![]() |
![]() |
Névoas, sombras e estranhamento
- as phantasmagorias sob a óptica do romantismo Parte
V Em 1857 a jornalista de São Francisco, de pseudônimo, Alice Rix, relatou de maneira muito contundente algumas impressões da infância. Ela descreve uma fantasmagoria ótica, provavelmente vista na década de trinta : "Lembrei-me
de repente de um esquecido medo infantil do espetáculo de lanterna
mágica. A sala de Show na escuridão, a pálida planície
branca estendendo-se até o desconhecido mundo das sombras. Tudo
bem chamá-la de lençol, dizer que este estava esticado entre
inocentes e familiares portas dobráveis; apesar disso, ele separava
o conhecido e o seguro do mistérioso além onde sombras horríveis
viviam e moviam-se com assustadora rapidez, sem fazer nenhum barulho. Assim como a jornalista americana, Proust se vale destas visões buscando-as no olhar ingênuo da criança que rememora as projeções antes do sono, com medo da penumbra do quarto: " ...ela substituiu a opacidade de minhas paredes por uma iridescência impalpável , um fenômeno sobrenatural de muitas cores, no qual as lendas eram escritas como numa janela inconstante e transitória. Mas isso apenas fez aumentar minha tristeza, pois essa mera troca de iluminação bastava para destruir a impressão familiar que eu tinha de meu quarto, graças ao qual, salvo da tortura de ir para cama, ele tinha se tornado completamente suportável. Agora eu não mais o conhecia e sentia-me inquieto nele" E Goethe, em Werther, um dos livros-emblemas do movimento romântico, também destaca a fantasmagoria como divertimento infantil, muito embora, com uma jovialidade pouco usual para aqueles que assistiam ao espetáculo: "Que seria, Guilherme, para os nossos corações o mundo sem amor? O mesmo que uma lanterna mágica sem luz. Mal pões dentro dela a lâmpadazinha, aparecem na tela branca as figuras variegadas. Mesmo que não passem de efêmeros fantasmas, fazem a nossa alegria quando ainda pequenos, lhe admiramos o prodígio." Excepcionalmente,
os depoimentos que possuímos sobre as impressões das fantasmagorias
óticas são, quase em sua maioria, sob o ponto de vista de
uma criança, da lembrança ou de um medo que provém
de uma fase muito específica da vida. Com a sua constante incursão
no reino do entretenimento, as fantasmagorias óticas acabaram tornando-se
uma diversão familiar que espantava o adulto mais nas rememorações
de uma máquina fantástica em sua origem, mas desmistificada
com o tempo, com os estudos, as responsabilidades burguesas, firmadas
na racionalidade e bom senso da nova ordem do dia. Os ecos das exibições
mágicas de Robertson do final dos setecentos ainda se faziam escutar
e, por suas reações sutilmente evocadas no interior de cada
adulto, sentimentos muito mais afeitos ao ideário romântico
afluíam para realçar o "spleen", as imaginações
exacerbadas que o movimento precisava para se manter atuante em seu meio
social. O próprio Coleridge, poeta romântico inglês,
através do jargão "E uma felicidade espantar-se",
empregava-o no sentido de assombro semelhante ao das crianças.
"Depois de Baudelaire, um escritor britânico amigo de Swiinburn,
Watts-Dunton, proporia como definição da palavra romantismo
precisamente essa 'renascença do sentido do assombro." "Por isso aconselho, augusto senhor; no momento em que anunciamos o início do Século das Luzes, faz-se necessário expulsar as fadas! Seus palácios deverão ser cercados pela polícia, seus bens confiscados, e elas próprias, sobre acusação de vagabundagem, deverão ser obrigadas a voltar a sua pátria, que, como sabeis pela leitura das "Mil e Uma Noites", é o pequeno reino de Dshimistan." Escreve Hoffman,
numa espécie de crítica bem-humorada ao desterro imposto
a imaginação pelos iluministas, que há época,
forçavam a racionalização a todo custo nas mentes
ingênuas, perdulárias com a idade das trevas ou com mitologemas
desconhecidos ao cristianismo. *** Joaquim
Manoel de Macedo é mais conhecido por seu romance açucarado
"A Moreninha", que além de constar nas listas de livros
indispensáveis no currículo escolar, foi adaptado para o
cinema e para a televisão, considerado um dos marcos do romance
brasileiro. Mas se atentarmos para sua obra, veremos que o autor nos deixou
um vasto panorama da época, através de crônicas onde
o humor e a crítica social tem um papel fundamental na narrativa.
Dentre estes livros destaca-se A Luneta Mágica,
escrito em 1869. Simplício
é o personagem principal do romance. Seu drama anunciado logo,
através de frases curtas e entrecortadas, será aquele que
o fará recorrer a um especialista em lentes chamado Reis. O livro
é um apanhado de situações e personagens bizarros,
com aspectos de nossa vida política e social que dariam material
para estudos variados. Porém, o que interessa aqui são as
fantasmagorias e, apesar de Joaquim ter se omitido em citá-las
no "Memórias da Rua do Ouvidor", neste romance folhetinesco
as referências sobrepõe-se de maneira quase literal a passagem
destes projetores pela cidade do Rio de Janeiro. " No fim
de alguns minutos a lâmpada mágica lançou e manteve
uma tênue flama que começou pálida e fraca, pouco
e pouco foi se tornando tensa e rubra, e da qual o armênio retirou
a ponta da espada, que pareceu tê-la acendido." "-- Esta luneta é a maravilha da magia: por ela verás demais no presente, e poderias ler no futuro; mas o teu coração é bom, e a tua alma é pura, criança; além do número de três minutos está a visão do mal, que o meu poder de mágico não te pode impedir; porque a visão do mal é a vingança da salamandra escrava; mas a fixidade nesta luneta além do número de treze minutos é a vidência do futuro, e essa eu ta impeço, Cashiel! Schaltiel! Alphiel! Zarabiel! Eu tá impeço, criança louca: essa luneta fixada além de treze minutos se quebrará em suas mãos!" Para um leitor atento, o texto de Joaquim, se não prova que o escritor esteve em uma destas exibições fantasmagóricas, pelo menos, mostra o seu conhecimento sobre elas e, de quebra, a sua aversão e preconceito particulares sobre aquelas imagens enganosas, sobre as sua más influências nas mentes ingênuas, fagocitadas por feiticeiros e mágicos acordados com o demônio. Simplício, de posse da luneta mágica, passa por uma série de desacertos em função do objeto que, através de seus dotes fantásticos, faz com que ele veja no mundo somente as coisas más ou as coisas boas. "O armênio tem razão: a visão do mau é um tormento; ver muito é um erro; ver demais é um castigo; a temperança é uma virtude que deve presidir e moderar os gozos de todos os sentidos do homem" No final do livro,
a moral da história deixa clara a posição do autor
frente as ilusões imagéticas, seja qual for o seu teor luminoso;
mesmo quando inocentes e vaporosas fantasmagorias, o melhor a se fazer
é não se deixar iludir, de preferência, nem chegar
perto os olhos sãos. "Lembrai-vos
espíritas que, se é absurdo repellir systematicamente todos
os phenomenos d'além túmulo, não é menos acceital-os
cegamente. Quando um phenomeno de tangibilidade, d'aparição,
de visibilidade, ou de transporte se apresenta espontaneamente, acceital-o,
porém não deixarei de repelil-o, não o acceites cegamente:
cada facto soffra um exame minucioso, profundado e severo; porque acreditai-o,
o espiritismo tão rico em phenomenos sublimes e grandiosos, nada
tem a ganhar com essas pequenas manifestações que hábeis
prestidigitadores podem imitar." "Seria uma idéia falsa acreditar que os Espíritos sérios podessem se comprazer em responder a futilidades, a questões ociosas, que não provam nem apego, nem respeito por eles, nem desejo de instrução, e ainda menos que venham dar espetáculos para divertimento de curiosos. Não o teriam feito quando viviam sobre a terra, muito menos farão no Estado de Espíritos." Pouco a pouco os fantasmas foram sitiados, acuados, presos e catalogados, para maior segurança do bem estar social através de um controle que saía do âmbito legislativo, passando para a construção de mecanismos coercitivos próprios da sua esfera metafísica. Guilherme Sarmiento Clique aqui para ir para a sexta parte deste ensaio
|
1. De Quincey, Thomas. Confissões de um comedor de ópio. RJ. Ed L&PM Pocket. Pp. 126-128 2. GUNNING, Tom. "Fotografias Animadas': contos do esquecido futuro do cinema." In: Xavier,Ismail(org). O Cinema do Século. RJ: Imago Ed.,1996.pp.21-4 2. PEYRE, Henri: Introdução ao Romantismo in Coleção Saber; Lisboa. Publicações Europa-América. P207 3. Baroja, Caro, Teatro Popular e magia 4. Hoffman, E.T.A., O Pequeno Zacarias. SP: Ed. Martins Fontes(clássicos), 1998. pp 19-12 5. Em 1883 Carl Von Kozeritz em suas célebres memórias chamadas "Imagens do Brasil", critica de maneira reveladora a apresentação do "Exelcior" no Rio de Janeiro por uma companhia italiana "O motivo do bailado é a luta da treva contra a luz. A treva (o obscurantismo), é representado por um cavaleiro da idade média, e a luz pelo gênio do progresso. No começo do bailado o gênio do progresso está acorrentado aos pés do obscurantismo- a inquisição floresce e a miséria e decadência reinam sobre o mundo. Então, começa a luta; o Gênio se liberta das cadeias e se levanta em toda a beleza coroado pelas luzes elétricas. A um gesto seu abre-se o fundo a cena e aparece o templo da ciência; a Luz e a Civilização se dão as mãos e numerosos Gênios as cercam bailando." 6. Macedo, Joaquim Manuel de. A Luneta Mágica. Porto Alegre; L&PM, 2001. PP33-44 |