Uma Receita para a Máfia,
de Bob Giraldi


Dinner rush, EUA, 2000


O que esperar de um filme de pequena produção americana de 2000 que só em 2003 chega aos cinemas brasileiros sem que ninguém jamais tenha ouvido falar dele? E mais: de um diretor que realizou o último de seus dois longas em 1987, nenhum deles de qualquer importância, e que no IMDB tem metade dos trabalhos listados referentes a um vídeo dirigido para Pat Benatar? E mais: se descobrirmos que este mesmo diretor tem trabalhado principalmente com publicidade, e é também dono de restaurantes, o que parece ser o motivo que o leva a fazer um filme inteiro passado dentro de um dos restaurantes de que é dono? Não se espera nada deste filme, não? Ainda bem, porque geralmente nas menores expectativas vêm as melhores surpresas, e este filme é uma delas de tão baixas que eram as esperanças de resultado.

A maior surpresa talvez venha justamente do fato de que, mais do que um filme certinho e bem resolvido, trata-se de um desafio bastante grande para um cineasta, pois o filme se passa todo no mesmo espaço do restaurante ao longo de uma noite (excetuando-se um curto prólogo). Giraldi se mostra absolutamente preparado para os desafios deste formato: consegue trabalhar o espaço único de forma absolutamente cinética, com um filme que transpira vibração e vitalidade. Consegue inserir seu óbvio amor pelo ambiente do restaurante e a fina observação sobre os jogos sociais travados lá dentro, e os hábitos e vícios de seu funcionamento, sem que isso se torne o centro único do interesse. Consegue trabalhar a limitação de tempo com um domínio especialmente interessante da construção narrativa, onde as tramas paralelas vão se amontoando sem que jamais alguma delas fique por demais esquecida nem por demais preponderante - o espectador sente o raro prazer que é a fluência de uma narrativa solta, mas que possui alguém por detrás dela que a controla sutil mas certamente.

Ele consegue ainda realizar um trabalho de personagens múltiplos com o carinho e a atenção ao trabalho de direção de atores e construção de personagens onde todos conseguem criar algum tipo de empatia com suas histórias, por menos tempo de tela que tenham. E, finalmente, consegue um feito ainda mais raro: cria uma narrativa que engana o espectador como uma observação de personagens, escondendo uma virada no seu final que não soa nem um pouco gratuita e "auto-centrada", muito pelo contrário. Esta virada dá um sentido muito maior ao verdadeiro balé que Giraldi encena no restaurante ao longo do filme, porque percebemos que este balé era realmente orquestrado, só que não apenas pelo diretor. O final inteligentemente retoma o prólogo, o qual parecia estranhamente em desacordo com o filme até então.

Pode até ser que fossem só as baixas expectativas, mas o fato é que por todos estes talentos Giraldi não só constrói um filme surpreendente, mas mostra-se de fato um cineasta de olhar atento e com a capacidade de, com bem pouco, conseguir dar nuances humanos a uma história. Seu filme não parece óbvio ou cansativo nem por um segundo, e mesmo os personagens que trabalham no limite do clichê estereotipado conseguem momentos de atenção (seja pelo trabalho do ator, seja pelo roteiro) onde fogem da armadilha e ganham maior envergadura. Um filme que se não alça vôos maiores é porque realmente não se propõe a isso. Mas os vôos que alça são certamente muito mais do que se esperaria dele, que parecia fadado a ser uma galinha: que até possui asas, mas daí a sair do chão...

Eduardo Valente