Confissões de uma Mente Perigosa,
de George Clooney

Confessions of a dangerous mind, EUA, 2002


Verdade ou mentira? Essa é uma pergunta cuja resposta não tem valor em Confisssões de uma Mente Criminosa. Não importa para uma avaliação do filme se o protagonista existiu na vida fora da tela como está mostrado nela ou se inventou um segmento de sua biografia para explicitar sua transformação em personagem do circo midiático. Conta-se a inusitada história de Chuck Barris, criador de alguns modelos bem sucedidos de programas de auditório, como "namoro na tevê" e "show de calouro", que age secretamente como exterminador da CIA. Nas duas atividades, ele é um faxineiro. Varre do palco quem não lhe parece interessante e da vida quem não interessa aos EUA. Despreza os americanos de forma geral, olhando-os de cima para baixo, desconfiado de que só há medíocres no país, mas defende esses americanos como agente secreto, assim como vende a boçalidade deles em sua atuação na TV. De um jeito ou de outro, afirma-se pela eliminação. E lucra com essa atividade de destruição dos "outros".

Passemos à direção. George Clooney propõe variações cromáticas que assumem o tom fake do registro. Essa opção persegue uma embalagem "artística" para o filme, assim como algumas fusões e enquadramentos de efeito, que revelam a necessidade do astro provar-se diretor, com toda sorte de soluções praticadas com exibicionismo oco. Mas o excesso de artifícios também pode ser encarado como uma embalagem coerente para o tema. Pois tudo fica artificial como no universo da TV. Voltemos então, ao início. O livro de Chuck Barris, no qual Clooney baseia-se, é uma autobiografia que, teoricamente, ganhou o incremento da ficção. Busca sua verdade na mentira ou na invenção.

Também a linguagem narrativa, composta da história do protagonista e de depoimentos sobre ele, adota o tom de falso documentário. Usa a mentira para simular uma verdade que escancara a mentira da linguagem. A representação do real funde-se com a representação da representação. Nada é real, no sentido estreito, e tudo o é, se a encenação é assumida. Isso vale para a trajetória do personagem, para o mundo da TV, para todo os Estados Unidos, aquele "país de ficção", como vive salientando o diretor Michael Moore.

Essa abolição da fronteira entre existência e simulação é marca registrada e já ofegante do roteirista Charlie Kaufman (Quero Ser John Malkovich, Adaptação). Criador de personagens frustrados ou confusos com sua identidade, que tentam se aceitar e desejam ser aceitos, Kaufman volta a trabalhar com um sujeito insatisfeito. No entanto, há uma mudança, ao menos uma. Se os personagens anteriores eram corroídos pela dúvida sobre seus méritos, independentemente de terem ou não talento, Chuck Barris tem convicção em sua vitória na competição americana. Ao contrário de outras crias de Kaufman, ele não é limitado por questões morais. É um pragmático. Sua sede de sucesso, porém, jamais o sacia. Barris quer sempre mais. Talvez não amarre os laços com sua quase-namorada por ver nessa ligação um sinal de acomodação. É empreendedor sempre aberto a conquistar mais.

Como é comum em conquistadores, Barris não suporta o mundo ao redor. Acha-se em um patamar acima de tudo. Pode-se ver nisso um olhar crítico. Mas a crítica, se assim pode ser entendida, é canhestra. Talvez até estúpida e primariamente arrogante. Porque tem como alvo menos o protagonista e mais os tipos patéticos a circundá-lo, vistos como anomalias e não como seres humanos comuns. É como se George Clooney, pela figura de Barris, reprovasse os americanos, por atacado, e, ao mostrá-los como figuras constrangedoras, afirmasse sua superioridade (a dele, Clooney, e a de Barris). Pois o desprezo generalizado por algo próximo e por si próprio, como ensina a personagem de Julia Roberts, citando Nietzsche, é um auto-elogio à capacidade de criticar a si e aos outros. Barris tem consciência de como é nefasto, mas, ao admitir isso quando se vê à beira de um colapso generalizado, acaba se redimindo de tudo. Reconhecer a própria chaga seria sinal de saúde e purificação.

Reconhecendo a de Barris, por quem nutre indisfarçável simpatia, Clooney também se redime. Assim, pelo menos, deseja. Tal atitude não é exclusiva dele. Boa parte do cinema americano contemporâneo feito por diretores surgidos nos anos 90 filmam os personagens com desprezo ou rancor para mostrar como anda doente a América. Ao reconhecer a doença, portanto, eles se livram dela. Essa visão unidimensional, que trata um país como um corpo homogêneo e os personagens como sintomas da enfermidade desse organismo, não passa de reducionismo. Também revela uma negação dos objetos com os quais esses autores parecem ter medo de se identificar. Em Confissões de uma Mente Criminosa, essa tensão negação/identificação é mais nebulosa. Clooney legitima seu personagem, embora reconheça suas manchas, ao colocá-lo em plano superior. Se ele é sórdido, o mundo não fica atrás. Com, uma diferença: ele tem talento, o mundo, assim genericamente, é quase débil.

Voltamos assim à velha questão dos filmes que se proclamam diagnósticos quando são parte da doença. Confissões de uma Mente Criminosa, por exemplo, trata tudo de forma anedótica, inclusive os assassinatos, que nem importam à narrativa. Tal banalização estaria fora de questão por se tratar de comédia. Opa! Esse é um truque tão covarde quanto oportunista, pois, ao se proteger no registro do humor, desautoriza quem tente levar as imagens a sério. Sendo só uma brincadeira, estaria livre de questionamentos. E assim tem caminhando parte do novo cinema americano. Julga tudo sem sutilezas para, com esse retrato implacável de seu meio, em geral protegido pelo viés cômico, tirar seu corpo do lodaçal. George Clooney, porém, chafurdou na lama. Não há muita diferença entre seu filme e o personagem no qual este se sustenta. Ambos se acham os tais por rirem de quem lhes parece inferior e descartável. Parece coisa de moleque sem nenhum conhecimento da complexidade da vida e da humanidade.

Cléber Eduardo