Poucas e Boas,
de Woody Allen


Sweet And Lowdown, EUA, 1999

Aproximação ao Emmet Ray

Mais um filme de Woody Allen que chega ao Brasil com uma certa defasagem desde a data em que foi lançado até finalmente aparecer por aqui, neste Poucas e Boas o diretor parece ter voltado a acertar a mão.

Notório apaixonado por jazz, Allen inventa a história de um certo Emmet Ray (Sean Penn, ótimo), que seria considerado o segundo maior violonista neste estilo musical de todos os tempos. Sim, segundo, porque o primeiro mesmo continua sendo Django Reinhardt (este, figura histórica), contemporâneo de Ray, o que causava reações controvertidas no rapaz. Há, inclusive, várias situações, retratadas no filme, em que a "tradição" conta um suposto encontro entre os dois: Ray sempre teria ou desmaiado ou chorado ao ver Django, seu maior rival e, ao mesmo tempo, maior ídolo.

As "informações" a respeito do músico são escassas e algumas vezes contraditórias, e Allen se sai bastante bem ao driblar esse problema, conferindo ao filme um caráter episódico, em que os hiatos de tempo são preenchidos por depoimentos e opiniões do próprio diretor e de outros músicos e pretensos conhecedores. Cada situação, ou, se preferirmos, ‘causo’, é filmado com primor: a época (anos 30) emerge em todas as suas cores e a atuação de Penn é maravilhosa, tornando Poucas e Boas deliciosamente engraçado.

Alguns têm comparado esse filme a um outro de Allen, Zelig, um pseudo-documentário sobre um homem que se podia mudar de aparência conforme o meio em que estivesse; outras historietas que narram a trajetória de figuras falsas já renderam um bocado de produções, nem todas elas para o cinema (This is Spinal Tapou The Rutles). "Poucas e Boas", porém, parece ocupar um outro lugar: ele tem menos um caráter de documentário no sentido em que o que vemos ali é sabido não ser a realidade, mas uma simulação, uma encenação. Ou seja, que ao contrário de um Zelig, em que o personagem fictício era identificado com o próprio Woody Allen – que o interpreta – jamais se perde de vista aqui que Emmet Ray não é Sean Penn, mas que está havendo a recriação de uma realidade (falsa): o que há é uma cinebiografia de pessoa inexistente.

O que foi feito em Poucas e Boas é mais ou menos o que Borges fez em seu famoso ensaio "Aproximação ao Almotásin": a apreciação de uma obra que não existe. O pulo do gato se encontra justamente no fato de que não há necessidade alguma de que a referência seja verdadeira para que a sua apreciação seja genial, como é o caso do ensaio do escritor argentino. E mesmo se o filme de Allen não chega a ter traços de genialidade, ainda assim é, com certeza, uma pequena pérola do cineasta nestes tempos em que seu cinema não anda lá essas coisas.

Juliana Fausto