Eduardo falou, especificamente do Homem que Copiava, você vê que é um filme que a Globo apenas apoiou, não é um filme da Globo, e você vê que ele fez 4 milhões e 600 mil reais de bilheteria no Brasil, aproximadamente. Quer dizer, visto simplesmente como investimento financeiro, ele pode dar dinheiro...

EV – Mas este número que você mencionou é renda total, tem aí a parte do exibidor, do distribuidor...

DC – É verdade, mas não está computado também aí vendas externas, para TV, etc. O que eu quero dizer é que um filme que tem uma divulgação boa, mesmo não sendo da grade de programação da TV que já tem este contato prévio com o público, ele pode entrar no mercado sim, desde que ele tenha esta certa inserção. Ele se sustenta da forma como a Lei do Audiovisual se propunha a ser (e parece que esqueceu), ou seja, possibilitar ao investidor ver que o seu investimento dá retorno e, a partir daí, fazer novos filmes sem precisar usar a Lei, que é um incentivo cultural.

CE – Mas eu não sei se, nessa matemática, se você abolir que o investimento de risco é quase nenhum, porque é feito com dinheiro público, se você vir isso com "dinheiro bom", eu não acho que dê retorno assim de um jeito tão simples.

DC – OK. Mas o primeiro ajuste necessário numa Lei como essa seria que o retorno financeiro que o sujeito consegue devesse ser obrigatoriamente voltado para uma nova produção - ou então que retornasse de outra forma. Eu admiro muito o Carandiru, e gosto muito do Hector Babenco, mas tá aqui na tabela – 29 milhões de reais de bilheteria. Depois desse lucro, os patrocinadores vão precisar entrar na Lei de novo pra investir em outro filme, ou o que voltar disso tudo vai ser reinvestido? Porque seria simples: se tal patrocinadora ou tal investidor tiveram tal retorno, eles devem reinvestir em produção, ou então não podem mais captar valores com as Leis de incentivo.

CE – Mas, de qualquer forma, eu volto a ressaltar, isso é tudo uma questão de Estado a ser discutida.

DC – Exato, e a Globo Filmes merece sim parabéns – era um sonho da classe cinematográfica que as TVs conseguissem se envolver com o cinema de forma a dinamizar a idéia da indústria. Mas deveriam se sustentar independentes do Estado. Não conseguem, mas sem dúvida é louvável o que acontece hoje - perto do que era a relação da Globo com o cinema brasileiro, por exemplo, nos anos 80. O ideal é que houvesse várias fontes deste tipo de investimento e essa coisa toda fosse democratizada – e inclusive que fosse utilizado pelo Estado a Rede Brasil. Não cabe de fato ficar culpando a Globo.

CE – E, nessa questão do filme médio, realmente nestes últimos dez anos isso tem sido recorrente. O que se alterou foi o patamar do que se considera o filme médio, que, se era de 100 a 300 mil espectadores, deu uma subida para pouco abaixo de um milhão. Porque os grandes sucessos antes estavam na casa do milhão, milhão e duzentos, e quando você quebra a barreira dos 3, 4 milhões, tudo é ampliado também. Mas é o miolo que é o grande problema nessa retomada, né?...

DC – E a gente falou do Homem que Copiava, mas o Amarelo Manga também merece este louvor, porque custou em torno de 800 mil e teve uma renda bruta em torno de 700 e tantos mil – então ele está razoavelmente equacionado, num outro patamar. E é um filme feito com a cara que seu diretor quis, sem concessões, e se prova bastante viável.

RG – É verdade que diante de trinta e pouco filmes você só deu dois exemplos...

DC – Mas o que eu quero dizer é que o mercado possibilita luzes, caminhos que podem ser seguidos – não estamos num momento em que ninguém sabe o que fazer. A questão é de Estado sim, mas também o Estado não está absolutamente perdido. Ele pode estar com dificuldades para iniciar seus movimentos, mas é importante se destacar que vemos aí alguns caminhos sim a se seguir.

CE – Só terminando o que eu queria falar sobre o filme médio, mesmo com esse recente aumento da cota de tela, ele continuará sendo marginalizado. Esta propaganda eufórica da cota de tela ampliada me parece jogar para a torcida, porque essa cota vai ser totalmente cumprida com os filmes da Globo Filmes. Na prática, estes filmes que vão ser utilizados pelos exibidores para cumprir a cota, eles não precisavam da cota – eles ficam dois meses em cartaz. E nem estão tirando espaço do grande filme estrangeiro, e sim do filme médio brasileiro e dos estrangeiros de pequeno porte. E o que eu não entendo na legislação da cota de tela, se ela se justifica como uma reserva, é que ela não se assuma como tal de forma radical. Não há nada nela que proíba que o cara exiba um único filme durante 61 dias de cota. Afinal, se é para existir reserva de cota de tela, há que se ver para quem você está fazendo esta reserva – senão você está reservando para quem não precisa.

EV – Agora, o que eu também acho interessante se discutir neste assunto da Globo Filmes é que se fala muito nesta prática deles de rapaginar um produto deles, da TV, e transformar em filme. O que também me parece absolutamente normal, nada de errado nisso em nenhum tipo de aspecto...

DC – Talvez esteticamente...

EV – Talvez esteticamente, é verdade. Agora, se você for olhar na média dos filmes, não é nem a maioria dos filmes que eles lançam. Para cada Normais, Casseta e Planeta ou filme da Xuxa, tem um Acquaria, um Carandiru, um Homem que Copiava, um Sexo, Amor e Traição, um Deus é Brasileiro. Então, na operação da Globo de tirar o que quer que seja que eles querem tirar do cinema brasileiro (porque segundo os depoimentos deles não é dinheiro, porque a operação da Globo Filmes não daria dinheiro), isso não vem só deste caminho. Agora, que venha também deste caminho, eu acho absolutamente normal, sem nenhum trocadilho com o seriado. Afinal, no mundo inteiro se faz isso na seara do cinema comercial industrial – a todo momento tem um filme baseado numa série de sucesso da TV, ou num desenho animado, ou algum tipo deste de adaptação. Num sistema que se queira comercial, isso é muito normal.

DC – E é de uma variedade super saudável...

EV – Cara, não sei se é saudável, não vou julgar isso, mas não tem nada de estranho, isso é certo, nem de amoral. Podemos parar para discutir se é triste ou não você adaptar para um meio que chega a 3 milhões de pessoas algo que já é visto por 50 milhões – qual seria o motivo disto...

RG – Movimenta a economia, ué...

EV – OK, mas isso eu continuo achando mais estranho do que errado.

DC – Você tem um produto pra divulgar, se quiser vender para fora, já tem um piloto.

Luiz Alberto – Tinha que ter o Ratinho, isso sim... (risos) Ele queria ser o Mazzaropi do ano 2000, parece que ele falou isso.

GS – Ratinho, Monique Evans...

CE – E parece que o MinC está trabalhando neste sentido, de abrir uma negociação com as outras emissoras. Só que a questão é: quem são as outras emissoras? A CNT/Gazeta vai entrar na produção do cinema? Eles não conseguem criar nem uma grade própria na TV.

FB – Os principais programas deles são independentes...

LA – Porque a única coisa que eu acho esquisito é isso: fica padronizado. Por mais que a discussão estética não seja o que está em pauta, é inegável que padroniza. E aí me parece que a gente dá um salto sem ter resolvido várias outras coisas...

EV – Padronizado e monopolizado, porque fica a cargo do mesmo centro nervoso de três ou quatro pessoas reunidas decidindo o que você assiste na TV, o que você ouve no rádio, o que você lê no jornal e o que você assiste no cinema. Não é nada saudável, socialmente falando, para ninguém que isso aconteça. Agora, neste sentido é que eu acho importante ressaltar que a Globo tem pego uma cacetada (mais um trocadilho!) de filmes que não foi ela quem produziu – embora isso tenho vários motivos para acontecer que são muito mais ligados ao business do que a uma crença na democracia audiovisual.

LA – Uma cassetada de filmes normais! (risos)

EV – Ela pega um Acquaria, um Lisbela...

DC – Sandy e Junior, Guel Arraes, são todas ligações profissionais que ela já tem.

LA – Este Sexo, Amor e Traição, ele podia ter sido dirigido por qualquer um, Daniel Filho...

FB – Ia ser dirigido pelo Daniel Filho.

LA – Mas o que eu quero dizer é que ele vai e coloca "um filme de Jorge Fernando". O que justifica isso no filme, além de no último plano você ouvir a voz dele dizendo "Corta!"? Mas podia ser um filme de qualquer um, sei lá, Boninho... É um filme da "Globo Filmes" e pronto.

FB – É o tipo de coisa que a gente nem tem muito no Brasil que é o filme de produtor. Este é um filme de Daniel Filho, ele ia dirigir o filme, desistiu em cima da hora e aí disse "você vai dirigir o filme"...

CE – Eu quero aqui fazer um recorte que vai um pouco no contrafluxo dessa idéia da padronização. Eu não tenho nenhum pensamento fechado sobre isso, mas eu queria levantar uma bola. Primeiro, eu acho que a Globo Filmes não faz o mesmo tipo de produto. Dizer que Sandy e Junior é Globo, ok, mas Acquaria não é o mesmo filme que Sexo, Amor e Traição.

DC – Mas o programa da Sandy e Junior não é igual à novela das oito, também... O que eu digo é que todos são da mesma relação profissional...

CE – Mas agora eu estou saindo um pouco da questão do sistema de produção e entrando na parte estética. A cartela de programação da Globo é diversificada, ela não exibe o mesmo tipo de produto o tempo inteiro. E eu acho, inclusive, que a Globo busca uma renovação muito maior que o cinema brasileiro busca, porque ele fica meio às vezes girando em torno de si mesmo. A Globo aponta para onde o público está indo, e o público não é sempre o mesmo.

LA – Mas no cinema brasileiro nós temos este mesmo papo de "diversidade", quer dizer, eu acho que isso que você está destacando está presente em vários sistemas de produção menores que o da Globo. Não vejo nenhuma novidade nisso na Globo...

CE – Não é uma questão de novidade...

EV – É que muitas vezes a Globo é acusada de fazer o contrário.

RG – Mas é o mesmo argumento quanto à "indústria cultural", quando se diz que ela está sempre fazendo a mesma coisa, massificada, quando de fato ela é muito mais diversificada, para públicos diversos e com mecanismos diversos...

CE – O que me parece é que, se a questão girar em torno deste problema da padronização, escamoteia-se uma outra, que é a tremenda caretice de uma série de filmes feitos fora da Globo. Acho que se você ficar demonizando o que vem da Globo como a esterilização da estética cinematográfica a gente deixa de ver a esterilização fora da produção de lá. A gente pega um Alegres Comadres e aquilo para mim é mais careta do que qualquer coisa jamais feita pela Globo Filmes.

RG – E você pega um filme como Lisbela e o Prisioneiro, claro que ele trata de uma série de temas dos quais o Guel Arraes já tratava na televisão, com coisas da estética televisiva, mas ele vai muito mais longe com o material primário dele do que Nelson Freire, para pegar um filme bom, vai em relação ao cinema direto americano, por exemplo. Mas se você pega um Paulinho da Viola, um Seja o que Deus Quiser, certamente Lisbela e o Prisioneiro é muito mais arrojado e muito menos normatizado do que esses filmes. Acho que banal é o discurso da banalização e não a banalização em si.

CE – E eu coloco isso porque acho que, em termos de sistema de produção, tem que se reavaliar muita coisa. Agora, tem que se ver certas sutilezas ao se discutir os filmes. Que não me apetecem boa parte dos filmes de lá, OK, mas o que eu vejo de fora da Globo não me parece muito diferente.

LA – E inclusive, Cléber, essa discussão toda em torno da Globo faz lembrar muito, da forma como ela é feita, a da época da chanchada. Se dizia "chanchada é uma merda, só pega os radioatores da Rádio Nacional, bota em frente de uma câmera, número musical e vende!"... E era uma coisa detratada.

CE – Como se a chanchada fosse uma mesma chanchada sempre, né?...

LA – Exatamente, e hoje a gente vê que não é. E quando o Eduardo fala que acha normal que se pegue coisas da TV, realmente, eu acho que é o caminho natural.

FB – Mas a gente não estava discutindo que os filmes eram todos iguais, e sim que o dispositivo era sempre igual: a idéia de adaptar um produto da TV e levá-lo ao cinema. E apontando como o retorno de público e de mídia que os filmes têm está relacionado com o trabalho de público já feito, plantado ao longo de anos na TV.

DC – E, Cléber, eu acho que esteticamente a gente tem plena noção de que os filmes são muito diversos, a gente estava discutindo mesmo era o sistema de produção. Até porque, olhando pelas brechas da Lei, a gente fica até surpreso como é que tem algumas pontas que não se juntam... O Felipe publicou recentemente uma nota na revista sobre os cinemas comprados por igrejas estarem virando cinemas de fato para se beneficiarem; A Globo Filmes se beneficia do canal que divulga seus produtos; e os bispos têm canais – e não custa notar que o filme religioso do ano, Maria, fez dois milhões e trezentos mil espectadores. Quer dizer, então agora quem tem cinema, canal de TV e um público cativo vai poder se associar na Lei do Audiovisual da mesma maneira?... Agora, que os filmes de lá são diversificados no momento a gente sabe. E eu acho que isso inclusive não vem só de ser uma administração da empresa saudável, e sim também do fato que a Globo Filmes não é uma empresa que tem tanto dinheiro para investir no momento. É um empreendimento no qual as Organizações Globo estão indo devagar. Primeiro começando com a propaganda no vídeo, divulgando seus filmes, agora se associando e criando elos com algumas produtoras...

Parte 2: Carandiru: o fenômeno e o filme

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