Copacabana, de Carla Camurati

Copacabana, Brasil, 2001

Tudo que se quer assistindo Copacabana é ter motivos para se elogiar. Afinal trata-se de um projeto pessoal há tanto tempo perseguido com evidente carinho pela diretora, sobre o tema dos idosos e o seu universo. Fica difícil (principalmente para quem tenha avós...) não nutrir simpatia. Simpatia esta que só aumenta com os primeiros planos, um velório divertidamente patético, a narração de Marco Nanini, Copacabana...

Infelizmente daí para a frente fica difícil se elogiar o filme sem inúmeras reservas, porque embora todas as suas intenções estejam evidentes na tela, pouquíssimas parecem ser atingidas na totalidade. A começar pelo tom, pelo ritmo do filme. No fundo, uma ode às memórias, às recordações de uma vida de 90 anos, o filme constantemente trai o potencial poético desta estrutura pelo excesso de sua narração em off praticamente ininterrupta. A diretora não parece confiar no espectador em criar o seu próprio percurso emocional com as imagens e força o tempo todo a criação de uma "emoção" pela voz do narrador. O recurso resulta no seu contrário, há um cansaço do tom "meloso" da voz de Nanini nos dizendo inúmeras vezes quão especiais são aquelas lembranças. Mas, não é só a narração. Existe um número limitado de vezes em que pode ser eficiente um olhar para fora da câmera, um apertar de olhos, puxando um "flashback". O filme busca ser emotivo, mas não tem a capacidade de fazê-lo usando artifícios menos batidos do que a voz embargada e o olhar perdido.

Deste problema se desenvolve outro: a narrativa não possui uma lógica de desenvolvimento (nem mesmo a lógica livre da poesia). Ou seja, os personagens se revelam muito pouco ao longo da história, e nenhum deles assume um perfil mais interessante, ou se desenvolve. A idéia da "irmandade de idosos" é boa, mas pessoalmente eles não conseguem ter interesse. E acabam dividindo demais a narrativa, e com isso tirando a força do personagem principal, que também resulta menos interessante do que deveria. Entre o início com o velório, e a volta a ele no final, a narrativa mais claudica que se desenvolve.

Estes são os principais pecados, já que duram o filme todo, e atravancam sua intenção de projeto. Mas não são os únicos. Outro problema sério é a incapacidade de decidir-se por uma linha narrativa. Há no filme inúmeras "pontas" de outras linhas que ficam soltas por não serem seguidas. Um exemplo é o desenho animado logo no início, que conta a história da N. Sra. de Copacabana. Um belo curta de animação, no filme como um todo tem pouquíssima utilidade, ainda mais tão cedo na narrativa, interrompendo bruscamente a introdução. Outro exemplo é o clima dos créditos iniciais que insinua um viés "documental" ao filme, que poderia ser um olhar sobre a Copacabana moderna em contraste com seu "enxame" de idosos. Mas, ao longo do filme tem muito pouca importância a Copacabana de hoje, que aparece pouquíssimo em quaisquer aspecto externo outro que não o calçadão ou o mar. Finalmente, quase no final há uma cena na Bolívia, completamente descontextualizada. Quem acompanhou as notícias de filmagem do projeto, sabe que a cidade de Copacabana existe na Bolívia, de onde veio a santa, mas já no final do filme, estas imagens não adquirem qualquer relevância. A impressão que fica é que todas estas eram grandes idéias, que uma vez realizadas, ninguém na montagem teve o desprendimento de perceber que não se encaixavam com o projeto final.

Outro problema grave do filme é que os "flashbacks" em torno dos quais a história se estrutura não têm a força que deveriam. No geral, as imagens são apenas comuns, não criam uma magia que justifique suas lembranças pelos idosos. Um problema grave vem da produção, é claro: não há como filmar as várias Copacabanas do século com planos mais abertos, que mostrem a evolução do bairro. Com isso, há um limite de vezes que funciona mostrar o Copacabana Palace e o mar, únicos dois remanescentes dos tempos antigos, sem se tornar repetitivo.

Isso tudo tornam diminuídos esforços admiráveis como a excelente maquiagem usada em Marco Nanini, como o trabalho do grupo de atores mais velhos que emprestam vida aos seus mal desenvolvidos personagens, como a bela fotografia e a trilha sonora que mescla a Rosa de Pixinguinha com um ótimo funk-tema.

E, um filme que agrega toda simpatia antes, acaba se esvaindo lentamente ao longo de sua duração, deixando uma certa tristeza por um projeto tão belo que não consegue solucionar-se como narrativa. Este é o resumo dos problemas do filme: não decidir que caminho toma. Se um ensaio poético, se uma crônica engraçada sobre a vida na velhice, se a história de um personagem que atravessa o século, se um olhar sobre a Copacabana de hoje e ontem, se um apanhado mítico (como indica as origens bolivianas) de um bairro. Tentando ser tudo isso, acaba não sendo nenhum. Infelizmente.

Eduardo Valente