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Névoas, sombras e estranhamento
- as phantasmagorias sob a óptica do romantismo Parte
VI *** O introdutor da lanterna
mágica no Brasil, conforme os últimos dados levantados,
foi Benjamim Schalch, morador da Rua do Príncipe, em São
Paulo. A sua exibição era privada, entretanto, mais tarde,
Schalch a passaria a um prestidigitador cujo itinerário perdeu-se
nas várias andanças anônimas que fez pelo interior
do país. Aliás "este câmbio entre aparelhos,
que desgastados pelo uso, eram vendidos para uso familiar, e outros como
o de Schalch, com vários recursos, vendidos para uso profissional,
deve ter sido prática comum na aldeia", revela Máximo
Barro, destacando o "escambo" de tecnologia no Império
onde "A utilização desta aparelhagem e outras antigas,
renovadas ou recapadas de novos atributos era normal em certas regiões
do Brasil." Desta forma, muitos aparelhos adquiriam uma rotatividade
que ia do privado ao público, do público ao privado, conforme
as necessidade dos donos provisórios do aparelho. No mesmo período, Raul Pompéia em uma de seus artigos publicados pela Revista Brasileira, descreve com requintes fantasmagóricos um entardecer na Serra do Mar: "O nevoeiro do mau tempo tem uma grande diferença do nevoeiro seco das selvas. O primeiro sente-se-lhe a profundidade. Em falta dos recursos geométricos da ótica que naufraga na espessura lívida da fumarada, existe a perspectiva sonora..." Mais adiante, arrebata o texto ao sabor das fantasmagorias românticas, tornando-se já fantasmas de si mesmas, às vésperas de um novo século que se apresenta aos olhos do sensível escritor: "Não sei que penetrante analogia me impressiona no espetáculo das névoas flutuantes, que vão sem rumo e sem forma pelo ar(...)que vivem materialmente e sem nenhuma propriedade da matéria; silenciosas, impalpáveis, ilimitadas como sombras apenas, nem isso! Que seria demasiado concreto; como pura transparência, como deveriam avultar os espíritos, se tornassem corpo e se nos afigurassem com tudo na imagem indefinida da imaterialidade; como formas, se é possível dizer, de abstração, com um aspecto inexprimível da representação psicológica, a ponto de se não saber decididamente se existem de fato na natureza, ou se apenas sonhamos em nosso coração; espécie de cena moral da tristeza no mundo, tristeza difusa, sentimento disperso, ou antes matéria cósmica de sentimento sombrio que ainda há de existir, ou que já tem existido." *** "A Lanterna
Mágica é filha de profundas convicções, é
o theatro onde se representarão as principais scenas de nossa época,
sem resaibos de personalidades e sem o intuito de fazer illusoens a este
ou aquele indivíduo: a scena das generalidades reinará no
seu proscenio, e seus quadros representarão sempre os mesmos indivíduos,
os mesmos actos revestidos somente do caracter que se lhes der oportunidade." "O protagonista da scena será sempre o inmortal Laverno, esse homem prodigioso, especie de mephistopheles, de judeo errante que anda entre nós nas praças, nos templos, nos saloens dourados, no parlamento, nas estalagens, nas lojas e nos ranchos das estradas." O escudeiro e fiel amigo de Laverno é Belchior, aquele que acompanhará o ilustre gatuno em suas empreitadas farsescas, em suas falcatruas bem ao gosto do "jeitinho" brasileiro. Laverno, numa espécie de metamorfose bufa, vai transformando-se em vários "tipos" com o intuito de enriquecer a todo custo. Torna-se romancista, parlamentar, naturalista, fornecendo um rico panorama dos vícios e maneirismo de cada uma dessas profissões sob as luzes da época. Em uma destas transformações, Laverno e Belchior tornam-se homeopatas, abrindo uma farmácia com o dinheiro conseguido através da venda de um xarope milagroso, uma coca-cola feita a base de cachaça e aditivos, passada como tônico rejuvescenedor. Scena II. "Depois de uma torrente de cartazes monstros, à maneira de Pariz, e de alguns artigos phosphorescentes, todos cheios de espuma de campanudas, o Dr Lavernu, e o Dr Belchioru começarão a ter alguma folga; a venda de boticas homeopathas, e a concurrencia de alguns incuráveis, os collocou fora da senda das privações. Lavernus- Nós devemos proscrever as palavras em ites como bronchites, acites, demacites, porque isso seria um tributo pago ao sangrador mór; os nomes fazem tudo, e até com elles se forja uma nova ciencia, uma nova religião, a quem não faltão proselytos e discipulos" No número dezessete da revista, o diálogo dos personagens deixa transparecer o modo como os exibidores de fantasmagorias eram vistos com preconceito pela sociedade: "Belchior- O Diabo é que não se conhecer os taes sujeitos meas-caras... Laverno- Conhece-se, pois não! Ola si conhece! Em primeiro lugar, nada de estudantes! São sujeitinhos que andão sempre promptos a virar cambalhotas, sem nisto que lhes caia nada das algibeiras, com estes nada de "logo pagarei". Quando vires um sujeto muito cheio de lunetas, etc, etc. não te alargues muito." Mas é no número 13 que atestaremos a popularidade das fantasmagorias através de umas quadras que são curiosas pelo tom de deboche que adquirem no final da leitura: Este
mundo é cosmorama Se
tu tens ó minha vida "Este jornal
dos cemitérios, folha sobrenatural; ocupa-se especialmente com:
visões, aparições, duendes, sonhos, pesadelos e sonambolismo. Guilherme Sarmiento Clique aqui para ir para a sétima parte deste ensaio
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1. GONZAGA,Alice: Palácios e Poeiras. Rio de Janeiro; Ed Record, Funarte, 1996. 2. DO RIO, João: A Alma Encantada das Ruas. RJ; Secretaria Municipal de Cultura/Biblioteca Nacional, 1987. P 5 "Para os iniciados sempre foi grande regalo. A musa de Horácio, a pé, não fez outra coisa nos quarteirões de Roma. Sterne e Hoffmann proclamavam-lhe a profunda virtude, e Balzac fez todos os seus preciosos achados flanando. Flanar! Aí está um verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde, depois de ter ouvido dilettanti, de casaca aplaudirem o maior tenor do Lírico numa ópera velha e má; é ver os bonecos pintados a giz nos muros das casas, após ter acompanhado um pintor afamado até a sua grande tela paga pelo Estado; é estar sem fazer nada e achar absolutamente necessário ir até um sítio lôbrego, para deixar de lá ir, levado pela primeira impressão, por um dito que faz sorrir, um perfil que interessa, um par jovem cujo riso de amor causa inveja... 3. DE PAULA ARAÚJO, Vicente: A Bela Época do Cinema Brasileiro in Coleção Debates. SP; Ed Perspectiva 1976 P 55 4. Barro, Máximo. A Primeira Sessão de Cinema de São Paulo. Ed Tanz do Brasil. SP, 1996. p 41 5. CAPAZ, Camil. Raul Pompéia, Biografia. Ed.Griphus. RJ; 2001. P172 |