Bicicletas de Pequim,
de Wang Xiaoshuai


Shi qi Sui de Dan Che, China/França, 2000

Os críticos têm uma tendência natural de ver nas especificidades de um filme emblemático a tendência de uma cinematografia em determinado momento histórico. E realmente é tentador encarar Bicicletas de Pequim, de Wang Xiaoshuai (Os Dias), como uma possível tendência do cinema chinês em um futuro próximo. Em poucos minutos, as imagens atiçam os olhos. Com uma ambientação urbana e um dinamismo narativo, evidenciado pelos cortes ágeis e pela fluência da montagem, o filme injeta ar novo no mundo modorrento, aparentemente parado no tempo e inacapaz de olhar para frente, que, com o perdão do reducionismo, caracteriza boa parte da produção chinesa importada pelo Ocidente. Essa opção não visa, ou não visa apenas, a internacionalização. É pertinente com o próprio contexto, na verdade tema, que o filme radiografa.

A briga de dois adolescentes pela posse de uma bicicleta, usada por um como instrumento de trabalho e pelo outro como afirmação social, abre portas para um resumido panorama da modernização do país. Nas cenas filmadas nas ruas de Pequim, vemos sinais de novidade e de permanência. A câmera focaliza desde jovens de visual ocidentalizado, que tendem a resolver seus conflitos com violência, até tranquilos velhinhos sentados na calçada. Em um mesmo ambiente, no mesmo plano, dois tempos e países convivem. Um corre. Outro segue lentamente. Ter pelo menos uma vaga idéia das mudanças econômicas ocorridas nos últimos anos na China talvez seja necessário para se perceber melhor como a ficção articula-se com a realidade à qual ela encena sob um ângulo específico. Isso não significa que, sem o conhecimento desse mundo exterior à narrativa, o resultado fique manco. Não. Há nele uma autonomia dramática.

Mas não há dúvidas de que, se os personagens forem vistos também como símbolos sociais, o resultado fica mais interessante, embora, de forma geral, suas significações sejam esquemáticas. A briga brutal dos dois jovens pela bicicleta, por exemplo, reflete a ausência de um mediador. Sem nenhuma instância a qual recorrer, eles têm de negociar ou sair no tapa. É impossível não ver nessa situação uma metáfora do recuo da presença do Estado e do avanço das iniciativas privadas na China. O olhar para essa conflitante transição é duro. Isso fica claro pelo revelação dos métodos de exploração da empresa de entregas de cartas para a qual trabalha um dos personagens. Sem suspirar de saudade pela velha ordem, Wang não vê com otimismo os novos tempos. No plano final, quando as bicicletas deixam de aparecer em primeiro plano e a câmera valoriza a presença dos carros na autovia, filmada como uma estrada para o futuro, o ceticismo é explícito. Uma modernidade cinzenta, conclui-se, está em andamento. A liberdade e o progresso caminha com o embrutecimento. Assim pensa Wang.

Cléber Eduardo