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Entrevista
com Ozualdo Candeias
III. AS BELLAS DA BILLINGS, O VIGILANTE Qual era o projeto inicial do Bellas da Billings? Eu queria trabalhar com gente mais conhecida por exigência de bilheteria. É engraçado, porque acabou que o principal é o Almir Sater que hoje é famoso... É, mas não pesou nada, não pesou absolutamente nada na bilheteria. E o Almir ainda me atrapalhou. Eu levei os dois como aqueles violeiros querendo gravar. A fita estava marcada no Belas Artes. Quando o cara soube que tinha Almir Sater e mais uns caras, ele disse "Não, fita caipira a gente não passa". (risos) A puta da ignorância, né? Como muda... Pouco depois ele fez aquela novela... (Pantanal, n.d.e.) Mas não foi por causa da fita nem nada. É que de repente pintou a novela, ele é pantaneiro... É, mas se rolasse o filme depois qualquer um ia querer exibir o filme. Aí sim, aí poderia, não há dúvida. Foi um cara muito bom para trabalhar, tinha uma facilidade tremenda. Agora, na novela está uma boa merda (risos). Porque na fita ele está bem porque eu exijo dos caras para ver até onde vai. Por exemplo, ele cantando no Largo da Sé, aquela coisa meio pornográfica, ele não podia fazer de jeito nenhum. "Eu estou começando, você vem fazer isso?" Eu falei: "Mas não é você, é o personagem" "Então deixa eu cantar a tal coisa do meu amigo." E eu deixei. E eu mudei lá umas letras, e acho que aquilo fico muito bom ali no Largo da Sé com o Mojica, aquelas coisas. Mas ele é um cara todo cavalheiro, todo delicado, todo macio. E com aquelas grossuras do filme... E ele contrasta com o outro personagem do filme, que se faz de intelectual... O outro me criou problemas porque ele tinha feito curso, acho que na Eca, ele era de teatro, e tinha idéias própria, puta que pariu! (risos) E o Almir só tinha meio prontas... Eu não estava com muito saco. Mas no fim teve gente que gostou muito do outro personagem. Mas é que o personagem em si, mesmo que ele não interprete bem, já fica engraçado, um intelectual que não sabe ler... É, porque ele vai carregando os livros, ele fala para o outro: "Isso não é para você ler, seu imbecil, sua besta"... É, tem isso... Mas aquilo tudo são uns caras que eu conheci. Eu sempre faço as coisas baseadas em coisas que eu vejo. Aqui tinha um cara que fazia isso, todo mundo falava que ele tinha rancho não sei aonde, com a mãe dele. Eu fui lá um dia. E a comida era nojenta. Aí que eu fiquei sabendo que na semana ela catava comida ali por perto, dava pros cachorros e pras galinhas e a melhor todo mundo comia. Todo mundo gordo... E ela bebia ainda... Quando eu cheguei ela já estava meio bêbada (e começa a imitar): "Você traz visita aqui, meu filho, sem me avisar, olha a minha casa desarrumada..." Era um rancho mais ou menos sem parede, sabe? Aquele personagem é baseado nisso. E como o personagem do Almir Sater, tem muito cantor que vem da roça pra cidade e que acha que chegando aqui pode gravar e arrisca. Então esse era o outro personagem. E é claro que aí eu fiz as minhas colocações sociais. Eu acho a fita interessante e eu acho que o Almir está bem por causa de tudo isso, está espontâneo. Agora, o que eu gosto mesmo é que no Largo da Sé ele ficou puto da vida, ele não queria cantar. E na hora de comer ele não queria comer, porque aquilo que tinha lá não era lavagem, mas ele não queria. "Mas tem que comer..." Aí ele teve que pegar um pão, tirar um pedacinho, pôr a mão lá pra tirar... E assim mesmo não conseguia engolir (risos). Ele ficou todo impressionado (ele refere-se a uma cena em que aparece um balde com lavagem, ou seja, sobras de comida), porque o negócio ficou mesmo meio nojento, até certo ponto. O presidente da Embra, quando viu o negócio, disse: "Isso parece fita escatológica, você não precisava fazer aquele fim daquele jeito". E aí falei que era meio assim mesmo, o que eu via era meio assim. Uma das cenas mais impressionantes é a do ator que passa o filme inteiro falando carregando os livros e falando mal dos outros, mas na hora de ele ler ele mal sabia soletrar, "porque a Di-o... Di-o-ti..." Eu tinha que numa hora dizer que ele era assim. Eu queria fazer uma homenagem ao Bukowski, que eu gosto dele, e ao Paulo Emílio. Agora, eu não sei se debaixo do braço dele isso funcionava ao contrário, porque a crítica e uns caras ficaram meio putos da vida. Acharam que você estava malhando? Acharam que eu estava malhando intelectual, porque ele tinha biblioteca com três livros e dizia "Eu tenho uma biblioteca" "Olha, ele é um intelectual". Fica uma metáfora filha da puta, mesmo (risos). Mas isso na verdade você está criticando o pessoal que vive no mesmo meio das pessoas e tenta achar que é superior... É, tem cara que não sabe nada, mas porque tem uns livros, porque lê, porque tem diploma... Mas eu não queria que entendessem tanto assim. Aqui tinham uns caras que chegavam aqui, vinham fazer fita e começavam, "Não, mas ele é doutor, ele é médico". Aí vinha outro querendo fazer fita, "Não, ele é engenheiro". E eu falei: "Ah! Então é por isso que ele é bom diretor?" Ah, vão à merda, sabe... Aqui tinha muito disso, sabe? Então o cara já olhava por cima porque tinha um curso superior. Porque - eu disse que estou fazendo um livro que já está quase pronto - chegava aqui neguinho que descobria, e queria fazer uma fita, tem uma história ou tinha recado pra dar ou não, e ficava aí, mas todo mundo aí pelo primário e secundário e olhe lá, sabe? E fizeram algumas fitas, como o Oswaldo de Oliveira, ele na Maristela era assistente de câmera. Aqui ele fez quarenta fitas, quase quarenta filmes. E tinha um aqui que tinha sido seminarista e a fita dele não era grande coisa. E assim por diante. Com isso eu peguei o meu, sobrou pra mim. No fim eu fui disfarçar a metáfora mas acho que não deu... Mas eu acho a fita interessante, agora o que eu gosto dela - por razões pessoais, eu não costumo gostar dos meus filmes -, mas tem lá umas coisas que eu gosto porque aconteceram. Aquele baile misturado no fim, um dança tango, o bugre dança os pulos dele, o outro dança não sei quê, cada um dança como quer... E tinha uma música que era tango, agora cada um dançou o que quis. E tem aquela mulher que dança com o boneco... está boa pra caramba aquela mulher, sensual... Ela foi aprender alguns passos de tango pra fazer aquilo. Ela era amiga do Almir. Ela ficou meio assim comigo porque ela era de teatro, não era nada assim muito boa mas está muito bem na fita. Tem uns caras que babavam vendo ela. Tem o Märio Benvenutti que é o dono da casa abandonada... Porque aquilo tudo é verdade. Só botei o Mário. Tem uma hora que ele quer cobrar, e ele diz: "Não, eu estou trabalhando, a publicidade está ruim". No momento que a fita entrou, já estava difícil. Como com O Vigilante, eu tive que ouvir em Brasília que eu estava fora do tempo, fazendo fitas engajadas quando o Brasil - como está aí na globalização - que o Brasil está uma beleza, que já não tem mais lugar para O Vigilante. Puta que o pariu! E outra: eu ainda acabei ganhando prêmio porque estava lá o Paulo Saraceni e o Mário Carneiro, que era o presidente do júri. Era 92, por aí... E o Carneiro e mais uns dois defenderam a fita em Brasília, porque já tinham dito que aquilo não era fita não. Aí acabaram dizendo "Fita é fita por aquela razão, etc." E aí eu mostrei a fita para alguns professores da Eca aqui, uns dois ou três, e pro Calil, o ex-presidente da Embra, que gosta também das minhas fitas. Eles viram o filme e não elogiaram, mas quando eu fui pegar a fita eu falei para o Ismail (Xavier, n.d.e.), "Olha, obrigado por ter perdido tempo para ver o meu filme". Ele disse: "Obrigado nada. Nós que temos que te agradecer porque há muito tempo não pinta uma fita que vale a pena ser vista". O filme tem duas cenas que são antológicas. Uma é quando a menina está morta, estirada no chão e toca aquela música daquele filme meloso, acho que é Love Story, toca aquela música no acordeon, ela toda suja, morta, depois de ter sido violentada pelos caras, e aquele final com as armas... Uns caras ficaram impressionados com aquilo, né? Quando o filme termina, você não sabe o que acontece... O caso é o seguinte: porque ali tem uma posição política meio sério, social. Eu sou até certo ponto a favor do justiceiro. Tem que matar esses caras que saem matando. Agora, não pode se tornar uma instituição porque é meio perigoso, porque nem todo mundo tem critérios ou equilíbrio mental pra isso. Agora, se eu mato o justiceiro eu estou no maniqueísmo sem vergonha de tudo. Se eu faço ele fugir, eu tinha que explicar. Então, o que eu fiz e o que foi isso? Aquele tiroteio dentro do ônibus, aquelas crianças que assaltaram o ônibus. Eu ainda faço uma gozação que os caras estão comendo laranja e põem o saquinho de laranja no rosto - porque todo mundo põe meia, mas ali não tinha nem meia para eles colocarem. E naquele tiroteio zera a história. Aquela boca (da arma) daquele tamanho na tela. Eu pensei naquilo pra ficar bom. Eu misturei farinha de mandioca com pólvora... Então, quando me perguntam: "Poxa, e o justiceiro? Fugiu? Morreu? O que foi?". Eu digo: "Olha! Naquele tiroteio eu também puxei o carro, não sei o que aconteceu." E sabe que resolve? A pessoa fica satisfeita com a resposta. E está explicado que eu não estou a fim de dizer. Acaba resolvendo, o importante não é se o justiceiro fica vivo, o importante é a situação social que é do mata-mata. Pois é, e eu não podia tomar um partido nisso. Na verdade, aquele justiceiro está certo, mas nem todo justiceiro está certo. Mas como é que eu vou fazer isso? E se eu mato o cara, ou prendo o cara, e aí? Fica moralista... Pior ainda, né? Olha, se eu tivesse que escolher eu punha ele pra ir embora e pronto. IV. QUE TIPO DE CINEMA FAZER? Qual é o seu filme que você gosta mais? Dos meus? Não tenho predileção por nenhum, nem detesto um também. Eu na verdade não faço o filme que eu gostaria de ver, eu faço o filme que eu acho que deve ser feito e que deve ter pelo menos alguma importância cultural, social, política. Eu faço por isso. Agora, o papo de gostar, é claro, cada um tem alguma coisa que eu gosto, mas é pelo que aconteceu e o que deixou de acontecer, pelas relações com as pessoas na filmagem... Me parece que todos eles têm lá sua importância. Mas você separa entre os filmes que você faz de encomenda e os que faz por vontade? Eu não tenho fita de encomenda, na minha opinião. Mas e a do David Cardoso (Caçada Sangrenta), A Freira e a Tortura... Mas eu fiz porque eu quis, ele foi feito como eu queria, não foi feito como o David quis não. E muito menos como o Jorge Andrade, que é o dono do argumento. O que eu fiz é só baseado no argumento do Jorge Andrade, ele ficou puto da vida comigo por causa disso. E o David gostou do negócio, o papel é muito bom pra ele e ele topou coproduzir. Ficou quatro, seis meses preso na censura. Claro que, na revolução ainda, tinha que ter ficado mesmo. Agora, tinha umas coisas no filme que eu fazia umas grossuras na fita com o Médici e ele tirou. E eu só vi isso quando a fita estava pronta. Mas não tem na cópia original? Não, não tem não porque lá tem montador e tudo... Mas todas as fitas sou eu que monto, ninguém monta fita minha não. Vai montador, não vai, monta como eu quero e acabou. Eu botei lá umas coisas, umas fotos de Getúlio Vargas, Médici e coisa, e estava engraçado, mas meio grosso, como crítica. Claro que depois que eu sincronizei, que eu fui dublar, veio, montei, mas na hora de copiar é claro que eu não vou ficar lá em cima. E foi lá que cortaram... É, mas eles tinham lá a razão deles porque era meio grossa mesmo. A fita é meio violenta. Era um negócio assim, aquele carcereiro que não gosta do delegado. O carcereiro chega com o quadro do Médici e pergunta: "Olha, onde é que a gente vai pôr?" E o cara: "Ah! Vem cá, vamos pôr na privada! Tira isso daqui que não tem condições." (risos) E ainda era o Figueiredo. A fita, como linguagem, é um pouco diferente das outras, eu acho ela um pouco mais correta, mas o pessoal está muito bem. Tem aquele problema... Naquela miséria danada, o cara que deveria ser um preso que no fim mata ele - porque nos originais não tem nada disso - é um funcionário dele, porque ele não quis pagar o cara, depois ele tem aquele drama... "O cara que eu feri é meio bom e então como é que eu me arrumo?" mas tem também a tia dele, os filhos dele, a ex-mulher dele... Quando é que você começou a achar que nos seus filmes deveria ter essa coisa social, política? Tem uma coisa que é meio inata, creio eu. É que quando eu fiz o primeiro filme, ele virou mais ou menos social porque era a minha visão de mundo. Eu não sabia, eu não tinha consciência porque eu não usava nada disso, eu ficava por aí, meu negócio era andar atrás de mulher, e nunca tirei fotografia, não tinha nada a ver com nada... Tinha é que trabalhar, né? Eu sempre tive facilidade de fazer as coisas e às vezes escrevia. Talvez tivesse uma certa vocação para escrever. Quando eu era recruta e estava no exército, os caras que escreviam muito mal e sabiam que eu escrevia bem pagavam um almoço pra mim, pra eu escrever carta pra namorada... Dependendo da namorada, eu dizia: "Olha, enfeita bem", ou então não... Isso lá na caserna. Numa das vezes, eu trabalhava no Estado Maior e inventei uma história de ficção, uma viagem de um universo pra outro. Eu tinha idéia assim, dumas coisas astronômicas. Fiz uma nave, aquele negócio todo, e tinha os conflitos dos tripulantes... Mas os tripulantes eram todos gente conhecida: era o cabo num sei quê, o sargento num sei que lá... Então quando eu não gostava o cara apanhava... (risos) E todo mundo lia a minha história. O cabo do rancho, que se chamava Tatu, um dia disse: "Poxa, você precisa me pôr nisso. Você sabe fazer, você apanha qualquer dia aí uma goiabada com queijo". Aí eu coloquei ele e quando dava hora do almoço eu passava ali, tomava um cafezinho, tudo escondido, porque não podia ser de outro jeito. Isso por causa do personagem... Tem uma outra história, de uma zona lá por Presidente Prudente, tinha uns caras que eu conhecia, uns caras da polícia e da comunicação, a gente ia pra lá e eu inventei uma história, eu sentava na máquina do escritório de um deles, e então fazia uma cara escrevendo uma carta para uma mulher no Rio e a mulher do Rio escrevia pra ela. E o tema era o seguinte: era uma cara que tinha saído daqui e tinha ido pro Rio de Janeiro mas tinha sido traficada por traficantes. Então tinha aquele negócio, ela ia pra zona, etc. Ela contava a saga dela toda. Aí os caras vinham aqui, e tinha um cara que levava pra zona e acabava dormindo com as mulheres porque ele dizia que era ele que escrevia. (risos) Tinha um dia que eu dava carta pra ele e ele ia pra zona, uns cinco, seis e a mulherada toda em volta dele porque ele lia, fazia leitura das minhas cartas e dizia que era verdade (risos). Depois é que eu fiquei sabendo, eu disse pra ele "Não tem mais carta". E ele: "Não faz isso comigo..." (risos). Então era assim, social ou não, a minha visão da coisa era essa. Com A Margem, como eu comecei a ter que falar com muita gente, fazer papo sobre cinema, aí eu comecei a pegar o jeito, e tive que me definir com esse problema de posição. E que no fim virou essa coisa do marginal por aqui também. De fato, eu tenho uma certa admiração por Marx, acho um cara importante, pelo menos por ter descoberto que o importante é a mão de obra e não o capital, acho isso muito bom. Acabei sendo meio maoista, porque não podia ser trotskista, leninista, porque me desagrada de fato. Mas eu sempre fui meio considerado anarquista, né? Engraçado que a maior parte dos cineastas de esquerda do cinema novo são pessoas vindas da burguesia que são aquela do intelectual que tem que renunciar a sua classe para poder falar. Você não tem isso, já é outra coisa... você já é do campo... Se você pegar o Nélson (Pereira dos Santos), ele não é de uma origem muito lá em cima também não. Que é o cara que tem consciência mesmo. Porque o pessoal do cinema novo, eu não acho assim... Eles eram mais ou menos esquerda por um momento que era moda, e depois iriam abrir mão disso. Foi o que me aconteceu em Brasília. Perguntaram: "Olha, você ainda continua com essa de esquerda? Ora, todo mundo já abriu mão". Então tem esta coisa, né? O Glauber foi meio porra-louca até a morte. Mas nunca foi tido como esquerda nem marxista, nunca. É que inventaram que ele era por uma série de razões. O que ele tinha era uma visão bem liberal das coisas. E o que estava acima de tudo era o cinema. Mas todo mundo inventou aquilo. Ele nunca foi exilado também, como tem um bocado de gente... "No tempo que fui exilado, eu passei por México, por Cuba", eu digo: "Exilado o caralho". Foi tudo auto-exilado. E tem mais: eu acho que aquele cara que é auto-exilado, eu não tenho muito respeito por ele não, porque se ele tinha alguma coisa a fazer naquele momento de revolução, alguma atitude para tomar, vale a pena é aqui dentro, não é lá fora não. Nessa época você até burlou a censura fazendo o ZéZero e o Candinho. Tem o ZéZero e o Candinho, e ninguém fez isso. Se pegam esse filme eu estava meio mal, ia debaixo de porrada pelo menos. O ZéZero passa por aqui, na Eca, tem um professor... É uma fita que foi feita assim, só eu e os atores, mais ninguém. Todos dois têm prêmio estadual. Quer dizer, por baixo da cortina, né? Você teve algum tipo de relação complicada com censura, do tipo ameaça de prisão? Não. Eu tinha uma idéia perfeita do que a censura podia fazer. Não é o problema de ser auto-censura, que muita gente acha que complica mas eu não acho. O cara pode se auto-censurar quando ele tem um puta conhecimento. Se ele não tem nada ele vai censurar o quê? Então ele vai ficar com medo. E eu não tinha medo. Por exemplo, Meu Nome É Tonho teve problemas na censura, tiraram uns pedacinhos, e quando veio eu fiz uns cortes. E muita gente entendeu a fita meio como metáfora, mas não é. É uma fita toda cultural, baseada nos nossos bandidos, nosos matadores. Foi um puta sucesso. Foi o seu maior sucesso, né? Mas também deu muito problema. Teve cinema que fechou por causa dela. No Rio Grande do Sul um cara passou a fita - queria uma fita brasileira pra cumprir a lei que fosse de ação - e o cara exibiu Meu Nome É Tonho. Isso na sexta-feira. Na segunda, o cara quis matar o programador: "Minha cidade é uma cidade séria. Como é que vocês mandam uma fita dessas?" Na Bahia ela entrou num cinema de um reacionário qualquer. Entrou e antes de terminar ele tirou e mandou a fita pra Brasília com uma carta dizendo que se aquela fita tivesse censura ele estava muito admirado, de como é que deixava uma fita daquelas. Isso é das coisas que eu vi. Outra: eu fui vender uma fita, eu junto com um cara, e passávamos por Brasília com dinheiro só pra gasolina e o dinheiro acabou em Brasília. Aí a fita ia ser vendida para um cara, etc. Mas o cara que ia comprar era parente de um exibidor do núcleo de Brasília. E o cara negociou o Meu Nome É Tonho - já era passado - pra ser exibido. Então ele mandou me chamar. Ele estava lá no meio da distribuidora e queria me conhecer. Quando eu cheguei, ele olhou bem pra mim, você que é o fulano de tal. Eu disse: "Sou". Você que fez aquela fita assim. Eu disse: "Fui". Ele disse: "Olha, fita tua jamais passa no meu circuito". E me pôs pra fora, por causa do filme. Então você vê o que é um filme. O cara mandou que eu me retirasse, e ganhou um puta de um dinheiro com o meu filme. Ainda tem isto. Outra: eu entrava no cinema algumas vezes pra ver matinê com a fita. Eu chegava depois de começar e a sala de espera sempre estava cheia de mulher. Aí é que eu notei o que era, é que as mulheres começavam a sair do cinema e os maridos ficavam. As pessoas se aborreciam porque o comportamento dos personagens é tudo fora do que todo mundo espera. Falam: "Mas o Brasil não é isso!" Eu fui com o produtor dela no Rio de Janeiro pra passar na Agência Nacional. Quando está passando, o operador desceu e perguntou pra mim: "Essa fita tem censura?" E falei: "Tem" "Porque se não tiver eu não passo. Se estiver passando eu paro. Tem? Você garante?". Eu falei: "Claro que tem".Tinha nada. E falavam: "Isso não é fita. O Brasil não é nada disso. O cara que faz uma merda dessas tinha que estar na cadeia". A Margem também deu alguns problemas de me telefonarem e esculacharem, um pessoalzinho aí... "Onde é que se viu?" Clique aqui para voltar à primeira parte da entrevista Clique aqui para ler a parte final da entrevista |
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