Um Dia de Rainha,
de Mariel Vernoux


Reines d'un jour, França, 2001


Um segmento da crítica brasileira solta fogos de artifício quando se depara com filmes franceses "despretensiosos". Opondo o apelo popular e o pacto com a diversão dessa vertente tão comemorada, despropositadamente, à ambição estética-intelectual dos fundadores e herdeiros da Nouvelle Vague, em geral taxados como chatos e entediantes, os resenhistas em questão tendem a ver como mérito a ausência de complexidade dos alvos de seus elogios. Um Dia de Rainha, de Mariel Vernoux, satisfaz essa, digamos, necessidade de leveza. O compêndio de conflitos amorosos alinhavados pela narrativa suavizam a generalizada crise emocional esboçada na tela por meio de um tratamento destinado a desproblematizar os dramas dos personagens. Como se a dor das pessoas ali observadas não fosse relevante o suficiente para serem levada a sério e só merecesse servir ao lazer e provocar o sorriso distanciado do espectador. É jeito alegrinho de encarar as feridas do coração, com suas consequentes dores e melancolias.

O foco se espalha por uma pequena galeria de personagens flagrados em estágios e naturezas diferentes de crises afetivas. São tipos apropriados para compor o painel de infelizes e impotentes de O Fabuloso Destino de Amelie Poulin, de Jean Pierre Jeunet, que se tornou o paradigma a ser reverenciado por quem tem sede de cinema francês cheio de gracejos e vazio de complicações. Eis os enfermos da alma que desfilam por Uma Dia de Rainha

1. Uma mulher empenhada em praticar o salto de cerca como analgésico existencial para seu casamento ligado no piloto automático.

2. Um motorista de ônibus inconformado com a separação recém anunciada.

3. Uma jovem fotógrafa que, depois de transar em uma festa de casamento onde está trabalhando, no caso com o protagonista do casório (o noivo), descobre estar grávida.

4. Um velho enfurnado em casa e mergulhado em delírios com um antigo amor

Esses fragmentos de vida são tocados com tom suave, levemente cômico e por uma trilha-sonora com aquela levada maluquinha das músicas dos filmes do Leste Europeu . O visual também transpira felicidade, dos figurinos à cenografia, tudo bem coloridinho e festivo. Para não deixar o resultado com uma cara muito tola, recorre-se à uma estilização visual inócua, ora exibindo imagens aceleradas, ora em câmera lenta. O resultado parece uma mistura de sitcom americana com comédia espanhola de segunda linha , mas tendo algumas soluções formais de aparente ambição, como umas metáforas à moda de Ana Carolina em Sonho de Valsa e umas passagens elaboradas em encenação lúdico/fabular, de modo a se injetar pretensa transcendência artística em situações banais.

Um híbrido de proposta popular-mercadológica com essa abstração ainda tratada como cinema de arte. Os melhores momentos se impõem pela generosidade com que se trata a fragilidade dos personagens. Em vez de elegê-los como alvo de escárnio, o roteiro os desenha como seres que, quando divorciados da razão, vivem as emoções de modo desastrado. É lamentável que, ao debruçar-se sobre eles, o filme resulte banal. Justamente por que banaliza suas dores.

Cléber Eduardo