Parte 3: O fenômeno do ano: Cidade de Deus, Cidade dos Homens


Eduardo - Vamos passar então para a discussão dos filmes em si, como sempre fazemos, e acho que não dá para escapar de, assim como foi com o Lavoura Arcaica no ano passado, começar pelo Cidade de Deus.

Ruy - Bom, eu não escrevi nenhum texto específico sobre o filme, mas mencionei ele em algumas ocasiões. Uma delas foi um depoimento para a Ana Paula Sousa da Carta Capital, outra foi no texto Miramax or die, mas eu acho que a coisa mais decisiva do filme, e é onde ele vacila (na dupla acepção que essa palavra pode ter, ou seja, fazer errado e não saber exatamente aonde vai), é que ele precisa incorporar o espectador dentro daquilo que ele vê, ou seja, ele faz um personagem que é um artista, o Buscapé, que faz com que a gente entre no filme, mas ao mesmo tempo a própria maneira como a câmera se movimenta lá dentro é uma espécie de tour, de turismo cinematográfico, e isso limita toda a possibilidade do filme. Faz com que o filme possa ser aceito pelo público que foi ver, a classe média que foi ver, é "entertainment" para esse público, faz com que ele se sinta distanciado a tal ponto que ele possa curtir uma chacina e depois uma piada. E o fato de que essas duas coisas possam se equivaler é um pouco perverso, eu me senti muito incomodado com isso das duas vezes em que assisti o filme. Mas eu acho que o filme vacila entre um outro. De uma parte, ele não seria o sucesso que é, e o filme bastante importante e relevante até esteticamente, pelo menos para mim, se não tivesse a figura do Buscapé fazendo o público interagir, cogitando a possibilidade de poder estar ali dentro daquilo, vivo. Mas ao mesmo tempo ele cria essa disjunção entre cinema e realidade que me parece muito problemática e tanto o é que a própria Cidade de Deus não se reconhece, se vê tipificada, e enfim, criou um problema com aquilo - a Cidade de Deus que aparece no filme é uma Cidade de Deus espetacular, tipificada do ponto de vista da criminalidade...

Eduardo - Eu acho que o filme, na transposição do livro para a tela, ele tem um problema intrínseco que eu acho que foi pouco discutido, mas pra mim é essencial: ele assume uma primeira pessoa testemunhal daquele processo nos dois produtos - no livro e no filme. Só que no livro ele é de fato um processo testemunhal do autor da obra (Paulo Lins) como testemunha dos fatos. No filme, ele escamoteia o fato de que a voz do Buscapé, como em toda voz over, independente de ser de um personagem-artista ou não (embora isso só deixe ainda mais às claras essa questão pelo fotógrafo ter um paralelo claro com a figura do cineasta), estabelece uma relação de primeira pessoa do cineasta com o seu objeto, e essa voz é de um cara que está completamente retirado daquele processo, seja ele histórico ou sociológico, por mais pesquisa que ele tenha ou não feito. Então, o principal problema para mim do filme é esse: ele assume um ponto de vista interno que ele de fato não tem. Para mim essa transposição do autor das duas obras (do Paulo Lins para o Meirelles) é essencial nisso. Eu não sei discutir o filme como fenômeno de público, como ele poderia ter feito mais espectadores, ou por outro lado morrido na bilheteria, porque eu realmente não entendo essas coisas muito bem. Mas, como filme, como projeto de coerência interna, me interessaria mais que ele assumisse o que ele de fato tem de "turístico", não no sentido estético que tornasse ele um filme menor, mas no próprio foco narrativo, porque ele escamoteia o fato de ser feito por alguém que, de fato, não pertence àquele ambiente e não o compreende em sua totalidade, ou melhor, ninguém compreende, mas pelo menos estaria inserido ali.

Felipe - E as duas opções seriam interessantes: se você traçar um caminho que fosse para o lado de uma análise um pouco mais voltada para essa lado do "turismo" ou de uma observação mais tipificada, isso pode ser interessante. A questão é que o filme trabalha numa modulação entre isso e uma dramaturgia em torno daquele personagem. A aposta de fato no personagem do Buscapé também poderia fazer um filme muito interessante. Só que o filme fica nessa modulação, e ela fica muito clara no detalhe: porque numa cena ele está interessado na menininha da Zona Sul que chega ali, e na outra ele está em "off" dizendo: "Em 1960 e tal...". O filme não estabeleceu a sintonia onde quer chegar. Ele queria ao mesmo tempo explicar aquilo tudo numa análise tipificada de ordem sociológica, e ao mesmo tempo trabalhar dentro de um anedotário de situações.

Eduardo - E a discussão que o filme criou, eu acho que foi muito mal levada de uma forma geral pelos seus defensores e pelo seus detratores porque, num velho hábito de crítica, o qual aliás eu defendo sob alguns aspectos, os defensores fizeram questão de apagar os pontos claramente falhos do filme para ganhar uma discussão em torno do filme ser essencial, enquanto os detratores também quiseram apagar os vários pontos positivos do filme de uma forma absolutamente falsa, que permitiu inclusive que o Meirelles pudesse defender o filme dele com um discurso de que o filme dele não pretende ser um discurso sociológico ou um mapa de explicações daquela situação. Mas, se não é, ou não pretende ser - o que é uma mentira, basta ver o filme – para que uma estrutura que passa por anos 60, anos 70, anos 80, estabelecer uma narrativa muito maior que a dos personagens?

Daniel - Por que o filme se chamaria Cidade de Deus e não Buscapé, em suma?

Gilberto - Agora eu entro na questão da temporalidade, o Eduardo tocou na questão de que o filme começa nos anos 60 e vai até o início dos anos 80, época em que o Brasil estava imerso numa ditadura, e não há uma citação sobre a situação política do Brasil no decorrer do filme. O que é fundamental para a situação que estavam vivendo aqueles personagens ali.

Cléber - E, mais do que isso, numa época em que essa ditadura vendia sua propaganda de milagre econômico, onde os índices do Brasil eram todos positivos e a favela estava ali crescendo.

Gilberto - E eu não acho que o filme precisava entrar a fundo na questão política do Brasil, mas eles localizam tudo tão bem em termos de costumes de época, e não falam nada em termos de situação política. Eu acho que é uma coisa que deveria, mesmo delicadamente, ser introduzida no filme.

Felipe - Isso acontece por causa dessa disjunção entre os discursos: entre o personagem e a análise histórica. Ele vai até um certo ponto de análise sociológica, mas pára. E onde é que ele para? Na relação geográfica, e na relevância que torna os personagens importantes, que é sempre a relação com o tráfico. Isso que é muito complicado, porque o ponto de vista pessoal do personagem ao contar aquilo, a relevância dos personagens, é a relação com o tráfico. Personagens que se desligam se desassociam da história, existem, mas estão fora da história. Então o filme entra numa sintonia de análise sociológica, mas interrompe num espaço que ele considera relevante, que é aquele espaço geográfico ligado ao tráfico. Cria essa coisa de circo de horrores, que é complicado. Você não pode dar um passo e ter medo de dar o outro.

Eduardo - E essa é a grande limitação do filme e é, acima de tudo, o ponto onde o Meirelles incorporou um discurso que foi dado a ele pelos defensores do filme e que é bobo. Bobo inclusive para ele porque diminui o esforço dele, inclusive em tudo que ele atinge de positivo, que é ele querer desvincular o entretenimento do que seja cinema da possibilidade de se fazer uma reflexão sobre uma situação. Ele se esconder atrás de um escudo de que ele "só fez um filme" é uma bobagem que ele tirou dos seus defensores midiáticos que diziam que não se devia exigir do filme mais do que ser apenas um filme.

Daniel - E é a defesa mais idiota possível, dizer que um filme é apenas produto de si e acabou, aquilo lá não nos diz nada sobre a vida. Mas, então porque se chama Cidade de Deus, porque faz analogia com coisas que existem hoje em dia, com pessoas, porque ele coloca datas? É óbvio que o filme é muito mais do que um filme.

Cléber - Na verdade o que eu acho mais curioso é que o Meirelles muda o discurso de acordo conforme as circunstâncias. No Festival de Cannes, quando todo mundo foi em cima questionando as opções estéticas do filme, ele disse que a forma não interessava, que o que importava era aquele conteúdo que estava sendo revelado ao Brasil. Depois ele muda o discurso...

Felipe - O que é exatamente o filme: numa seqüência ele fala isso, na outra ele fala aquilo...

Daniel - O genial talvez do Cidade de Deus é como a realidade se impõe e se torna rica no cinema: o cara quis mostrar uma certa realidade, mesmo que em determinado momento ele resolva dizer que é só um filme. Para isso ele chamou uma série de atores que têm conhecimento dessa realidade, chamou uma série de profissionais que lidam com essa realidade, para isso ele pegou um livro que retratava essa realidade. De certa forma, por mais que haja uma certa "tarantinização" que nos faça ver isso tudo como se fosse uma grande piada maneira, a classe média brasileira se viu obrigada a discutir exclusão social e tráfico como o cinema brasileiro nunca fizera. De uma certa maneira o filme é muito maior que seu próprio discurso e infinitamente maior que o discurso do autor sobre ele. Porque a relação do filme é do filme com quem olha. E as pessoas olham o filme de uma maneira que não interessa o que o Meirelles diga ou não. Quer dizer, elas não saem dizendo "pô, que filme maneiro...", elas dizem "pô, que filme maneiro, e essa galera é do mal..." e muda o olhar sobre o traficante. Tipifica e fere uma série de conceitos éticos que fodem com o filme por causa disso, mas inegavelmente ele trabalha na vida das pessoas de uma forma impressionante, que não se deve ao Meirelles ou a Kátia Lund apenas, se deve ao fato de que era um filme que buscou de uma certa forma se ligar à realidade. E quando um filme se liga à realidade, a realidade é muito maior do que o filme, ela vai invadir, vai tomar conta.

Cléber - Eu discordo um pouco, Daniel. Eu acho que se o filme tivesse outras características ele não teria falado alto às pessoas assim, elas não estariam debatendo. Eu acho que essa coisa de "o filme é maneiro, o filme é muito bem feito, o filme é espertíssimo...", eu ouvi como comentário principal antes de qualquer discussão sobre o que o filme mostra. As opções estéticas determinam muito o que o filme virou.

Eduardo - Mas o que eu acho legal é que, mais do que opção estética, que por ser excessiva dominou o debate, o que me interessa mais no Meirelles nesse filme como cineasta é a capacidade de estruturação e contato com o público na questão narrativa. Eu acho que o filme, para a quantidade de coisas que ele coloca em movimento ao mesmo tempo, ele tem uma clareza e uma capacidade de grudar com o público que é muito positiva e muito rara seja com que cineasta for.

Ruy - Se você vê o Domésticas, não existiam personagens. É um circo de horrores, um zoológico, no qual você entra e vê a nordestina do Ceará, a de Sergipe, enfim... Nesse não, você tem pelo menos dois personagens que colam com o espectador e dois personagens outros que colam também. Você tem o Buscapé e pelo menos o Bené, que é o bandido gente boa. Ele não é o Buscapé, ele é um traficante de verdade. Quando no cinema brasileiro você consegue fazer com que um sujeito de classe média se insira no papel de um traficante, consiga olhar o mundo, mesmo tipificante, por um cara que está lá e por estar naquela situação se incorporou a ela, eu acho que já temos um chapéu a tirar pro Meirelles e pro filme.

Felipe - Mas eu acho que o filme cai num erro de análise sociológica: ele cria um espaço a ser observado muito externamente, um espaço a ser curado. Esse é o tipo de observação de cotidiano muito pobre porque ele se isola. Cai um pouco nesse discurso de que o Bené é o cara gente boa, mas como está ferrado virou traficante...

Eduardo - Mas nesse ponto eu acho que o filme é um bom retrato, talvez não do que ele retrata, mas certamente do meio em que ele é produzido. Eu acho que a visão que ele mostra é a que a maior parte das pessoas de classe média possui sobre esse ambiente. Acho que seria pedia demais que o Meirelles ultrapasse esse que é um impedimento a priori, porque não é nem impedimento cinematográfico, e sim de pessoa. Eu acho interessante como sintoma.

Junior - Nesse sentido eu acho que foi até honesto da parte dele, por exemplo, os usos da teleobjetiva: um lance de "estou querendo me aproximar, mas continuo aqui".

Eduardo - É, a teleobjetiva com voice-over... E eu não vi, mas gostaria muito que vocês falassem da relação disso tudo na passagem para o produto da Rede Globo, o Cidade dos Homens, tanto as relações positivas quanto negativas. Eu acho essencial falar dessa obra porque para mim é inédito um filme brasileiro dar origem a uma série na rede Globo. Eu já vi um filme passar como série na Globo (Canudos) e séries de TV virarem filme (Auto da Compadecida, Caramuru), agora, a partir de um acontecimento cinematográfico, uma rede de TV como a Globo criar uma série...

Gilberto - E a rapidez dessa resposta, eu acho que foram dois meses...

João - Eles planejaram e fizeram isso depois que o filme aconteceu?

Felipe - Na época em que a Globo Filmes se ligou ao filme eles já começaram a falar nessa série...

Eduardo - Mas mais do que o processo, eu queria que falássemos da série.

Cléber - Eu acho que o Cidade dos Homens corrige muitos dos problemas do filme. Eu não vi os 4 episódios, vi 3, mas os personagens não são só ação na série, eles estão colados a uma noção de cotidiano, de comunidade, que não tem no filme. O Cidade de Deus não mostra a Cidade de Deus e sim os traficantes agindo o tempo inteiro, num clímax atrás do outro. No Cidade dos Homens você tem ali um olhar mais atento para o que é uma vida numa favela...

Felipe - Mas o que eu acho muito perigoso na série é isso: ele estabelece em cada episódio um início de uma narrativa em que há esse universo mais amplo - o menino com a avó e tal. Mas, todos os episódios colocam a narrativa num funil em que encaminham ele a ter um tête-à-tête com o tráfico. É perigoso, porque você amplifica aquele universo, e naturalmente ele vai levando os meninos a pedir um favor para um traficante, ou no outro o traficante morre que era namorado da irmã do menino... Então, quanto mais você amplifica, mais coisa entra no mesmo funil.

Cléber - Eu acho que você está invertendo a proposta da série, o que eu acho que a gente pode até questionar - a proposta da série. Mas eu acho que claramente a proposta dramatúrgica é de realmente pegar como esses moleques se relacionam com os traficantes. A diferença é que o CDD é o tráfico por dentro. Na série o que é uma favela, o que é o drama cotidiano tá muito mais bem colocado.

Ruy - E no Rio de Janeiro, onde o poder de polícia é dado ao tráfico como não afunilar a vida diária de qualquer pessoa com o contato com o tráfico?

Felipe - Não, ela pode ser atravessada, mas não afunilada para ele. A narrativa não é atravessada por momentos ou circunstância, e sim porque tudo leva a isso.

Cléber - Esse projeto começa com Palace II, que foi um treino pro longa. Então o projeto desde o início tem essa proposta de recorte do tráfico na favela, e não um documento sobre a favela.

Felipe - Mas o que eu acho curioso é que mais uma vez, assim como no filme o ponto de vista é do Buscapé que de alguma forma entra no campo cognitivo da classe média, por ser fotógrafo e estar observando, na série o protagonismo é dado a uma criança, que é uma coisa com menos personalidade, porque habita um "espaço infantil" mais generalizado dentro dessa invenção do que seja "a infância", que tem desejos e tal, mas que mais uma vez vai se encaminhar necessariamente para a questão do tráfico. Então a identificação é feita com esse personagem infantil e esse cotidiano, mas o que se você lembrar tem no início também do filme, com o garoto em casa e jogando futebol, que é um pouco o que os episódios fazem: começa com o menino soltando pipa ou no churrasco, mas aí muda para o tráfico.

Junior - Mas isso é uma coisa da narrativa clássica, independente do universo. É um universo onde as decisões são unânimes, onde há um destino mútuo... Do ponto de vista sociológico isso pode ser muito deficiente, mas do ponto de vista comercial e de narrativa...

Eduardo - Até porque eu acho também que temos que pensar no seguinte: exijamos o máximo que pudermos, porque é o nosso papel. Mas pensar num programa de cunho analítico ou sociológico às 21:30hs na Rede Globo eu já acho meio utópico...

Felipe - Mas é exatamente esse o problema: ele nem é analítico-sociológico nem entra na dramaturgia dos personagens. Duvido que algum daqueles meninos pense mais tempo no traficante do que na menina que está na escola. No primeiro episódio, na segunda seqüência eles jogam um punhadinho assim "ah, ele está a fim de uma menina", e você pensa que aquilo é interessante, mas no resto do episódio ninguém fala mais na menina. A relevância narrativa está sempre na relação daquele menino com o tráfico. Eu não acho que ele tinha que conseguir fazer uma análise sociológica, e sim que ele tinha que deixar de lado essa idéia de tentar mostrar como tudo leva ao tráfico e tentar mostrar outras coisas da vida dele, daquele imaginário. Se é tão comum para aquele menino ter aquela relação com tráfico, não devia ser tão relevante dentro do imaginário dele, que media com o espectador o episódio, aquela relação direta com o tráfico.

Cléber - Eu continuo achando que tanto o filme como a série só existem por isso. É a premissa. O que eu acho é que a série trata essa premissa de um jeito e o filme de outro, num a câmera abre, no outro ela fecha. Mas que a premissa é a mesma eu sei. Mesmo no início do filme, que você citou, ele dá o tom ao espetacularizar esse pedaço do cotidiano ao acabar com o jogo dando o tiro na bola. Ele já está determinando como vai ser o filme.

Felipe - Mas eu acho que há uma suposta pretensão de mostrar as mazelas daquele menino e eu senti muita pena daquela menina por quem ele está interessado na escola, e ela não aparece mais. Era apenas um jeito de humanizar o personagem antes de jogar a sua relação com o tráfico.

Ruy - Eu acho que o filme inclusive realiza isso melhor porque você entra na pele do Buscapé, entende que ele queira perder a virgindade, que ele chegue numa menina e depois na outra... Eu acho que aquilo é tanto o filme quanto o tráfico. Eu acho que o filme não fecha tanto assim quando mostra situações de vida do Buscapé, até mesmo off-tráfico, como a tentativa de roubar ou a vida amorosa.

Felipe - E o que eu acho curioso é que o único episódio que não vai falar do tráfico é qual? Aquele em que ele sai da favela. Quando ele está fora, não se fala em tráfico. Mas, dentro, é o tráfico a relevância narrativa. O menino só tem desejos e conversas fora do espaço da favela? Dentro tudo encaminha ele para a relação com o traficante. Isso é querer retratar a realidade? "Ah, isso é uma coisa que acontece"? Acontece, mas acontece também a vontade de ficar com a menina, a amizade com um outro menino...

João - Eu vi só um episódio e metade de outro, que eu achei muito entediante, e eu acho que não foge do tipo de dramaturgia que a Globo sempre fez. Eles tentam diferenciar da novela pela fotografia e tal, mas eu acho que isso não diferencia, continua sendo a mesma coisa. Um espaço para falar desses assuntos da forma que a audiência já está mais preparada para escutar. A favela é mostrada de maneira estereotipada.

Felipe - Sabe o que parece para mim Cidade de Deus e isso tudo? Reconstituição, como aquelas bem vagabundas que você vê em programas do tipo Linha Direta, mas claro que uma reconstituição muito foda, muito bem feita. Clichês midiáticos.

Ruy - Já que a gente falou da Globo, acho que resta dizer que as tentativas de dramaturgia sérias recentes jamais ultrapassam um determinado espectro, seja ela no Cidade dos Homens, no Brava Gente, nas adaptações de Nelson Rodrigues, derivando de tirar esse contos do que eles eram originalmente - o Nelson Rodrigues que a Globo encena está sempre desfigurado, transformado em anedotário da Zona Norte, o que ele nunca foi, pelo menos não como interesse primordial. Ou o Brava Gente que, desde o começo é uma espécie de tentativa de ir ao fundo do povo e tal, e que acaba redundando em todo o projeto do CPC de cultura, de tentar resgatar o povo, encontrar a verdadeira cultura popular, mesmo nessa série da Grande Família, que é ao mesmo tempo a coisa do kitsch que é a vila de qualquer novela das oito, ou essa novela da Lapa.

Parte 4: O Invasor, Abril Despedaçado, O Príncipe