O Show Não Pode Parar,
de Brett Morgen e Nanette Burstein


The Kid Stays In The Picture, EUA, 2002

Uma versão dos fatos. É essa a proposta, e certamente um dos méritos de O Show Não Pode Parar. Assumir a visão pessoal de seu personagem central, o outrora influente chefe de produção da Paramount Robert Evans, é o que leva o filme a distanciar-se, ao menos parcialmente, de um modelo de documentário consagrado pelo padrão "Por Trás da Fama". Digo parcialmente porque, se a utilização de uma narrativa em primeira pessoa consegue evitar o repetitivo padrão de uma "neutralidade jornalística" tão comum ao documentário americano, a estrutura central do filme não foge a uma linha sequencial que acompanha a vida do biografado focando-a em: acertos-erros-redenção.

Masa figura e a trajetória de Robert Evans são suficientemente interessantes e reveladoras a respeito de um momento especialmente rico do cinema americano. Principalmente por ser um personagem que marca a transição entre o fim da era dos todo-poderosos magnatas de estúdios da Hollywood até os anos 1950 e o modelo de administração executivo-corporativa que viria a imperar a partir dos anos 80. Como a época de atuação de Evans, as décadas de 60 e 70 que configuram justamente o hiato entre os dois modelos gerenciais, ele parece ser um de seus modelos mais ilustrativos.

Não coincidentemente, o início da trajetória de Robert Evans no cinema é marcado pelo encontro com dois dos mais célebres tycoons de Hollywood: Irving Thalberg (através de sua viúva, a atriz Norma Shearer, que descobre Evans em uma piscina, impressionada por sua semelhança física com o marido e o convence a iniciar uma carreira de ator, interpretando justamente o papel de Thalberg) e o manda-chuva da Fox, Darryl F. Zanuck (autor da frase que dá o título original ao impor a permanência de Evans no filme O Sol Também de Levanta, a despeito da insatisfação de seus colegas de elenco). Ao desejar tornar-se um produtor, Evans tinha declaradamente Thalberg e Zanuck como modelos, mas sua época já havia terminado.

Quando Evans assume, em meados dos anos 1960, importante cargo na então decadente Paramount, Hollywood era assombrada pelo fantasma da concorrência da televisão, e as corporações começavam a lançar seus braços sobre a indústria cinematográfica. Mas ainda havia uma indefinição de direcionamento comercial, o que certamente criou espaço para um cinema de características autorais, que teve seu auge nos anos 70. O fenômeno Guerra nas Estrelas acabou impondo uma visão dos filmes como produtos mercadológicos de forma mais intensa e, desta forma, uma visão de chefes de produção igualmente mais mercantilistas. Como já disse, Robert Evans conseguiu ser um híbrido dos dois modelos, meio tycoon, meio executivo, e sua decadência (também determinada por fatores de ordem pessoal), coincide com a segunda metade da década de 70.

Acima de tudo, Evans tinha, ou ao que parece ainda tem, um ego do tamanho do universo. E o filme deixa isso bem claro. Ao apresentar sua versão dos fatos, certamente maximiza a importância de sua participação na produção de grandes filmes como O Bebê de Rosemary ou O Poderoso Chefão. Mas é justamente em apresentar este ego inflado que reside a veracidade do filme, pois egos inflados, sem dúvida, nunca faltaram numa Hollywood regada a dinheiro farto e cocaína. Robert Evans parece ser o emblema de toda uma época, o que faz de O Show Não Pode Parar, considerando suas virtudes e suas limitações, no mínimo uma peça de interesse a quem quer melhor conhecer ou compreender um pouco da história do cinema americano. Um filme, assim como seu personagem, de facetas múltiplas e contraditórias, sintetizadas na hilária imitação de Evans feita por Dustin Hoffman que acompanha os créditos finais.

Gilberto Silva Jr.