A
Hora Marcada,
de Marcelo Taranto
A Hora Marcada, Brasil,
2000
Os primeiros dez minutos de A Hora Marcada
são representativos de boa parte do que geralmente "está
errado" (com todos os equívocos que um julgamento de valor
destes carrega) com o cinema brasileiro que pretensamente tem se produzido
tentando um diálogo com o público. Há, de fato, um
prólogo do filme que é todo sem diálogos, apenas
música e imagens, e que retrata uma corrida de cavalos. É
uma seqüência muito boa, Taranto demonstra ritmo, demonstra
domínio da mise-en-scène. Demonstra basicamente que
"sabe filmar". Ótimo, isso parece ser uma obsessão
recorrente do novo cinema brasileiro, mostrar que sabe filmar. Mas é
uma boa introdução, instigante até. Aí os
personagens começam a falar, e a contradição toma
conta: o diretor até sabe filmar, só não sabe o
que filmar!
Estas tentativas de "cinema de gênero"
no Brasil tem esbarrado, muito mais do que numa possível falta
de "know-how" (que era o clichê sobre o cinema brasileiro),
numa falta de "know-why". Nas cenas efetivas de ação,
como o seqüestro, como a corrida, tudo sai perfeitamente bem. Mas
é quando os personagens precisam falar, se comunicar, criar uma
relação com o público, que A hora marcada fracassa
redondamente. E se utilizo esta expressão forte é porque
a meia hora final do filme não pode ser descrita de outra maneira.
Pretensamente criando um anti-herói
(um Felipe Barreto daqueles que "amamos odiar" como Fagundes
interpretou tão bem na novela O dono do mundo), Gracindo
Jr. consegue tão somente interpretar um personagem antipático.
Que não consegue ser odiado nem amado pela platéia, e isso
já acaba minando as forças do filme, que centra-se na sua
figura. Mas isso não se deve apenas à sua atuação,
de forma nenhuma. Se deve principalmente a um roteiro que não consegue
dar uma fala de "verdade" (ou seja, somente aquelas que enquanto
o ator fala você não pára de imaginar o roteirista
digitando no computador...), que não consegue estabelecer um conflito
dramático efetivamente interessante, que não consegue sequer
se definir sobre o que pretende enquanto obra.
Esta indefinição é outro
sério problema do cinema brasileiro, com sua tradição
"autoral". Recentemente sofreram do mesmo mal Condenado à
Liberdade e O Dia da Caça. O diretor não consegue
apenas realizar um filme policial de acordo com o cânone do gênero.
Ele precisa imprimir "sua marca", ser "artista" acima
de tudo. Assim, o tempo todo o filme parece querer significar "mais",
e com isso não dá atenção à trama nem
tem substância que a supere. Há citações de
Shakespeare (ecos de Macbeth e Hamlet), Fausto via
Sétimo Selo, em suma, tudo aquilo que um bom filme policial
não precisa, a não ser que muito no subtexto, e não
chamando a atenção para si o tempo todo. As cenas com a
figura da Morte ficam absolutamente equivocadas por terem este substrato
"simbólico" tão exagerado, tão over
quanto a trilha sonora do filme.
E assim o filme vai tropeçando, perdendo
totalmente o interesse do espectador, até um final completamente
surreal, onde o diretor parece não resistir aos sobrenomes parecidos,
e começa um processo Tarantinesco de retratar uns bandidos cheios
de diálogos despropositadamente cômicos, até tudo
acabar num tiroteio em que uns matam os outros, tal e qual em Cães
de Aluguel. É difícil descrever o que acontece com o
filme neste momento, de verdade. Só se pode lamentar ver atores
como Osmar Prado e Tonico Pereira em seguidas cenas constrangedoras de
"overacting" e de completa falta de motivação.
Os motivos dos personagens são os mais clichês e desinteressantes,
e nada consegue mais recuperar o público.
O fato é que este cinema brasileiro
"aprendeu" a fotografar, "aprendeu" a fazer som, até
mesmo a filmar. Mas não aprendeu a desenvolver sua narrativa de
forma efetivamente direta, não aprendeu a ser mais humilde e menos
"significativo", e acima de tudo, não aprendeu a filmar
com motivo, com tesão. Não há verdade ou paixão
nenhuma, não há urgência em contar esta história,
não há exploração maior do país hoje,
dos personagens hoje. Em suma, há um bolo de noiva mal resolvido
e que dificilmente será filme de contato com o público enquanto
não perder os pudores de sê-lo. Por muitos anos o brasileiro
tinha uma boa desculpa: tecnicamente éramos inferiores aos americanos,
por isso os filmes tinham que se diferenciar. Agora, depois de tanto esforço,
a técnica está apreendida. Faltou perceber estes anos todos
que a técnica era apenas o meio e não o fim. E agora são
mais alguns anos perseguindo uma dramaturgia, uma linguagem narrativa,
uma ponte de fato com o público.
Eduardo Valente
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