Império, de Franc. Reyes

Empire, EUA, 2002

As grandes obras cinematográficas (como de resto de todas as outras artes), aquelas que definem, ou redefinem, os modelos de produção e criação estética, estão sempre colocando novos desafios aos realizadores que vêm depois delas, pois estes passam a ter um manancial muito maior de referências com que lidar. Se, por um lado, estas referências permitem alguns diálogos sempre interessantes e muito engrandecedores para o cinema como um todo, muitas vezes elas acabam criando certos "monstrinhos" pelo simples desejo de emular ou estabelecer diálogos que simplesmente não soam nada naturais. É o caso do filme de Reyes (e, sim, não há erro de datilografia não, tem um ponto depois de seu primeiro nome): se fosse só fruto do desejo do diretor de falar dos novos grandes criminosos do mundo (pós) moderno, os homens dos negócios virtuais e financeiros, em oposição aos velhos criminosos representados pelo traficante de drogas, o filme podia até encontrar uma ressonância inegavelmente rica com o momento atual das economias mundiais, ainda mais num retrato interessante do ideal yuppie de vida boa como modelo reproduzido pelas minorias.

No entanto, isso não bastou para Reyes, porque havia por trás dele o fantasma de Martin Scorsese e sua obra. E, ao obsessivamente tentar emular a obra do cineasta ítalo-americano, o filme de Reyes acaba só provando a tese de que a grandeza de um trabalho não vem só de um tema ou de um formato, e sim da maneira como estes são articulados cinematograficamente pela mão de um artista e seus colaboradores. De fato, as semelhanças entre este filme e os trabalhos de Scorsese que lidam mais diretamente com a questão do funcionamento de um grupo de marginais e as relações entre eles (principalmente Os Bons Companheiros e Cassino) são tão grandes, que em certos momentos parece mesmo que parodiam os trabalhos. Mas, passa longe das intenções do cineasta o registro da sátira, então acaba que seu filme consegue somente resultar limitado. O equívoco vai desde o trabalho bastante fraco com os atores, até uma incapacidade de dominar o tipo de narrativa ao mesmo tempo épica e extremamente pessoal que marca estes filmes de Scorsese. Se Reyes decidisse pelo caminho do pessoal, tinha material para talvez realizar um retrato tão pungente quanto o de um R X-Mas, de Abel Ferrara. Mas a tentativa quase obcecada de imprimir um tal "sentido maior"a seu personagem e àqueles que o cercam (onde funcionam especialmente mal tanto os amigos traficantes quanto o jovem investidor da bolsa, mas um Oscar do ridículo precisa ser separado para a mega-traficante que Isabella Rossellini tenta interpretar) passam rasteiras o tempo todo no filme de Reyes, que acaba soando bastante inadequado. Quando tenta ser épico, Reyes é somente óbvio, reiterativo (toda metáfora visual é explorada ao absurdo) e ainda tem um ritmo claudicante (o que, em Scorsese, é imperdoável), principalmente pelo uso do "voice-over", um dos elementos da linguagem cinematográfica mais difíceis de ser super-usado sem se tornar óbvio (outra marca, aliás, do cinema de Scorsese).

Em suma, não se sabe se o problema vem do ponto depois do nome Franc, mas o fato é que Reyes parece muito mais preocupado em parecer um diretor "malandro" do que em seguir de perto seus personagens. Isso, geralmente, não termina bem, e nada neste filme nos prova o contrário. Talvez no próximo filme Reyes queira mais filmar uma história do que se mostrar um novo "alguém". Tomara.

Eduardo Valente