Beijando Jessica Stein,
de Charles Herman-Wurmfeld

Kissing Jessica Stein, EUA, 2001


Início do filme, antes dos créditos, sobe a musiquinha da Fox e nos brinda um logo relativamente novo, o da Fox Searchlights: uma ramificação da grande produtora dedicada exclusivamente aos filmes de pequeno ou médio porte com um perfil de público alternativo. Sinal dos tempos, a Fox tornou-se independente! Em geral, sabemos o que esperar desse tipo de produção: personagens em algum grau minoritários que tentam se enquadrar no esquemão (negros, judeus, intelectuais, intelectualóides, nerds, gays e lésbicas tentando gritar "different is beautiful" assim como o blaxploitation uma vez gritou "negro é lindo") envolvidos em tramas e narrativas absolutamente hollywoodianas. Apenas em um tom falseadamente menor. Vemos Beijando Jessica Stein com essa impressão ambígua, de que estamos diante de um filme que tenta ser independente mas não escapa de recriar a mesma série de clichês numa escala menor, "da moda", assim como jovens profissionais liberais e de comunicação escolhem marcas como Cavalera ou Adidas para sentirem-se diferentes dentro de um certo gueto. Beijando Jessica Stein tem, contudo, esse charme fake, esse desejo verdadeiro (e, em certa medida, adorável) de ser verdadeiro mas incapacitado de sê-lo por insuficiência criativa – ou pelo desejo contraditório de ser diferente mas conseguir ser aceito pelos iguais.

Em todo caso, o percurso do filme (e, nas entrelinhas, o do diretor) segue o da personagem principal: jovem bem sucedida sem rumo na vida que, na ausência de grandes turbulências emocionais decide partir para uma aventura amorosa no terreno homossexual. Conhece, tem medo, simpatiza, se apega, ama, não ama, separa e volta ao estágio anterior, só que restabelecida: está pronta para o grande amor e para o futuro. O filme, ele próprio, tem um destino diferente: é tomado presa rápido demais de todos os clichês do gênero comédia-romântica-indie (Amor em Pedaços, Happy Accidents): a procura por um parceiro em pequenos clips com montagem paralela de todos os pretendentes, ambiente intelectual (vernissages, livrarias), em certo clima retrô talvez derivado de Um Homem, Uma Mulher... Gênero inequivocamente reacionário, cuja função é muito mais assentar seus personagens em seu lugarzinho determinado do que espraiá-los numa situação determinada (social, existencial, até sentimental) que os impede de achar esse locus fixo. Se esse é o cinema independente, que venha logo o majoritário abocanhar todo o mercado. Porque, se temos todos os motivos para detestar um cinema como o feito por David Fincher (Se7en, Clube da Luta, O Quarto do Pânico), ao menos havemos de concordar que ele (como Oliver Stone, aliás) tenta problematizar alguma coisa, tenta colocar a hipótese individual em choque (mesmo que seja com os argumentos paranóicos mais espúrios). Aqui, não se tenta nada: há um conformismo existencial se passando por socialmente liberal (ao tratar de um tema minoritário como o lesbianismo) que pressupõe uma visão de mundo tão dócil e pacata quanto um sábado à tarde sem nada para fazer.

Em tempo: mais para o fim do filme, toca a espetacular versão de Ella Fitzgerald para "Manhattan" de Rodgers e Hart e uma versão americana para "Que Reste-t-il de nos Amours", de Charles Trenet, usada em Beijos Proibidos de François Truffaut. Apesar da exuberância das músicas, não há como pensar a partir delas que o retrô volta a ser vendido como objeto de mais-valia cultural (ou capital cultural, como dirá Bourdieu) fazendo-se de diferente apenas para redundar no mesmo? Em todo caso, mesmo que a trilha siga a lógica do filme, as músicas são muito melhores.

Ruy Gardnier