Barra 68 - Sem Perder a Ternura,
de Vladimir Carvalho


Barra 68 - Sem Perder a Ternura, Brasil, 2000

É delicado falar de um filme como "Barra 68". Pois, assim como toda obra que toca momentos importantes do passado e têm ressonâncias ainda muito fortes hoje, as intenções podem acabar se confundindo com a realização. Ao criticar uma, corre-se o risco de comprometer-se com as outras. Não é o caso.

Dito isso, é preciso que se adiante: "Barra 68" é um filme importante, necessário até, mas não é um bom filme. Vladimir Carvalho mais uma vez retorna a seu maior foco de inspiração e pesquisa, Brasília, que já deu os excelentes Brasília Segundo Feldman e Conterrâneos Velhos de Guerra. Mas, ao contrário de suas obras anteriores, clássicos do documentário brasileiro, seu novo filme é irregular e falho.

A idéia, porém, é excelente e oportuna: narrar a história da Universidade de Brasília (UnB) desde sua concepção por Darcy Ribeiro até os acontecimentos de agosto de 1968, quando a Polícia Militar invade o campus e, como decorrência, o regime militar acaba pondo fim ao projeto inicial de uma universidade autônoma que servisse como centro de excelência na região.

Baseada principalmente nos depoimentos dos alunos e professores reprimidos em 1968, a primeira parte do filme dá um bom painel do clima idealista e militante que animava toda a comunidade universitária antes da invasão. Vemos como as manifestações estudantis ganham força a partir da morte do estudante Edson Luís no Rio, até o momento em que os militares entram na UnB e mantêm como prisioneiros numa quadra de basquete cerca de 500 pessoas, entre alunos, pais, congressistas e professores.

Na segunda parte de "Barra 68" as coisas começam a não funcionar tão bem. Uma vez narrado o trágico acontecimento, o filme passa a fazer uma análise do que teria acontecido com o projeto original de Darcy Ribeiro. A pesquisa termina numa entrevista confrontativa com Almeida Azevedo, o homem que tomou as rédeas da Universidade depois de 1968. Nesse momento, o diretor e entrevistador, contrariado com as constantes evasivas de seu interlocutor, comete o excesso de "resolver" todos os impasses argumentativos com uma narração "off" raivosa que parece querer impor uma verdade aos fatos, mas que se revela invasiva mesmo ao espectador, que se sente ofendido pelo modo como está sendo conduzido.

Barra 68 é um exemplo de coragem. Coragem de Darcy Ribeiro ao lutar até o fim de sua vida por uma universidade livre das "burocracias ministeriais" (no lindo discurso que fecha o filme), coragem de Hermano Penna ao filmar "in loco" a invasão militar ao campus. Uma pena que tenha faltado um pouco dessa coragem ao próprio filme para solucionar as coisas de maneira investigativa e exigente, e não no grito.

Ruy Gardnier