Bater ou Correr em Londres,
de David Dobkin

Shanghai knights, EUA, 2003


Desde as primeiras cenas desta continuação de Bater ou Correr (e para os que estejam se perguntando se precisam ver o primeiro para ver este, basta dizer que eu não vi o primeiro), uma coisa fica clara: o roteiro, entendido como encadeamento narrativo e desenvolvimento de personagens, não terá a menor importância nem por um segundo. Porque Bater ou Correr em Londres é um filme que obedece a uma lógica muito mais perto do cartoon do que do cinema de ação: tudo é possível, nada é implausível ou sem lógica. E esta é uma de suas principais qualidades. É delicioso ver, na verdade, como um filme que tem toda a sensação de um autêntico filme B é hoje em dia produzido com pompa, circunstância e milhões de dólares por Hollywood. Só que, para sorte dos realizadores e a nossa também, sem nunca perder com isso nem um pouco da sua graça.

Há três segredos para o sucesso deste filme dentro das convenções do gênero que se propõe a seguir: o primeiro e mais importante é a química irretocável entre seus dois protagonistas. Que Jackie Chan é uma das figuras mais divertidas a jamais aparecer numa tela de cinema, isso nós sabemos, e sua persona ficou especialmente farsesca após a ida para os EUA (a notar como ele ri de sua própria dificuldade com a língua). O humor "cool" de Owen Wilson funciona às mil maravilhas como oposição à ação de Chan. Wilson tem a fonte do seu humor nos tempos inesperados, nas frases autocríticas e sempre referenciais, e os dois tipos de piada se complementam muito bem, como pode se ver na cena da guerra de travesseiros, uma das melhores do filme.

O segundo segredo do filme é deixar Chan à vontade, exercendo o máximo da sua criatividade nas cenas de luta, que estão novamente (após o fracassado Terno de um Bilhão de Dólares) cheias de frescor, graça, e um autêntico maravilhamento. A primeira luta depois da ida dos personagens para a Inglaterra, com uma homenagem a Cantando na Chuva, é sensacional. E o terceiro segredo está exatamente na Inglaterra. Brincando com todo tipo de concepção sobre o país, o roteiro consegue nos fazer constantemente identificar citações (que vão da trilha sonora a personagens secundários), e torná-las engraçadas pelo deslocamento temporal inesperado (o filme se passa no fim do século XIX): há o uso de locações como Stonehenge, o Palácio de Buckingham ou o Big Ben, e citações a figuras como Jack o Estripador, Sherlock Holmes e Charles Chaplin. Todas elas funcionam muito bem, deixando o filme seguir um ritmo delicioso.

A junção de cada um destes elementos faz de Bater ou Correr em Londres um filme do qual dificilmente se lembrará muita coisa no final da sessão, mas certamente saberemos que nos divertimos muito enquanto assistíamos. E que assistiríamos de novo sem problemas. Não é pouca coisa.

Eduardo Valente