Cristina quer Casar,
de Luiz Villaça

Brasil, 2003


Seria muito fácil "bater" neste filme de Villaça por seus vários defeitos e limitações. Seria muito mais fácil, porém, se ele simplesmente não pudesse ser defendido, nem mesmo como intenção de cinema. No entanto, o que torna difícil a missão do crítico (uma série de pontos de possível interesse do filme) é o mesmo que acaba dando mais vontade ainda de "bater", porque os erros parecem ainda mais tristes quando impedem algo de interessante de nascer num filme.

É claro que Cristina quer Casar se insere numa tentativa de fazer filmes de mercado para o cinema brasileiro, o que por si só é algo de muito importante (embora seja bastante complicada a questão da necessidade que o público de fato nutra por um produto como este, uma vez que ele é oferecido a ele pela TV todos os dias). Segundo alguns (e geralmente é o caso dos envolvidos em projetos como este), essa destinação ao público também deveria tornar o filme não passível de crítica, como se modelos de filme (ou de entretenimento em geral) voltados para um público mais amplo não carecessem de qualquer comentário por parte de ninguém. "O público é quem tem a resposta", costumam dizer antes do lançamento. Se for sucesso, esfregam isso na cara de críticos. Se for fracasso, apagam da ficha e seguem adiante. É uma posição empobrecedora e que considera a crítica ignorante, como se incapaz de entender que o que se espera de um filme como este (seja em qualidades ou em limites) é algo de muito diferente do que de um filme de Julio Bressane, por exemplo.

Uma possível crítica menos "compreensiva" poderia chamar de defeito, por exemplo, o fato de que no primeiro diálogo entre os personagens de Denise Fraga e Marco Ricca já se sabe exatamente como o filme vai terminar. Não é o caso aqui: é lógico que a atenção a certas fórmulas de satisfação de público é essencial nesse tipo de produto. No entanto, não é uma necessidade que o filme entre esses dois pontos (o "setup" inicial e o final feliz) seja tão tedioso quanto este acaba sendo. E o que é mais interessante sobre este efeito de monotonia é que ele se dá em parte pela obsessão do filme em abraçar este tal gênero da comédia romântica, e em parte pelas eventuais tentativas de fugir de suas amarras. Fica a impressão que faltou conhecimento de causa para realizar um perfeito exemplar de cinema de gênero (algo muito mais difícil de se fazer do que se crê) e disposição para fugir do molde deste. A híbrida tentativa de misturar estações resulta no fracasso do filme como realização.

Na parte do abraço equivocado ao gênero podemos citar, por exemplo, a trilha sonora. Constante, alta, insuportavelmente presente, como se não bastasse isso (que reflete o método John Williams de vencer pela exaustão) comete o erro de ser simplesmente inadequada. Na imensa maioria das cenas a impressão que se tem é que retirou-se a música de um outro filme e colou-se neste, tal a briga entre imagem e trilha sonora. À inadequação da trilha se soma a extrema obviedade na evolução da trama: será que alguém ainda acha graça ou agüenta, por exemplo, cenas de encontros risíveis entre amantes escolhidos em agências ou anúncios de jornal? Outra característica bastante complicada é o esquematismo de certos personagens, como principalmente o de Fábio Assunção. Na tentativa de fazer de um típico galã um ator de construção de tipo cômico (o do tímido desengonçado), o filme consegue unir um "miscasting" completo a uma aula de "overacting". Cada gesto de Assunção parece querer gritar "Sou um tímido com cara de galã!". Mas, parece menos culpa do ator do que de uma concepção de direção, se observarmos os excessivos tiques nervosos de Denise Fraga. Parece que todo personagem precisa se explicar em algumas pouco sutis características físicas e de expressão, assim como num bom e velho teatrinho Troll. Marco Ricca, aliás, enfrenta bravamente este caminho, e embora acabe saindo derrotado (no papel de Homem Sensível mas Cheio de Problemas), luta um belo combate. Só mesmo Suely Franco pode se considerar vencedora, no fim das contas.

Para contrabalançar tamanho esquematismo e mão pesada de trilha, atuações e direção como um todo, o filme tenta lançar mão de um ritmo mais cadenciado do que aquele que uma autêntica comédia de costumes usaria. Há uma cena em especial onde isso fica claro: o encontro de Fraga e Ricca em cima de uma ponte, com sucessivos cortes em fade voltando ao mesmo espaço. Este ritmo, que beira o contemplativo às vezes, poderia se constituir no grande golpe do filme, mas também parece essencialmente equivocado. Sem qualquer recheio, desmorona vazio e, rapidamente, o lento torna-se modorrento. O filme quer unir esquematismo e obviedade no seu approach "formulaico" com uma atenção "offbeat" a detalhe. A combinação não desce pela garganta bem: antes uma fórmula filmada com frescor, ou melhor ainda, uma autêntica opção pela quebra de paradigmas de gênero. Tentando fazer os dois, falta talento na realização para ambos.

Até aqui descrevemos de forma simples os equívocos da realização. Mas não tratamos do que realmente poderia fazer o filme atingir inesperadas alturas, e o que ao não se concretizar o torna tanto mais frustrante. Claramente baseado no formato do quadro que o diretor e sua atriz/esposa realizaram no Fantástico, este filme também deseja se parecer com uma história "real", que poderia acontecer com qualquer um de nós. Para isso, mergulha de forma bastante clara numa realidade nacional bastante ausente do nosso cinema: um certo universo de classe média baixa. Este ambiente, se contaminasse o filme, podia dar a ele um frescor inesperado, ao contrário por exemplo de um Avassaladoras, que se passa na boa e velha Terra do Nunca do cinema. Só que, ao invés de se deixar tomar por essa realidade, o filme tenta o tempo todo domá-la e usá-la de trampolim para um histrionismo fácil ou um melodrama mais ainda. Os gerentes de banco, os agiotas, as ex-mulheres precisando de pensão não surgem nunca como forças da trama e sim como "plots" a criar um "drama". Essa utilização de uma realidade tão rica como escada para o entretenimento é o que de mais empobrecedor se faz no filme, e se fazia no tal programa.

A atuação e, de fato, toda a persona cinematográfica-televisiva criada por Denise Fraga são a grande encarnação deste equívoco conceitual. No seu mundo de tiques, de gaguejadas, de balançadas de cabeça, ela parece o tempo todo estar fazendo um esforço monumental para "ser normal". Esta linha de atuação (ainda que um tom abaixo do deplorável Por Trás do Pano) cisma em tornar personagens de seus 30, 35 anos em autênticos retardados, como se a "figura popular" fosse necessariamente farsesca, clownesca. Esta idéia de reproduzir uma noção de "gente comum" através de tamanha artificialidade é o que de mais grotesco o padrão Globo de dramaturgia sempre nos legou. A pasteurização da nossa realidade num grande circo de representação. Até aí, nada de novo, como dizíamos, mas neste filme o resultado está especialmente evidenciado pela insistência em criar momentos "de verdade", como os das entrevistas de outras pessoas na agência matrimonial. Naqueles pedacinhos de filme onde atores muito melhores do que Fraga surgem por apenas alguns segundos de tela (caso dos mostrados em película), ou quando figuras comuns (dá para reconhecer alguns membros da equipe, por exemplo) são mostrados em vídeo, vemos um contraste absurdo entre um "drama" e uma "representação de drama". O filme torna sua artificialidade tão mais clara, e com isso retira qualquer ar de si mesmo. Os poucos segundos daquelas figuras parecem muito mais interessantes que a hora e meia dos personagens de Fraga, Assunção, Ricca. É um pouco como o uso das locações de filmagens na rua, ou em prédios de verdade: eles dão muito frescor ao filme, fugindo do "look Projac" de externas e internas, mas são logo abandonados pela dramaturgia televisiva mais tosca. Ambos (figurantes e paisagem) nos lembram do uso semelhante dado a figurantes e a paisagem em um Guerra de Canudos, onde as marcas dos rostos e vegetações tornavam tão mais ridículas as tentativas de dramaturgia do século 19 que eram encenadas em primeiro plano. Aqui se dá o mesmo efeito: Cristina Quer Casar quer mesmo é se utilizar da realidade, sem ser contaminado por ela. Torna-se tão mais desinteressante por este expediente quase covarde.

É claro que, se conseguir sucesso com o público, pode ignorar tudo isso e se considerar um vencedor. Mas não se tornará um bom filme por causa disso. E o pior é que podia até ser, sem qualquer prejuízo ao seu público.

Eduardo Valente