Samsara, de Pan Nalin

Samsara, Índia/Alemanha/França/Itália, 2001

Tema tão velho quanto a humanidade, a busca do equilíbrio entre a iluminação espiritual e a satisfação das necessidades terrenas e carnais foi o ponto central de A Ultima Tentação de Cristo, obra-prima de Martin Scorsese. Sendo este um dilema caro às mais diversas crenças, não é surpreendente que tenha surgido um filme a abordá-lo sob o prisma da filosofia budusta, como o caso deste Samsara, trabalho de estréia na ficção do indiano Pan Nalin.

Mas se a abordagem cristã do diretor americano transbordava em ambiguidade e questionava a seu modo a concepção dogmática de um Cristo oficial, Nalin parece na maior parte de seu filme reforçar conceitos básicos do budismo ao contar a história de Tashi, um monge que, após anos de confinamento e meditação, assume sua função no mosteiro e se vê compelido a trocar a vida monástica pelo mundo real, inspirado pela imagem feminina de Pema. Com ela Tashi se casa, constitui família, acabando por causar uma espécie de revolução na secular e estagnada estrutura sócio-econômica de sua aldeia. E se o Cristo de Scorsese, mesmo reconhecendo sua condição de filho de Deus e líder espiritual, parece quase empenhado em reforçar sua condição e falibilidade humana, o Tashi de Pan Nalin parece fazer um trajeto inverso, sendo mostrado como dotado de uma espécie de força superior ou excesso de consciência, mesmo em momentos de questionamento ou fraqueza.

Se no tema central Nalin demonstra afinidade com o Scorsese de A Última Tentação, a condução do filme está mais para Kundun (possivelmente o momento menos feliz da carreira de Scorsese), imersa em didatismo e previsibilidade, possivelmente um reflexo de sua trajetória pregressa como documentarista. A primeira parte de Samsara é uma mistura de lição de doutrina com filme etnográfico, retratando a rotina e os costumes do monastério. Já a segunda parte, com a vida de Tashi e Pema na aldeia, mais parece um novelão, recheado de uma sucessão de episódios climáticos, banhados em algum erotismo, culminando com uma no mínimo curiosa cena de sexo, na qual Tashi trai a esposa com uma jovem e bela empregada de sua fazenda, fato fundamental para que o protagonista resolva assumir novamente sua condição espiritual e regressar ao templo.

É somente então, durante o diálogo final entre ele e Pema, no qual esta destaca o desvalorizado papel de renúncia da mulher na ideologia budista, que o diretor parece conseguir criar um clima de questionamento e ambigüidade. Mas é tarde, pois então já se passaram duas horas e quinze de tédio e redundância. E se filmes sobre temas budistas costumam apresentar-se convencionais ou até enfadonhos mesmo quando conduzidos pelas mãos experientes e talentosas de um Scorsese ou um Bertolucci, o que não dizer quando feitos pelas mãos pesadas deste Pan Nalin?

Gilberto Silva Jr.