Big Brother Brasil: 1989 é aqui

No BBB tornou-se um mantra dos participantes a frase "Agora está nas mãos do público, são eles que vão decidir". É claro que psicanaliticamente não é difícil entender que possuir esta instância superiora é fonte de tranqüilidade para os participantes do jogo, que se sentem desobrigados de um papel de maior culpa em relação ao outro, e principalmente cria uma noção de segurança segundo a qual "eles estão assistindo tudo" e "farão justiça".

Ambas estas noções que passam pela cabeça dos protagonistas do jogo (em que se releve o fato de que eles realmente não têm idéia de como ele seja televisionado, visto que são os primeiros a participar deste programa), lembram muito frases que vamos todos ainda ouvir muito ao longo deste ano de eleições. Quantas vezes os políticos e "analistas" não repetem que "quem decide é o povo" (poderiam dizer os espectadores da mesma forma), ou quando acontece algum escândalo que "o povo vai julgar quem estava certo"?

Talvez influenciada por estas semelhanças, a Rede Globo se comporta em relação ao programa como sempre se comportou com relação às eleições. Alguns velhos hábitos são difíceis de se perder. Por isso, toda terça feira no BBB, onde são indicados aqueles que saem do programa, lembra muito aquela infame edição do Jornal Nacional do debate entre Lula e Collor, um evento que ajudou a decidir a eleição em 1989. O fato é que até agora não parece que saíram do programa aqueles que "seria justo" nem os que "o povo preferiu", mas sim os escolhidos pela própria Globo. Isso porque não vamos sequer discutir aqui a idoneidade do processo de votação em si, porque senão poderíamos encontrar ainda mais semelhanças com o processo eleitoral brasileiro.

Mas, mesmo supondo que este processo é correto, não é nada difícil entender que a imagem das pessoas no programa é aquela que a Globo fabrica a cada dia. Neste ponto, algumas transmissões ao vivo do Multishow ajudam a entender a formação do discurso oficial de forma mais clara. Este que é um processo diário (e aqui convém sempre aumentarmos ao máximo a analogia com a vida brasileira do dia a dia e o poder "jornalístico" da TV), se exacerba na época de eleições, ou seja, na terça feira. Não é impossível supor que, com a audiência maior e o programa mais longo, boa parte dos votos decisivos vêm durante aquele televisionamento. E, neste caso, 100% das transmissões têm sido absolutamente tendenciosas em indicar qual dos candidatos devia ser votado pelo público. O expediente lembra muito o velho Você Decide que, sob a mesma lógica da "ditadura do público", sempre montava uma dramaturgia calhorda que deixava bem claro em que posição o espectador devia votar.

O interessante de perceber não é nem este fenômeno simplesmente, que era esperado (embora não precisasse ser tão descarado). Mas principalmente de que forma ele tem sido usado, e principalmente, que perfil ele tem demonstrado como opção do programa. Porque poderíamos supor que para a rede seria interessante, por exemplo, manter ao máximo as personalidades mais polêmicas, ou que tendessem a provocar escândalos ou cenas de alta dosagem dramática. Não tem sido este o caso. Com as saídas de Xaiane, Bruno e Cristiana o programa certamente excluiu suas personalidades mais marcantes (restou apenas Adriano). No entanto, embora isso pudesse parecer contraproducente num primeiro momento, se olhamos a postura da Rede com o programa desde o início (e falamos disso em outro texto), e em especial nas suas intervenções diretas (primeiro na voz de Pedro Bial, e depois com os convidados como Xuxa e Faustão), vemos que a opção da Globo é outra.

Tendo demonstrado desde o início um certo pudor e vergonha com esta "popularização" da sua programação, a Globo começou uma campanha de caça às bruxas para "elevar o nível" do programa, "passar uma imagem positiva aos amigos de casa". E, neste ponto, Xaiane, Bruno e Cris não ajudavam muito, como principais membros do time dos palavrões, dos barracos e das cenas fortes. Com todos eles, a Rede foi impiedosa. Precisamos ainda lembrar de Caetano, que não era personalidade assim tão forte, mas foi indicado logo na primeira semana quando o programa ainda não tinha fixado seus personagens (com suas "mensagens positivas" ele talvez tivesse ficado mais).

O próprio Caetano foi vítima de campanha maldosa. A edição do dia de sua eliminação apresentou um irônico e longuíssimo clipe de "amor" entre ele e a cadela Mole, que praticamente o taxava de louco e antisocial. Na semana seguinte, construiu-se a batalha da "piranha" Xaiane com a quieta Helena. Em seguida, Bruno teve realçado seus traços de preconceituoso e explosivo, enquanto Kleber foi mostrado como o bobalhão bondoso. E, finalmente, na semana passada a Globo se superou, com uma edição inteira do programa (na segunda feira) onde víamos o drama pungente da chorosa Estela.

Claro, a Globo não escreveu estas cenas, e claro também que boa parte destes personagens foram construção dos próprios participantes. Mas o poder na mão de converter os acontecimentos de 24 horas em vinhetas de 5 minutos com direito a trilha sonora e montagem dialética digna das melhores lições de Eisenstein não pode ser subestimado. O que a Globo tem feito dia a dia é mostrar na condução desta telenovela o mesmo moralismo disfarçado de "justiça" que sempre praticou em suas tramas ficcionais. Não se deve descontar aí o forte componente conservador da maior parcela do público dela, de fato. Mas esta é uma brincadeira de Tostines que nem convém começar.

Ao fim de tudo, a verdade é que isso tudo parece extremamente desimportante, afinal de contas que diferença faz para o mundo "sério" se amanhã será excluída Helena ou Alessandra no Big Brother Brasil? Certamente nenhuma. Mas o difícil de esquecer é que em 6 meses os nomes podem ter sido trocados para Lula ou José Serra, ou os equivalentes genéricos, e aí não convém esquecer o que o BBB ajuda a nos lembrar toda terça-feira. Plim plim.

Eduardo Valente