Durval Discos, de Anna Muylaert

Durval Discos, Brasil, 2002

Antes de entrar em cartaz, muito antes, Durval Discos aparecia em trailers em várias sessões nas salas de exibição que costumam passar filmes nacionais. Se não me engano, faz mais ou menos um ano desde o primeiro dia que vi a tal peça publicitária. A curiosidade ficou devidamente atiçada. Durval chega apresentado como o grande ganhador do Festival de Gramado, recebendo os principais prêmios, entre eles direção, roteiro e filme. A curiosidade ficou mais atiçada ainda. Parece que finalmente havia chegado o filme brasileiro perfeito que poderia juntar os gostos da crítica e do público, agradando a todos e salvando o nosso cinema, mostrando um caminho concreto rumo à independência artística fincada na sobrevivência econômica. Os outros prêmios ganhos em Gramado (fotografia, direção de arte e o prêmio de melhor filme pelo júri popular e da crítica) fazem crescer as expectativas.

Pois Durval Discos consegue ser uma grande decepção. Seguindo um caminho inverso no cinema recente, onde um filme é visto já com uma bagagem considerável de preconceitos, ele é mostrado com a vantagem de parecer simpático. Mas qualquer resquício de boa vontade para analisar Durval some assim que fica claro que ele não é nada do que se propunha a ser.

Porque é isso exatamente. Durval é uma coleção de temas interrompidos e considerações capengas. Uma lista de "poderia ser".

Poderia ser uma obra que fala da transição e a sua não aceitação. A loja de discos em 1995 enfrentando a concorrência dos CDs e seu dono Durval batalhando para manter um negócio que é muito mais afetivo do que viável financeiramente em um mundo cada vez menos afeito a esse tipo de conduta. Poderia ser um filme sobre a necessidade de reencontrar o afeto e a confiança, cedendo e aceitando mudanças pessoais para poder continuar a vida. Poderia ser uma comédia de situações e tipos estranhos ambientada em uma São Paulo diversa, aberta, onde os diferentes são realidade, por mais que não pareçam. Mas não é nada disso.

Qualquer linha condutora do enredo é negligenciada em nome de uma falsa comicidade que viria a cargo de personagens estranhos representados por figuras conhecidas no nosso universo pop. A direção cria um desfile de astros para legitimar uma obra que não apresenta outros atrativos repetindo um cacoete conhecido de produções desse gênero. Não esqueçamos de Como Ser Solteiro. Mas esse recurso não pode ser salvação para nada. É gritante a falta de curso de um roteiro que foi trabalhado na oficina do Sundance no Rio. Há uma reviravolta, uma revelação, um plot point. A partir daí o que não andava bem desanda de vez e o filme vira uma sucessão de acontecimentos que impede qualquer compreensão realista dos personagens e suas ações. Impera uma falta de significado onde o lado cômico é forçado por situações absurdas e o comportamento das pessoas não tem nada de minimamente racional. Essa foi a opção encontrada para fazer de uma trama pífia algo que coubesse em um longa-metragem. A miséria interior de Durval e a loucura progressiva de sua mãe não são mostradas como conseqüência dos tais acontecimentos. São, antes, o que fazem o filme, são os próprios acontecimentos e, a partir de um ponto, as únicas coisas que o filme tem para levar ao público. E essa falta de correlação das ações com a realidade torna patético e ridículo o comportamento dos personagens. Tentar extrair humor daí é crueldade.

E de pensar que o filme começa tão bem, com uma das aberturas mais bacanas que o cinema já viu. Deveriam exibi-lo de trás para frente, deixando por último os créditos apresentados no início.

João Mors Cabral