Efeito
Colateral,
de Andrew Davis
Collateral
damage, EUA, 2002
É inevitável que ao se falar do novo filme de Schwarzenegger,
na mesma hora se discuta o estado das coisas nos EUA e em especial no
cinema americano, pós-11/9. Isso porque o filme ficou famoso como
o primeiro a ser considerado "inadequado" a ser lançado logo devido
aos acontecimentos, e durante um certo tempo chegou a ser discutido até
o seu não-lançamento. Finalmente "liberado" para ser assistido,
a primeira revelação do filme é que dificilmente
ele pareceria mais "adequado", uma vez que toda sua lógica é
justamente a do homem americano superando o trauma de um atentado terrorista,
demonstrando todo seu heroísmo e capacidade de reação.
Chega a ser interessante pensar que o filme estava pronto antes dos atentados,
de tão perfeito que ele soa como um "consolo" ao americano médio.
Logo após os
atentados, discutiu-se muito se o cinema americano passaria por uma mudança
onde o velho herói indestrutível que toma a justiça
em suas mãos (como o Bruce Willis de Duro de Matar, ou como
quase toda a carreira dos anos 80 de Stallone e Schwarzenegger) estaria
ultrapassado. A discussão é absolutamente equivocada, uma
vez que esta figura já estava ultrapassada nos próprios
anos 90, década claramente "democrata" e não republicana.
Willis e Schwarzenegger investiram numa carreira principalmente auto-irônica,
onde sem dúvida Willis se mostrou o mais adequado à comédia.
Stallone virou um ator de terceira classe justamente por não conseguir
fazer esta passagem. De uns anos para cá, Schwarzenegger tentou
voltar à imagem de super-homem em filmes como Sexto Dia e
Fim dos Dias, que fracassaram financeiramente. Parecia então
o sepultamento final desta figura. Talvez o que Efeito Colateral marque
seja justamente a volta do herói americano típico dos anos
80. Pareceria adequado ao estilo do presidente que possui tamanha popularidade
atualmente.
Quanto ao filme em
si, ele parece surpreendentemente ingênuo, quando comparado a uma
propaganda militarista calhorda como Atrás das Linhas Inimigas.
A persona de Schwarzenegger, mesmo em seus filmes mais típicos,
sempre foi a do homem em busca de justiça que de outra forma não
conseguiria. Basta se comparar Comando para Matar com Rambo
ou Conan e O Sobrevivente com Stallone-Cobra
para se ver que o austríaco nunca foi o "garoto-propaganda" da
ultra-direita americana armamentista como Stallone o era. Este novo filme
se parece muito com um Sexto Dia em sua ingenuidade. Seu tratamento
do tema do terrorismo e da intervenção americana no exterior
é tão inconseqüente quanto a do outro filme sobre clonagem.
Ele simplesmente usa o pano de fundo da realidade para criar motivo para
cenas de ação absurdas e o triunfo do herói justo.
Como o outro filme fazia com a clonagem, há menções
aos complicados delineamentos e consequências da política
exterior americana, há figuras dúbias de ambos os lados,
há perguntas levantadas que talvez pós-11/9 não houvessem.
No entanto, elas são todas jogadas fora para não atrapalhar
a ação descerebrada.
Não há
motivo de fato para qualquer revolta contra o filme, pois a imagem que
ele vende do herói positivo chega a lembrar o clássico herói
Carpenteriano que toma em suas mãos a ação, como
um renegado. É verdade que há uma diferença enorme
entre os dois, que é o fato de que o herói em Carpenter
é sempre um fora-da-lei autêntico, enquanto a persona de
Schwarzenegger representa o homem comum, devedor das leis, que não
se vê defendido pelo Estado. No entanto, não se pode dizer
que o filme abrace indiscriminadamente uma certa ideologia pró-americana
tanto quanto seja apenas idioticamente leviano. Claro, os terroristas
são maus que nem pica-paus e Schwarzenegger é inatingível,
mas o fato ao fim do filme é que isso parece no máximo um
anacronismo, uma tentativa de evocar um tempo de segurança, auto-controle
e domínio que hoje não mais existe.
Acaba sendo o momento
mais simbólico do filme um detalhezinho que parece ter passado
despercebido na edição de som para o lançamento,
que já devia estar pronta antes dos atentados do World Trade Center.
Tendo desarmado o ataque terrorista no final do filme, enquanto o herói
caminha triunfal ouve-se ao fundo a cobertura da TV que diz que "os esforços
deste homem evitaram o maior desastre na História americana". Não
só a noção do que seja o "maior desastre" ficou ultrapassada
como infelizmente não havia nenhum Schwarzenegger em ação
na hora do verdadeiro maior desastre da História americana. E esta
narração ficou tão velha quanto esta noção
de segurança. Mas talvez seja a esta ilusão que os espectadores
americanos resolvam se abraçar. A ver.
Eduardo Valente
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