O Chamado de Deus,
de José Joffily


O Chamado de Deus, Brasil, 2000

Antes de falar de um filme intitulado O Chamado de Deus, acho necessário esclarecer que, tendo recebido a educação católica que se impõe majoritariamente no Brasil, nutro hoje pelas disposições religiosa e clerical um sentimento buñuelesco. Ou seja, não sou especialmente simpático às idéias religiosas. E, aliás, revi Viridiana esta semana, e isso certamente deve influenciar este texto.

Quanto ao filme, O Chamado de Deus, eu achei bem forte. Achei forte, mas em várias horas fiquei em dúvida se achava bom. Ok, são evidentes as influências de Santo Forte e das escolas de documentário brasileiras, como o Globo Repórter ou mesmo os documentários urbanos do Cinema Novo. Mas o filme se deixa envolver por seus personagens, e, mais que isso, age como um repórter investigativo, que confronta seus depoentes.

Isso rola em documentários investigativos de fatos, às vezes. Mas um filme que parte de fatos para fazer uma investigação sobre opções, opiniões pessoais e suas causas, normalmente vale aquela máxima de "não tirar conclusões", de não precipitar ao espectador conclusões de fatos ou idéias. É a tradição, é o que mandam os "bons modos".

O filme do Joffily "não tira conclusões"? Tira sim. O filme termina com dúvidas, isso certamente, o filme termina sem indicar quais "as soluções" ou "as opções certas", mas há todo um percurso, que inclui a confrontação de idéias e de opções, que segue opiniões e interesses do narrador, que julga "carismáticos", "sociais" e o padre Marcelo Rossi através das imagens que nos mostra. De uma maneira com a qual eu às vezes até me identificava, como quando ele perguntava para uma mãe, candidamente, por quê ter religiosidade, e ouvia a resposta igualmente cândida, "porque senão não dá, né"? Mas a antipatia pelos "carismáticos" transparece, e nem acho isso errado. Se o narrador tem uma opinião, tem mais é que evidenciar, a neutralidade total não existe.

De todo jeito, a princípio me incomodou no filme o interesse excessivo pelo espetaculoso, essa coisa de ir atrás das mulheres escandalosas dos eventos no maracanã, é sem dúvida engraçado ver uma mulher gritar "Jesus, Jesus!" como quem grita o nome do seu time, exatamente no mesmo local, mas isso às vezes me parecia meio afoito, gratuito. Me incomodava também a disposição de mostrar as emoções aflorando nas pessoas, me parecia apelativo.

Mas acabou que eu gostei bastante disso, porque eu acabei vendo nisso um gesto de coragem, de querer descobrir as coisas de fato. Da mesma maneira que o narrador vê uma cisão na comunidade religiosa, entre carismáticos e 'sociais', há um fosso que separa convenientemente nossa elite metropolitana do mundo religioso. O Joffily declarou que fez o filme querendo aprender, nas palavras dele "ficar menos burro", o que é uma declaração daquelas que levantam a bola prá maldade alheia, mas ele merece que gente reconheça que a narração segue um caminho de descoberta, de aprendizado. Isso é muito bacana. Achei que o filme mostra coisas muito significativas, e acabou que por isso achei bem legal. Que bom que o Joffily aprendeu bastante durante as filmagens, e o maior e mais merecido elogio que se pode fazer ao seu filme é que a gente acaba com a sensação de que ele conseguiu que a gente aprendesse também.

Daniel Caetano