A Nova Onda do Imperador,
de Mark Dindal


The Emperor's New Groove, EUA, 2000

O último filme da Disney (Tarzan) já saiu de cartaz faz algum tempo e o novo blockbuster (Atlantis) ainda vai demorar um pouco para ser lançado, o que quer dizer que estamos em temporada de entressafra; e para esse período de transição, enquanto aguardamos o verão – americano, claro – para vermos a nova "obra-prima" de animação (provavelmente cheia de números musicais de Celine Dion e lições de moral – mesmo que muitos afirmem o contrário devido à presença do hypado Mike Mignola na realização) o estúdio brinda seus espectadores com um petisco, esse A Nova Onda do Imperador.

Kuzco, um imperador de algum lugar na América Central – o visual é uma miscelânea de todos os clichês astecas, incas e maias – é um rapazola metido e sem compaixão. Logo no início o vemos mandando um senhor bem idoso ser atirado para fora do palácio por ter cortado a sua "onda" (groove, no original); onipotente, ele parece querer exercer a sua liberdade até as últimas conseqüências. Mas... claro, há lá uma vilã bem ao gosto do estúdio, magrinha e velhota, Yzma, a conselheira de Kuzco, que, ao ser despedida por ele, resolve assassinar o imperador com seu ajudante, o aparvalhado e fortão Kronk. Algumas peripécias e, ao invés de morto, o rei é transformado numa lhama e, graças à piedade de Kronk – que prefere conversar com esquilos e cozinhar a ter de usar a força física - , salva-se mais uma vez e acaba na traseira da carroça de um camponês, Pacha. Foi a esse mesmo camponês, aliás, que, alguns momentos antes, Kuzco anunciara a destruição de sua aldeia, a qual daria lugar a um parque aquático para uso exclusivo do imperador. A partir daí, segue-se a intriga clássica: na jornada de volta para o palácio, Pacha ensina meia dúzia de valores a Kuzco (aliás, da dupla animada as piadas vêm sendo comparadas àquelas de Hope e Crosby); o caminho de volta para casa é o seu caminho de humanização (em dois sentidos, já que precisa, além de conquistar a sua humanidade, reconquistar o seu corpo humano, e, é óbvio, uma é premissa para a outra).

O que poderia ser mais uma animaçãozinha com moral de superfície da Disney é, na verdade, muito interessante. Por causa do orçamento e pretensões menores que seus primos de verão, há um espaço maior em A Nova Onda... para experimentações e nonsense, elementos estranhos que provavelmente seriam cortados de um Rei Leão, por exemplo. O estilo da narração, em primeira pessoa até a metade – no começo é um Kuzco-lhama abandonado que conta a sua desgraça – é lapidar e possui várias piadinhas metalingüísticas do tipo que anda a pipocar pelos roteiros em Hollywood nesses tempos, porém sem cair na repetição ou obviedade que inunda os tais roteiros. O rei-lhama chega a interromper a exibição do filme uma vez, para reforçar que é a sua história trágica que está a ser contada, e não a de Pacha, e faz isso pausando a animação e simplesmente rabiscando, no quadro imóvel, o desenho do aldeão e envolvendo o seu com uma caneta vermelha, se sublinhando. Em outro momento brincam com lugares-comuns de perseguições: após um bocado de encrencas e correria para chegar até o palácio, onde se encontrava a fórmula capaz de lhe devolver seu corpo, Kuzco chega mas é surpreendido por Yzma, que já havia preparado uma armadilha, mesmo tendo ficado muito para trás no caminho. Ao ser inquirida pela maneira como havia conseguido chegar ali antes do herói, ela se esquiva da resposta: não há resposta alguma, é só que o malvado sempre chega ao covil antes do mocinho!

E, se a Disney ainda insiste nas suas histórias de formação, pelo menos em A Nova Onda do Imperador vem mostrando que pode, quando quer, inovar na linguagem e realizar um pequeno filme delicioso.

Juliana Fausto