Ecos do Além,
de David Koepp


Stir Of Echoes, EUA, 1999

Beleza Americana

A última frase do filme de David Koepp ressoa um bocado. "Essa é uma vizinhança decente", diz o pai do menino que acaba de tentar o suicídio por não sustentar mais uma mentira que parece a todos apavorar. É essa mentira a história do filme, a histórica mentira da bela convivência americana, o fascismo comunitário dos belos rostos, do belo físico e do belo futuro dos meninos bem nascidos e alimentados que terão um belo porvir como desportistas do football americano. Sim, é essa falsa beleza americana que Kevin Bacon, homem comum tornado herói — tornado louco —, deverá descobrir. E no diagnóstico consegue ser muito mais admirável do que o oscarizado filme de Sam Mendes: não é o olhar cínico e derrisório que serve para melhor dar conta do "mal estar na cultura" americano, mas a adesão nessa cultura e o levar às últimas conseqüências essa adesão que vai fazer explodir os belos rostos dos americanos — e veremos que isso o filme realizará literalmente no final.

Kevin Bacon e sua família, um casal e um filho, são recentes moradores da vizinhança, e tentam se adequar ao modo de vida da cidade. Festas na rua, conversas sobre o futuro dos meninos, congregação comunitária no jogo de futebol americano. O filho desse casal, no entanto, vê mais que os outros vivos: ele vê os mortos. Mas não é o "I see dead people" de O Sexto Sentido o que conta em Ecos do Além, apesar da comparação fácil pelo tema, mas um tanto infeliz porque um não tem necas a ver com o outro. O menino-médium, então, vê os mortos. E o que trazem os mortos? A verdade. Mas a grande pergunta do filme é: "Quem quer a verdade?" Sempre, sobretudo nos filmes americanos, se busca a verdade, sempre a verdade, a verdade a qualquer preço. Em Ecos do Além, o mundo dos vivos quer permanentemente expulsar a verdade a qualquer custo; quem procura a verdade vem dos mortos. Vem dos mortos na figura de uma menina-espírito, que fala com o menino-médium. É através dele e de Kevin Bacon, recentemente tornado médium por uma (sem graça e de mau gosto) operação de hipnose, que a menina conseguirá, aterrorizando incessantemente o casal e transformando a casa num hospício, trazer a verdade à tona.

"São os nossos belos filhos os responsáveis por toda a monstruosidade do mundo", poderia ser a mensagem do filme. E é uma bela lição à sociedade pós-industrial, como sempre foi em toda e qualquer sociedade. E o roteiro, especialidade de David Koepp, é primoroso. É na passagem à tela que ficam as falhas. Se em Olhos de Serpente Koepp teve um verdadeiro cineasta para trazer o mesmo tema a tona — dessa vez a verdade no âmbito do olhar, eterna ambição e procura de Brian de Palma, em Ecos do Além Koepp depende de si mesmo para utilizar criativamente o excelente roteiro que produziu. Mas com imagem ele não fala tão bem quanto com palavras. Vai daí que o resultado cinematográfico é irregular, as "visões" de Kevin Bacon usando artifícios por demais já conhecidos, o "fantasma" tendo a mesma aparência de sempre nos filmes de fantasma, em suma, o brilho da encenação não aparece. Mas os baixos do filme são em muito recompensados pela agilidade da trama, em que cada ponto se encaixa direitinho em outro, e depois em outro. Longe da estereotipia um tanto imbecil de Beleza Americana (todos os milicos são viados, todo americano de meia idade é um voyeur brocha, todo mundo tem uma falha existencial profunda e insuperável: um prato cheio para os psicanalistas!!), Ecos do Além dá um diagnóstico ao menos muito mais preciso: que, no meio da singularidade de cada um, mesmo sem os estereótipos, a vida comunitária dos belos corpos é por si só doentia.

O filme de David Koepp ainda pode ter uma aproximação ainda interessante: à maneira de O Sexto Sentido, a criança é forte, sabe muito mais que os pais e está muito mais apta a agir do que os adultos. É a questão da educação da criança, da sua passagem ao mundo do saber (o saber dos adultos, bem entendido) que está presente nessas duas crianças com dons mediúnicos. Um horizonte muito mais bonito se quisermos contrapor à criança apática e quase autista de A Vida É Bela, a criança com aquela felicidade inocente e a-social que deve ser privada de todo contato com o que verdadeiramente se passa ao redor dela. Em Ecos do Além, a criança sabe, e sabe até demais. Daí ela ser o meio (= médium) pelo qual passa a verdade e, pouco depois, ao final do filme, ela fechar os ouvidos para não mais ouvir verdades. A criança, que inicialmente por ser a instância ainda não social, revela a verdade por trás da falsidade social, tampa os ouvidos e, finalmente, passa à esfera dos adultos e aos jogos sociais, onde a verdade não mais se coloca, mas o "bem parecer aos outros".

Resulta que Ecos do Além é um filme muito estranho, anti-heróico e permeado de comentários que aparentemente podem não ser levados em consideração. Mas é um filme que dá uma dimensão sombria da América, e uma dimensão muito menos reconciliatória do que esse novo discurso "oficial" do mal-estar americano (Felicidade, Beleza Americana, Tempestade de Gelo...) e só por isso já vale ser visto.

Ruy Gardnier