O Chamado,
de Gore Verbinski

The ring, EUA, 2002


O Chamado não faz o menor sentido. Até aí, nada demais. Quantos filmes não fazem, por assim dizer e de forma racional, "o menor sentido", e mexem conosco. O problema é que O Chamado se estrutura todo em torno de uma obsessão em fazer sentido. Em pegar o que causa medo, o sobrenatural, e torná-lo foco de uma investigação de fundo criminal-psicanalítico, onde no final tudo fará sentido. Só que, quando completa a sua resposta ao enigma (que é uma resposta moralista e banal, mas é uma resposta), o filme joga ela no lixo em troca de uma reviravoltazinha final, como anda na moda em Hollywood, um susto barato, que tira todo e qualquer sentido que o filme possa ter tido até então. Se toda a validade do que assistimos até então é esgotada, fica a constatação: o filme mesmo não se leva a sério. Porque deveríamos nós então fazê-lo?

Não, aliás, que o que víssemos até esse final tivesse muito interesse: O Chamado parece prova de carteira de motorista, onde um aplicado aluno tenta mostrar obsessivamente que sabe dirigir... um filme de suspense. Cada cena parece estudada para mostrar domínio de ângulos, climas, movimentos de câmera... muito barulho por nada. Verbinski, diretor absolutamente de aluguel e sem qualquer estilo próprio, resolve aqui chupar tudo da cartilha milionária de M. Night Shyamalan (o fundo sobrenatural, a presença de um garotinho sinistro, uma fantasma-criança, a fotografia extremamente contrastada e quase anti-natural, os movimentos de câmera e enquadramentos), sem contudo ter entendido nenhum dos filmes dele, pois deixa de fora os jogos de sentido com as convenções de gênero, a preocupação com um universo onde as regras do filme façam parte de uma concepção maior que rege os personagens, ou até mesmo a capacidade de criar alguma transcendência com suas "imagens sobrenaturais". Estas imagens, diga-se, são especialmente risíveis. A árvore avermelhada, o conteúdo da fita que mata as pessoas, a fantasma engatinhando para fora da tevê, os desenhos, tudo parece vir de um catálogo genérico de "imagens assustadoras", usado sem qualquer critério.

O Chamado é, antes de tudo, a demonstração da capacidade de Hollywood pegar uma obra bem sucedida e interessante (no caso, O Sexto Sentido) e torná-la um molde onde se pode encaixar qualquer outra história, desde que realizada por um competente copista que domine os meios de filmagem. E tornar este filme, também, num enorme sucesso. Ainda que para isso prescinda de qualquer originalidade, coerência interna ou inteligência. Esse sim é o grande segredo de O Chamado.

Eduardo Valente