Cartas


Bruno Dumont

Olá!
Me respondam, por favor...Onde está Bruno Dumont, que não se ouve mais falar? Quero notícias de seus próximos filmes, projetos etc.
Um abraço e obrigado pela qualidade da revista!
Sidney (por e-mail)

Olá, Sidney
Depois de
A Humanidade, de 1999, que faturou os prêmios de interpretação no Festival de Cannes, Bruno Dumont não parece ter rodado um plano sequer. Atualmente, ele está com dois projetos, ambos pela produtora Tadrart. Um chama-se 29 Palms, e está em pré-produção. O outro chama-se The End, e está sendo roteirizado no momento. Os dois roteiros são de autoria do próprio Dumont.(RG)


Lavoura "muito-muito-demais"

A tragédia é originalmente grega e Raduan Nassar sorve nas primeiras obras desse gênero inspiração para sua história. Apesar dos pesares, nas tragédias a Vida se apresenta em seu incessante movimento, fazendo que o que esteja por vir, venha. É o império do inesperado, do acaso. Eros e Psiqué, Kaos e Cosmos, ordem e desordem, o simbólico e o diabólico, forças impetuosas, combustíveis do delírio humano, enchem os fotogramas de Lavoura Arcaica com imagens arrastadas e pesadas em função de uma montagem que peca pelo excesso, no afã de retratar com fidelidade o ambiente caótico da mente de André (Selton Melo): a quantidade de imagens com foco no primeiro plano e desfocadas no fundo chega a embriagar mesmo; é um bacanal com muito vinho e muita lente macro; a tela está cheia. Muitos planos fechados. Essa avalhanche de imagens desfocadas podem ser dramáticas e até ser um bom recurso para retratar o clima da narrativa, mas não chegam a ser poéticas apenas por essa aparência.

A transposição da narrativa escrita com a pena do escritor para aquela escrita com a câmera de Luiz Fernando de Carvalho tem seus méritos. Depois de assistir a Lavoura Arcaica você poderá chegar à conclusão que o livro homônimo de Raduan Nassar é muito bom. (Não se sinta culpado por isso nem se martirize por desejar sair correndo para um "round" com seu pai - ou o equivalente - ou para aquela trepada adiada com sua "irmã" ou o que isso possa simbolizar). Calma! "A paciência é a maior de todas as virtudes". Trazer a força da narrativa literária para os 24 quadros por segundo do cinema não é tarefa tranqüila. Poucos conseguiram com êxito. E uma empreitada dessas já pode ser considerada exitosa se funciona para abrir os apetites. E abre.

Na saída do filme, o desejo também pode se manifestar como um desejo de leitura; outros, instantaneamente, desejam o cheiro e o gosto de um bom expresso com creme, pão de queijo e brownie. Outros, inconscientemente, sem saber muito o porquê, assumem o olhar de um caçador que está pronto para capturar uma pombinha, dominá-la e depois devolvê-la à liberdade do vôo. Uma coisa é certa: quem está vivo sai de Lavoura querendo "traçar" alguém. Não como o pai (Raul Cortez) que preso aos grilhões da letra morta do discurso religioso, encontra-se, repentinamente dominado, diabolicamente, pelo seu próprio instrumento de trabalho. Mas, antes, "traçar" como André, o filho, que vive, simbólica e integralmente, o calor insuportável de sua constante paixão incestuosa.

O roteiro é denso e resulta em três longas horas de filme que, além de cansativas, me deixaram com os músculos das pernas endurecidos. Isso pode ter outra explicação. Talvez seja porque eu tenha passado o filme todo teso como André, cuja eloqüencia teatral pode ser resumida na paráfrase: "Eu sou o 'punheteiro' da minha própria história".

Enfim, Lavoura Arcaica é "muito-muito-demais", mas não chega a ser muito bom. Muito boa no filme é a cena em que Ana (Simone Spoladore), escapulindo da fúria castradora de sua mãe e de suas irmãs, dança para o seu destino trágico enfeitada pelos apetrechos colecionados pelo irmão. Fez o filme valer a pena. A pena de Raduan Nassar.

Guttenberg Lopes (por e-mail)